Carminha Barreto Campello

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Dual

É tempo de pressa.
É tempo de dor.

-Dá-me a chave,
ah, dá-me a chave
de ti,
que nas soleiras te decifro.

Inconclusa
te necessito
para ódio ou para o amor

que já me fui
e tanto
em ti
que já não sei
se Sou ou És:

se falas
ouço a minha voz
se te estranho
a mim repilo
e não sei se te amando
é a mim que amo.

Temo, pois, que
morrendo a ti desfaça
e se te perco,
onde a minha face?

Por trás de vidraças
te pressinto
e em eco escuto tua voz
- onde as mãos
dize-me
que um encontro tenho
marcado
com tua sombra.
Como buscar-te
se os relógios ficaram sem memória
e num tempo indiviso estou
perdida..."

Não saberei de ti
nem do galope de cavalos no teu sangue.

Do teu mistério
(da dor do amor do sonho)
não saberei,

só saberei de paz
e das searas de nuvens que apascento..."

Inserida por silvia04

Aqui estou.
Digo meu nome
me espanto da moldura no meu rosto
me coloco na vida
e não me sei...

...Aqui estou.
Compondo os dias e
esse espelho que me olha triste.

Em começos e fins me interponho
- pergunta e resposta de mim mesma -
de mim que me inicio e me concluo
no gemido só
que me unifica..."

Venho
como o fim das coisas
os últimos acontecimentos.

Meu signo é o
do desespero e
só há uma face
- e é amarga.

No entanto
sou como as coisas
nascentes
e há um sol
tentando irromper
no horizonte do
meu âmago.
Cheiro a grama fresca
e meus olhos não têm tempo..."

...Lança teu grito no meu silêncio
descobre-me
dá-me um nome.

Quero olhar-te com
a última-face-oculta
emergida de mim.


Crava tua verdade em minha verdade.
Revela-me
ou destrói-me..."

Inserida por silvia04

Aqui Estou, aqui estamos
e esse espelho que nos olha triste,
surpresos permanecemos e
mudos
ante o que somos e não sabemos que seja.
Revelai-nos, ah, REVELAI-NOS
AGORA, semeai-nos para que
germine a recôndita semente da
definitiva definição
(o mistério de nós)..."

Inserida por silvia04

Poesias do livro O TEMPO REINVENTADO

Hoje
fui ontem em sua boca,
que num tempo de retorno
me fizeram
os teus olhos de longes e distâncias.

E assim
por ser de ontem e não
de agora,
e muito mais miragem do que
VIDA
a imagem na tela recomposta
no tempo recuado está perdida.

Ergo-me agora
contra o tempo e contra tu mesmo
despedaço os espelhos da memória
e grito meu nome
sem data
eu que fui-sou-e-serei
sendo agora.

reinvento
a imagem
que há detrás dos olhos

inverto os calendários
e sou o Agora."

Poemapranto

Não há mais lágrimas para chorar.
Todas as palavras foram ditas e crestaram
como folhas secas.

A dor cresce
- dura e forte -
como as árvores definitivas.
A dor se instala.

Os olhos, porém, vêem e assistem e testemunham
para além e para aquém da fronteira do homem.

Que fazer desta dor?
Nossas mãos nos escavam e tentam arrancá-la
como a um fruto maldito.

- Amigo,
que vento mau dispersou
o que colhemos juntos?
Do sonho, só a semente do Azul ficou.

Mil punhais varam os ares:
- do homem só restou o que ele não queria."

Maria do Carmo Barreto Campello de Melo nasceu no Recife em 21 de julho de 1924-2008.Passou parte da infância no antigo Engenho da Torre e no Rio de Janeiro.Jornalista, escritora, poetisa.Principais obras poéticas: Música do Silêncio; O Tempo Reinventado; Verde Vida; Partitura sem Som; De Adeus e Borboletas; Solidão Compartilhda; A Consoada e muitas outras. Ocupava a cadeira de nº29 na Academia Pernambucana de Letras.

Meu poema é mudo
meu poema é opaco
não te vislumbrem subjacentente
entre as palavras que te cercam.

Mítico e indecifrável
é o poema pelo avesso que te contruo
íntima muralha que te construo.

Enquanto te pensava
um poema se ergueu no chão das minhas mãos
ereto e insondável
como uma flor noturna.

Passaste
e me revesti de ti
atingiste minha substância íntima: quem me vê
não se sabe que está vendo
uma parte de ti que me adere.

Interira e lúcida
perco-me e me revigoro no poema
que me recompuseste o teu nome no meu nome
com sílabas e vogais acesas.

Assina-me
sou teu texto

As palavras compõem a paixão que inexiste
enquanto
A boca cala o amor que acontece.
O afago embriona na mão que descansa indiferente
e de repente se ergue
e escreve teu nome num poema de amor...

Inserida por silvia04

Poema em Solidão nº10

...Olho-te de olhos limpos
com minha face lavada e triste
Olho-te com o rosto da verdade.
É chegada a hora do encontro definitivo.
Nenhum artifício deverá presidir
esse momento em que eu serei tu e estarás em mim.

Olhar-nos-emos, então, como se nunca e sempre
nos conhecêssemos
olhar-nos-emos como se fossemos morrer.

Nenhuma palavra será pronunciada
porque nos diremos tudo
tudo e depressa
porque o tempo perdeu as referências ante o amor...

Inserida por silvia04

Poema em Solidão nº9

1º tempo:
Elegia - Ai, que hoje te encontro
e te perco hoje.
Da noite milenar vens
me confessar teu amor dói
em mim como um claro punhal.

- Vinte vezez possuis a minha alma
e me deixas mais-só-na-solidão
que nem a mim mais possuo.

- Ai, hoje que vens,
hoje me deixas,
hoje te encontro
e te perco hoje..."

Inserida por silvia04

Poema em Solidão nº8

Todas as coisas estão realizadas.
Nada acontece
no silêncio opaco que
preside todas as horas.
Agora somos simples
- mas não felizes..."

Poema em Solidão nº7

Agora longe (agora perto)
Somos
em solidão.
...

Agora sós / agora ilhados
em nós mesmos debruçados,
nos perguntamos sobre nossos sonhos
mortos, e no entanto vivos
- ramo decepado e florido
em nossas mãos..."

Inserida por silvia04

Poema em Solidão nº6

E assim,
- tão de repente -
o silêncio habitou em nós.

Em solidão
Estou
(vestida de silêncio)

Meu silêncio,
eu o construirei como uma torre:
palpável e presente
o edificarei.
...

Entre ti e mim
construirei silêncio
e o silêncio é a ponte
por onde o amor caminha..."

Inserida por silvia04

Poema em Solidão nº5

SOU
e a tua angústia me pressente
e a meus olhos tristes abertos para a vida.
Tua busca
rompe a solidão em que me envolvo
e me revela ao teu olhar inquieto e lúcido.
Desperta e atenta
te percebo e me descubro
a mim, que me construo e me adivinho..."

Inserida por silvia04

Poema em Solidão nº4

De tempo e dor
Se tecem nossas fibras.
Éramos

e, de repente,
já não somos aqueles
que o tempo encontrou ontem.

A cada nova hora,
somos outros.
De dor e de espanto nos fizemos.

Todos os dias me construo
como um muro,
a cada novo instante me edifico.

Nossos olhos
(como muralhas)
nos guardam
e, atrás de nossos olhos
Somos,
prisioneiros em solidão..."

Inserida por silvia04

Poema em Solidão nº3

Ninguém pronuncia meu nome
e em tristeza, minhas horas teço.

A solidão nasce, em mim,
como uma grande e branca flor.
- Meus olhos são dois poentes,
- minhas mãos gestos de adeus.

A memória se insurge: houve uma aurora.
Meus olhos se tingem do apelo do azul.

Dúbia me instalo:

Palavra e eco divi-dida
face no espelho (re)produzida.

A rosa dos ventos permanece
como estrela única,
mas eu sempre restarei.

Em silêncio devoro minha dor..."

Inserida por silvia04

Poema em Solidão nº2

Vem de mim
(essencialmente)
O que te digo:

Estou só e longínqua
e vós,
vois sois, apenas, os que assistis
o passeio da minha solidão.
ESTOU
e esta Árvore Verde
Verde-Vida,
que me descobre e me reclama.

Quando cessaren todos os apelos,
eu serei tranquila e neutra e
tomarei o cinza como minha cor.
(Mas, que farei dos meus olhos, feridos de sol?)

Meus olhos
são quietas janelas
abertas para a vida,
e atrás de meus olhos
Sou
ante a noite sem resposta..."

Inserida por silvia04

Poema em Solidão nº1

Digo-te
Um cântico de verdade essencial.

Estou ilhada,
minha solidão criou barreiras
em torno de mim,
sou terra sem praias,
sou campo sem pouso
(não tentes o vôo)

Estou desligada,
nenhum roteiro termina em mim,
não há porto,
onde descanses a âncora..."

Inserida por silvia04

Ciclo da Solidão

Aviso:.
Esta solidão não é
somente minha. Nasceu em mim,
mas também tu a possues.
solidão, bem sabes, não se repartem nem se dividem.
Solidões não se somam
apenas ficam lado a lado.
Gerada em mim, em ti
dentro de todos nós gerada
o desamparo de nós todos, une."

Inserida por silvia04

Aqui - meu território
limitado ao norte e oeste
pelos ombros brancos do muro
e ao leste por um flamboyant que vomita vermelho

do alto de uma cratera acesa no meio
de um jardim verdeagrestino
incendiado de lavas.

Este território
onde finquei minhas raízes
onde me (mulher) plantaram

E me regaram com a água da vida
por isso que floresci
e hoje sou como uma ilha
cercada (de filhos) por todos os lados."

Inserida por silvia04

...Andei
(muitas vezes)
o caminho que não fiz.
Repetidamente cheguei
ao lugar onde não fui.
Sou a intemporal
(a dúbia)
uma espada de fogo me div-diu:
há dia e noite em minha face dupla..."

Quedo-me e
te contemplo.

Vens vindo, então, em teu olhar
e te apossas da minha alma
e já não sou minha
(nem sou tua)
Estou vazia de mim mesma
e só possuo os meus olhos
onde tua imagem fez morada.

(Esta manhã nasceu um ramo de tristeza
nos meus olhos e te oferto
com um pouco daquilo de que se nutre
o azul)..."

Inserida por silvia04