Sílvio Fagno
Terrível Mal-estar -
Este
foi um domingo
em que eu só cheguei
até o portão de casa,
e somente para abri-lo
pela manhã
e fechá-lo à noite - em momento
algum fui
lá fora.
Ironicamente,
tudo que eu botava para dentro
voltava em seguida,
em agoniantes e sucessivos vômitos.
A minha irmã
(um pouco mais do que de costume),
foi minhas pernas e braços
me fornecendo alimentos, remédios - cuidados.
Passei o dia inteiro
com um terrível mal-estar
depois de passar a madrugada
bebendo,
consideráveis copos
de lembranças,
sentimentos malresolvidos
e saudades incuráveis.
Ah!
Teve um pouco de cerveja também.
A Ilusão -
No fundo,
ninguém tem interesse
na cruel realidade
da vida:
a verdade e a mentira.
A ilusão: é ela que nos
resta.
É a fuga momentânea,
o acholimento instantâneo,
a sedação paliativa,
o breve conforto,
a sutil proteção (ainda assim,
tão necessária).
Inevitavelmente,
uma companheira humana
- cúmplice da esperança,
da imaginação e dos sonhos.
Contudo,
cedo ou tarde (no Tempo),
ela também morre.
E a nua e cruel e inevitável
realidade da vida
sempre prevalece.
Acredita?
Assim -
Eu queria mesmo
era que ela entrasse
agora por esta porta,
sem avisar,
assim,
de súbito e me surpreendesse
com um longo e caloroso
abraço,
cheio de saudades e sem pressa
alguma de partir.
Onde
tudo que pudéssemos sentir,
ouvir, dizer - ser -
ficasse reservado ao instante aqui,
assim:
lírico, leve, sereno,
como se ouvíssemos a mais bela canção
de amor num beijo demorado,
de olhos fechados,
em silêncio.
Qualquer Lata de Lixo -
Era como elogiar seu
maior algoz,
exaltando tudo que ele tinha feito de ruim
todos esses anos.
Era como dizer: "tudo bem,
não tem problema: continua".
E assim,
alimentá-lo, dando ainda mais força
para que ele fizesse mais
e mais e pior.
A resposta
era sempre um sorriso de satisfação, superioridade, vaidade - coisas de um grande
carrasco impiedoso - onde em momento algum,
sucumbiu diante do meu sofrimento
ou de algum sentimento ou mesmo
de alguma velha lembranças
da gente.
Inútil, inválido, incapaz...
qualquer lata de lixo
servia pra mim.
Era assim que eu me sentia
toda vez que eu deixava claro
que ainda a desejava como
antes,
como ontem...
droga,
como sempre.
É Sorte -
Hoje,
eu que tinha à disposição quase cem contos,
perdi tudo,
num improvável e inesperado resultado.
É isto...
a sorte está aí.
Ela existe e aparece
a cada instante,
a cada oportunidade,
às vezes ou quase sempre
(por descuido,
desatenção,
vaidade),
desperdiçada.
Mas é sorte
sempre que acordamos,
quando temos o que comer no café da manhã,
embaixo do teto que nos proteje da chuva e vento
e violência das ruas.
Ela aparece naquela ligação diária
da sua mãe,
na roupa emprestada
pelo seu melhor amigo,
na cura dos gestos simples
do seu filho,
nos olhos castanhos da garota
que reconhece seus versos,
no cara que conserta sua TV a cabo,
naquele pôr do sol
visto da janela,
numa tarde de
sábado...
Não espere presenciar uma estrela cadente
caindo
ou ganhar na loteria
ou encontrar o amor da sua vida
para entender isso.
Um pouco de saúde,
casa e comida,
família,
alguns bons amigos,
vinho e chocolates
e um sonho
pelo qual se mover
já é motivo de muita sorte.
Vamos lá, abra o livro:
as próximas páginas precisam
ser escritas.
Ânimo!
Aparências -
A verdade
é que temos sido muito mais
de aparências,
do que de essência.
Espero,
ao menos,
que não morra a poesia
na alma do ser.
Contra a Ignorância -
Quando quiser vencer alguém,
tire-o da zona de conforto;
do habitat natural.
Uma dica:
A grande maioria
não suporta o
silêncio.
Cumplicidade -
Entenda uma coisa:
para que duas pessoas deem certo
(por mais que existam diferenças
entre elas),
uma coisa é essencial:
cumplicidade.
Pois estando certas ou erradas,
elas sempre estarão
juntas.
Gente Maldita -
Tem gente cuspindo na cara
de "Deus".
Em meio a preces
e orações,
tem gente cuspindo na cara
de "Deus".
Frequentando academias
e festas e igrejas e shoppings,
e cuspindo na cara de "Deus".
Cuspindo a sorte:
zombando da dádiva da vida,
da misericórdia,
do livramento,
do perdão.
Entre crianças e jovens e idosos,
tem gente muito, muito má,
cuspindo na cara
de "Deus".
Juntando as mãos em oração,
falsificando fé, crença, respeito,
dignidade, esperança, amizade,
amor.
Pedindo,
fervorosamente,
força e coragem e saúde e dinheiro
e, descaradamente,
rindo, rindo e cuspindo na cara
de "Deus".
Gente maldita,
hipócrita, sem caráter!
Poupem as crianças! Poupem as crianças!
Ao menos, as crianças!
"Deus", perdoe-nos:
sabemos o que fazemos.
Restos Marcantes -
Sei lá...
Talvez todo esse peso
que sinto carregar,
sejam restos marcantes de pessoas
que se foram vazias
(de mim).
Seja Feliz -
Ela
(ainda que fosse todo o motivo
daquela minha angústia
e tristeza),
num pequeno gesto de grandeza
me disse:
"O que eu posso fazer
para te ajudar?"
Eu
(com ódio da vida),
recolhendo todos os desejos
e vontades reprimidas
ao porão do meu sombrio
submundo,
num gesto covarde
com bravura, respondi:
Seja feliz!
Sentir-me De Novo -
Fecharam-me todas as portas e
janelas,
deixando-me de fora, com frio e
com fome, feito um cão velho,
desnecessário.
Depois de tantos anos de angústias,
humilhações, decepções,
eu consigo, enfim,
sentir-me de novo (ainda que mutilado,
fragmentado).
Há anos não me sentia assim.
Sei que, ainda,
não consegui o que desejo.
Mas já não me importo.
Agora tanto faz.
Ainda é cedo
para mostrar que já é tarde,
mas todo falso sentimento
- que me trazia sempre migalhas de esperança -
agora me parece tão pouco,
insignificante, desnecessário
diante da imensidão de ser,
ainda que só,
verdadeiro.
Amanhã Eu Não Existo -
Passamos a vida inteira
sem saber o quanto,
verdadeiramente, somos queridos,
admirados, amados.
Para quando,
de fato,
não pudermos mais saber
disso,
inevitavelmente, é revelado
(aos gritos).
Amanhã eu não existo.
Por Alguma Razão -
Por alguma razão
é preciso encontrar a Sorte
em meio às tentativas diárias,
ao caos cotidiano,
torcendo para que
Ela
(misteriosa, abstrata,
incompreensível),
nos encontre primeiro
e,
assim,
nos coloque a pensar e insistir
que é preciso encontrar
a Sorte...
Por alguma razão.
Estes Domingos -
E estes domingos
que a gente quese morre:
de tédio,
de cansaço da inércia,
de saudades?
Mas são,
exatamente,
estes domingos que alguma
luz superior me
alcança.
Talvez
pelo o tédio do dia
que nos traz a necessidade
de algo a ser preenchido.
Talvez
pela inércia do corpo
que movimenta
a mente, os sentidos.
Ou talvez
pela tristeza da alma de poeta
que se alimenta de dias cinzas, lembranças nostálgicas... saudades.
Se tu não sentes,
ouças-me:
A essência do poeta
é a beleza escondida nas
coisas tristes.
Inteira -
Enquanto não quiser vir inteira,
por favor, não
venha!
Não venha sem querer estar;
não venha para voltar (mesmo se,
às vezes,
for preciso ir).
Quando quiser vir inteira
para ficar,
venha!
Venha logo, venha cedo,
completa,
com todas as suas coisas:
manias, fracassos,
conquistas, desejos, sonhos,
ideias, feridas, medos...
joga tudo no chão, espalha pela casa
e corre,
corre e me abraça (demoradamente).
E depois
a gente vê o que faz
da vida.
Como Tem Sido Usado? -
Tenho sido,
frequentemente, usado pela
Poesia.
Ela me tem como um instrumento
de prazer, dor, desabafo e
acolhimento.
Tudo bem,
confesso que é tudo recíproco.
Pois cada um é usado
da maneira que mais serve:
a si mesmo e aos outros.
E você:
como tem sido usado?
Coincidências -
Coincidências
são os mesmos atalhos
tomados:
por instinto, intuição ou qualquer
outra força sábia, ainda que, às vezes,
inconsciente e imprecisa.
Contentamento ou Solidão -
O que diferencia
pessoas felizes de pessoas tristes
são, basicamente,
três coisas em conjunto:
A profundidade da alma, a lucidez
da mente e a sensibilidade
do coração.
Na falta,
tem-se contentamento.
No excesso,
solidão.
De resto,
normalidade ou fingimento.
Ridículas -
As pessoas mais fodas do mundo
são ridículas.
Fazem coisas
ridículas:
Amam pessoas idiotas.
Sonho e Realidade -
Sua realidade
é sempre aquela que te dá
a possibilidade
de sonhar.
E os sonhos deixam de ser
apenas sonhos,
quando passamos a acreditar
e lutar por eles.
Amizade Verdadeira -
Quando a amizade é realmente
verdadeira,
você é capaz de fazer qualquer coisa
por seu amigo
sem esperar nada em troca.
Porque é exatamente
o que ele faria por
você.
Realidade nº 01 -
É na hora que se coloca a cabeça
no travesseiro - naquele exame
de consciência depois de tudo
ter sido pensado, dito e feito - que
acabam-se os pseudônimos,
as máscaras caem, as cascas
se quebram e
cada um sabe a medida exata
de como está e quem
realmente
é.