Sílvio Fagno
Desordem -
Tenho medo
dessa desordem compulsiva
de pensamentos.
Se interno-os,
me sufocam.
Se externo-os,
me revelam.
De todo modo,
matam-me:
vivo.
(In)Consciência -
Minha vida
é uma bagunça organizada:
Sei onde está tudo,
absolutamente, tudo que necessito
e que não preciso.
Mas nunca sei o que fazer
disso.
Deixa Ir -
Chega uma hora
que é preciso soltar a mão
e virar as costas.
Voltar-se pra si
e seguir...
só.
Se assim for.
A Arte Como Acolhimento -
A Arte
(de uma maneira
abrangente),
é,
antes de tudo
(inclusive de expressão): acolhimento.
É uma espécie de lar
onde nos abrigamos,
nos alimentamos,
nos fortalecemos e,
só então,
nos expressamos.
Um Poema -
A frase que nenhum poeta
ousou escrever é que:
ninguém escapa sem poesia.
E que essa minha inicial
(um tanto quanto pretensiosa
e,
em parte,
equivocada),
é só um artifício poético
para se começar um poema
que (se não protege
o poeta),
sempre acolhe alguém.
Sempre.
A Rua e O Encontro -
Não era (em
carne),
eu nem você.
Estávamos
em nossas respectivas
casas.
Aquela rua,
naquele instante,
presenciou um encontro
de almas,
voltando à sua morada
interna - doce fortaleza.
Consciência n°01 -
Sou sempre
o primeiro a me condenar
ou me absolver (ainda que,
instintivamente,
esteja quase sempre
a meu favor).
Afinal,
somente cada um sabe,
exatamente,
o que pensa e o que faz
entre
o despertar e o adormecer.
O resto é sonho.
(Mal)ditas -
As declarações de amor
são lindas.
Mas há
dois tipos que me incomodam
profundamente:
As falsas e as póstumas.
Pobres Corações -
Já vi
lindos corações apaixonados
serem esmagados
por coisas fúteis,
insignificantes como:
orgulho e vaidade.
Isso,
num patético jogo de desinteresse.
Pobres corações arruinados:
reduziram-se a meros órgãos
frios.
Meu Único Compromisso -
Meu único compromisso,
verdadeiramente,
é com a poesia:
da arte, dos relacionamentos,
das coisas da vida.
O resto é do acaso.
Dias de Poesia -
Prefiro os dias de poesia
a estes de “fúria protetora”.
Ainda que,
por entrega,
quase sempre, me sinta
mais vulnerável à tristeza.
Carta Ao Cosmos -
Sonhei com a gente.
No sonho,
habitávamos a mesma galáxia,
o mesmo sistema solar,
numa mesma época.
A imagem foi descendo
e percebi que estávamos no
mesmo planeta.
A imagem continuou avançando e,
surpreendentemente,
vi que dividíamos o mesmo continente,
o mesmo país,
a mesma região,
o mesmo estado, a mesma cidade.
Por ventura,
o mesmo bairro,
a mesma rua, a mesma casa.
Porta adentro,
estávamos ali:
juntos,
dividindo o mesmo quarto,
a mesma cama, o mesmo sonho.
Em suma,
se o sonho era nosso,
a vida,
a poesia
e o Universo inteiro
também eram.
Dezembro -
E muda-se o mês:
muda-se o sentido.
O ar parece mais leve,
a brisa mais calma,
a vida mais rara:
breve.
Logo,
refletimos mais,
sonhamos mais,
nos olhamos nos olhos - nos voltamos para dentro:
enxergamos a alma.
Tudo agora faz mais sentido:
é o fim...
para um novo recomeço.
Por sorte, obrigado!
Sorte -
Sorte mesmo
é ter alguém que sempre percebe
seus traços de medo
e sussurros de dor, e te acolhe
antes do desespero.
Enquanto todos os outros
se fingem de cegos,
surdos e mudos.
Meu Amor Primeiro -
Tu carregas mais que meu sangue
e meu nome:
Carregas minha verdade primeira,
absoluta.
Dono do meu primeiro
e último pensamento
diário.
Dono do maior dos meus cuidados.
Dono de tudo que me habita,
porque me habitas mais que tudo.
Tu és o meu norte no mundo;
a sorte que acho que não tenho;
minhas dimensões
e sentidos (vitais).
Meu orgulho maior,
minha admiração primeira.
Depois de ti,
antes de ser
(seja lá o que for,
como for),
sou primeiro teu.
Teu nome - nobre,
íntimo e infinito -
és a síntese do amor maior
(lúcido, sonhador e verdadeiro).
Não foste o meu primeiro amor.
Mas és o Meu Amor Primeiro.
Manequim -
É tanta gente feia
ostentando belos corpos
- fugazes e passageiros.
Logo,
faltará o que se exibir.
E só então,
ficará,
verdadeiramente,
à mostra.
Falsas Amizades -
Falsas amizades
são sustentadas, exclusivamente,
por conveniências egocêntricas.
Não resistem ao menor sinal
de contrariedade.
No Fundo -
A gente ouve e vê tanta coisa:
conselhos,
frases de efeito,
reflexões...
Coisas,
de fato, úteis,
necessárias que,
de alguma forma,
ajudam,
nos mostram algum sentido,
alguma luz,
alguma direção.
Mas o que,
de fato, a gente ouve
e vê,
ainda é muito pouco,
raso,
impessoal,
impreciso, perto do que,
realmente, lá no fundo,
a gente sente.
E isso,
ninguém explica.
E Sinto Muito -
Às vezes,
vou até a janela
em busca de alguma coisa
lá fora.
Alguma coisa
que eu não sei bem o que é.
Talvez
uma distração qualquer,
para uma fuga.
Algo que me faça,
por alguns instantes,
esquecer qualquer coisa.
Mas,
do alto da janela,
eu sei bem, com clara
certeza,
que a vista será sempre a
mesma.
Ainda que insetos se movam
no chão;
Ainda que pássaros deslizem
no céu;
No meio, estou eu:
lúcido e distante.
E a mesmice,
a brisa,
a calmaria do que eu vejo
lá fora,
não é nem sombra
do que eu sinto cá dentro.
(E sinto muito).
Quem Sabe Um Dia -
Melhor assim:
sair enquanto há
tempo.
Depois eu volto e,
quando ninguém esperar,
mais uma vez, saio de
mansinho, assim:
calado,
pequeno,
quase dissolvendo.
E um dia,
quem sabe um dia,
entre a luz de estar (fugindo)
e a sombra de fugir
(estando ali),
por seu querer,
eu,
simplesmente,
fico.
Geração Descartável -
Esta
é uma geração totalmente
perdida
quando se trata de relacionamentos
amorosos.
Fomentada e intensificada
pelos agregados (fúteis,
egocêntricos, superficiais),
de outras,
os relacionamentos são movidos
à base de novidades.
Mas tudo que se convém exibir,
está à mostra,
de maneira tão explícita e
escancarada (como uma necessidade
do ego,
cheia de vaidade e exibicionismo),
que nada,
nada mais é novidade.
Por isso
tudo é ínfimo,
descartável,
fugaz.
Tudo é descontínuo:
nada dura.
Nada permanece.
O Espetáculo -
Confesso que não esperava,
naturalmente,
algo grandioso,
imponente, ainda que belo.
Mas era "maior" do que eu,
realmente,
via.
Mas,
o que eu,
de fato, olhava,
era,
verdadeiramente,
grandioso, imponente, belo aos
meus olhos:
Extasia.
Tanto que me arrancou a pluralidade
do espetáculo proposto,
e se fez um novo espetáculo (maior)
- nobre, lírico e singular:
Poesia.
É Carnaval -
Então,
é Carnaval:
ruas cheias de pessoas
coloridas,
fantasiadas de felicidade.
Em que a realidade
e a quarta-feira
são sempre de
cinzas.