Coleção pessoal de silvia04
...Mas, secretamente sabemos
que retornaremos à paisagem primitiva,
onde a certeza será uma âncora
para o espírito disperso nas mutações.
Na paisagem primeira a nós encontraremos e restaremos."
E restamos nós
e a nossa verdade,
de repente estranha
e real como um fruto maduro em nossas mãos.
E restamos nós os sobreviventes,
açoitados pelo vento da vida.
(Agora há antes e há depois)..."
Trago-te
uma face magoada
trago-te
a sombra de minha face.
A boca guarda em silêncio os gritos interiores
e os ocasos se sucedem
nos meus olhos.
Sinto meus dedos que rompem as grades
das janelas
e se ferem de azul.
Mas as mãos,
(que desejariam voar)
estão quietas..."
Senhor,
dá-me esta noite,
eu quero - esta mansa noite.
Como poderei chorar
(até o fim)
toda minha mágoa
se não tiver, só para mim, uma noite?
Em seu mágico deslumbramento, eu navegaria,
carregando meus pobres destroços tecidos de
ausências e solidões."
Quedo-me e
te contemplo.
Vens vindo, então, em teu olhar
e te apossas da minha alma
e já não sou minha
(nem sou tua)
Estou vazia de mim mesma
e só possuo os meus olhos
onde tua imagem fez morada.
(Esta manhã nasceu um ramo de tristeza
nos meus olhos e te oferto
com um pouco daquilo de que se nutre
o azul)..."
...Andei
(muitas vezes)
o caminho que não fiz.
Repetidamente cheguei
ao lugar onde não fui.
Sou a intemporal
(a dúbia)
uma espada de fogo me div-diu:
há dia e noite em minha face dupla..."
Aqui - meu território
limitado ao norte e oeste
pelos ombros brancos do muro
e ao leste por um flamboyant que vomita vermelho
do alto de uma cratera acesa no meio
de um jardim verdeagrestino
incendiado de lavas.
Este território
onde finquei minhas raízes
onde me (mulher) plantaram
E me regaram com a água da vida
por isso que floresci
e hoje sou como uma ilha
cercada (de filhos) por todos os lados."
Ciclo da Solidão
Aviso:.
Esta solidão não é
somente minha. Nasceu em mim,
mas também tu a possues.
solidão, bem sabes, não se repartem nem se dividem.
Solidões não se somam
apenas ficam lado a lado.
Gerada em mim, em ti
dentro de todos nós gerada
o desamparo de nós todos, une."
Poema em Solidão nº1
Digo-te
Um cântico de verdade essencial.
Estou ilhada,
minha solidão criou barreiras
em torno de mim,
sou terra sem praias,
sou campo sem pouso
(não tentes o vôo)
Estou desligada,
nenhum roteiro termina em mim,
não há porto,
onde descanses a âncora..."
Poema em Solidão nº2
Vem de mim
(essencialmente)
O que te digo:
Estou só e longínqua
e vós,
vois sois, apenas, os que assistis
o passeio da minha solidão.
ESTOU
e esta Árvore Verde
Verde-Vida,
que me descobre e me reclama.
Quando cessaren todos os apelos,
eu serei tranquila e neutra e
tomarei o cinza como minha cor.
(Mas, que farei dos meus olhos, feridos de sol?)
Meus olhos
são quietas janelas
abertas para a vida,
e atrás de meus olhos
Sou
ante a noite sem resposta..."
Poema em Solidão nº3
Ninguém pronuncia meu nome
e em tristeza, minhas horas teço.
A solidão nasce, em mim,
como uma grande e branca flor.
- Meus olhos são dois poentes,
- minhas mãos gestos de adeus.
A memória se insurge: houve uma aurora.
Meus olhos se tingem do apelo do azul.
Dúbia me instalo:
Palavra e eco divi-dida
face no espelho (re)produzida.
A rosa dos ventos permanece
como estrela única,
mas eu sempre restarei.
Em silêncio devoro minha dor..."
Poema em Solidão nº4
De tempo e dor
Se tecem nossas fibras.
Éramos
e, de repente,
já não somos aqueles
que o tempo encontrou ontem.
A cada nova hora,
somos outros.
De dor e de espanto nos fizemos.
Todos os dias me construo
como um muro,
a cada novo instante me edifico.
Nossos olhos
(como muralhas)
nos guardam
e, atrás de nossos olhos
Somos,
prisioneiros em solidão..."
Poema em Solidão nº5
SOU
e a tua angústia me pressente
e a meus olhos tristes abertos para a vida.
Tua busca
rompe a solidão em que me envolvo
e me revela ao teu olhar inquieto e lúcido.
Desperta e atenta
te percebo e me descubro
a mim, que me construo e me adivinho..."
Poema em Solidão nº6
E assim,
- tão de repente -
o silêncio habitou em nós.
Em solidão
Estou
(vestida de silêncio)
Meu silêncio,
eu o construirei como uma torre:
palpável e presente
o edificarei.
...
Entre ti e mim
construirei silêncio
e o silêncio é a ponte
por onde o amor caminha..."
Poema em Solidão nº7
Agora longe (agora perto)
Somos
em solidão.
...
Agora sós / agora ilhados
em nós mesmos debruçados,
nos perguntamos sobre nossos sonhos
mortos, e no entanto vivos
- ramo decepado e florido
em nossas mãos..."
Poema em Solidão nº8
Todas as coisas estão realizadas.
Nada acontece
no silêncio opaco que
preside todas as horas.
Agora somos simples
- mas não felizes..."
Poema em Solidão nº9
1º tempo:
Elegia - Ai, que hoje te encontro
e te perco hoje.
Da noite milenar vens
me confessar teu amor dói
em mim como um claro punhal.
- Vinte vezez possuis a minha alma
e me deixas mais-só-na-solidão
que nem a mim mais possuo.
- Ai, hoje que vens,
hoje me deixas,
hoje te encontro
e te perco hoje..."
Poema em Solidão nº10
...Olho-te de olhos limpos
com minha face lavada e triste
Olho-te com o rosto da verdade.
É chegada a hora do encontro definitivo.
Nenhum artifício deverá presidir
esse momento em que eu serei tu e estarás em mim.
Olhar-nos-emos, então, como se nunca e sempre
nos conhecêssemos
olhar-nos-emos como se fossemos morrer.
Nenhuma palavra será pronunciada
porque nos diremos tudo
tudo e depressa
porque o tempo perdeu as referências ante o amor...
As palavras compõem a paixão que inexiste
enquanto
A boca cala o amor que acontece.
O afago embriona na mão que descansa indiferente
e de repente se ergue
e escreve teu nome num poema de amor...
Maria do Carmo Barreto Campello de Melo nasceu no Recife em 21 de julho de 1924-2008.Passou parte da infância no antigo Engenho da Torre e no Rio de Janeiro.Jornalista, escritora, poetisa.Principais obras poéticas: Música do Silêncio; O Tempo Reinventado; Verde Vida; Partitura sem Som; De Adeus e Borboletas; Solidão Compartilhda; A Consoada e muitas outras. Ocupava a cadeira de nº29 na Academia Pernambucana de Letras.
Meu poema é mudo
meu poema é opaco
não te vislumbrem subjacentente
entre as palavras que te cercam.
Mítico e indecifrável
é o poema pelo avesso que te contruo
íntima muralha que te construo.
Enquanto te pensava
um poema se ergueu no chão das minhas mãos
ereto e insondável
como uma flor noturna.
Passaste
e me revesti de ti
atingiste minha substância íntima: quem me vê
não se sabe que está vendo
uma parte de ti que me adere.
Interira e lúcida
perco-me e me revigoro no poema
que me recompuseste o teu nome no meu nome
com sílabas e vogais acesas.
Assina-me
sou teu texto