Sílvio Fagno
De Máscara -
Já repararam:
de máscara todo mundo é
bonito,
sexy,
atraente.
E é assim na vida:
enquanto não se conhece
a essência,
o íntimo,
a verdade,
todo mundo é
incrível,
feliz,
especial.
Acontece que:
"Todo Carnaval Tem Seu Fim".
Perto da Perfeição -
Recordo-me o dia
em que ela havia esquecido
sua garrafa d'água
aqui em casa.
E já depois das cinco horas da tarde
(bem perto daquele instante mágico),
numa quarta-feira chuvosa e fria,
enquanto eu preparava um café,
ela me aparece.
Vem até a cozinha,
onde estou,
e pega sua garrafa.
Olha o horizonte pela janela
enquanto jogamos algumas palavras fora
e se vira
em direção ao corredor.
Então,
de súbito,
eu a pego pelo braço
e a abraço.
Alguns segundos ali:
ela,
eu,
aquele abraço,
sua risada,
seu cheiro,
seus cabelos,
meus pensamentos e desejos,
a chuva e o frio,
o café quentinho,
a Tardezinha...
E ela se vai.
Me deixando a seria impressão de que eu cheguei muito perto da perfeição.
Ana -
Ana - que não era Ana -
era todas elas,
me ensinou (a muito custo),
andar sobre o fogo.
Fogo - que não era fogo -
era Ana,
que no mais frio dos invernos
queimava.
Os Poetas e Os Coveiros -
Os poetas
não são mais importantes
do que os coveiros.
Há uma espécie de empate
no sumo da vida.
Afinal,
os coveiros enterram os poetas,
mas a poesia supera a morte
e segue pela vida.
Enfim -
Enfim,
ela conseguiu se livrar de mim.
Foi aos poucos,
entre um não e outro,
mas,
enfim,
ela conseguiu se livrar de mim.
Jogo de Bola: Infância e Adolescência -
Numa tarde como esta,
há alguns anos,
eu era feliz.
A brisa no rosto,
alguns amigos,
um campinho de terra batida
e uma quase bola
eram o suficiente.
Clímax -
O motivo
pelo qual um Poema começa
é lindo:
a essência,
o gesto,
o desabrochar.
Porém,
minha curiosidade,
meu encantamento,
meu interesse maior
- quase que obsceno -
é saber como,
no ato,
um Poema
termina.
Somos Escravos das Nossas Necessidades -
Eu precisaria ignorar tudo,
tudo que me faz escravo
pela pele,
pela vontade,
pelo desejo.
Junto com esse sentimentalismo escancarado,
descontrolado
por coisas e pessoas.
Isso,
durante,
talvez, uma semana,
duas, um mês, quem sabe.
E talvez assim,
eu encontrasse as respostas necessárias
para me ter de volta primeiro
e poder, enfim,
me dar por inteiro
e são.
Sobre Encontros e Desencontros -
Vai ter sempre alguém
muito especial
que a gente vai precisar
deixar ir embora.
Por vários motivos,
inclusive,
por amor (próprio).
Dias Ruins -
Neste instante,
olho pela janela e verifico que
hoje
o sol se pôs sem cerimônia.
E o meu olhar está a fitar
o horizonte
sem graça.
(Salvo erro, claro)...
Há o canto e o voo
dos pássaros.
Há,
ainda,
uma bela mistura de cores
e luzes
e o que eu não vejo.
Mas hoje (triste),
o sol se pôs sem cerimônia.
E enquanto fecho olhos e janelas e cortinas,
abro-me para dentro:
Até os mais soberanos têm dias ruins.
Só Amanhã Passa -
Ei...
Está em sua casa?
Preciso muito te ver.
Conversar,
saber o que tem lido,
quantos objetos quebrou
este mês.
Quero,
por um instante,
parar os meus olhos
nos teus
até você ficar sem graça
e dizer:
"o que foi?"
Olha...
a gente divide um chocolate,
uma canção,
talvez
um verso,
um pensamento,
ou poesia.
Aquela velha piada do Chaves,
naturalmente,
um sorriso ou gargalhada,
sei lá...
Mas
acho melhor
dividirmos caminho:
É que está longe demais
para te abraçar
e dizer que sinto muito...
muito a sua falta.
Desde ontem,
(e só amanhã
passa).
O Tempo de Um Poema -
Diante da obra de um grande poeta,
em especial,
seus grandes poemas,
deveríamos ler,
somente,
um poema a cada sete,
quinze...
a cada trinta minutos.
(Dar tempo suficiente para digeri-lo por completo).
É preciso chorar (se for pra chorar).
Sorrir (se tiver que sorrir):
pensar, sentir.
É preciso deixar as facas cortarem,
rasgarem a carne fria
(sangrar).
Ou contemplar o corpo se acalmando
como no calor de um abraço,
quando a alma se sente
acolhida.
Um poema
não deve cortar o efeito
de um outro poema.
Um poema
é o presente respirar que,
aos poucos,
no tempo,
vai se apagando para um novo.
Mas no instante em que é lido,
é o teu íntimo inteiro:
consciente ou inconscientemente.
É o teu corpo
e alma
e pensamento
(centro supremo de tudo que te habita,
onde tu habitas em tudo).
É a tua cama,
o teu quarto,
a tua casa:
o Universo inteiro.
Coração Adolescente -
É aqui,
neste coração adolescente
de poeta
que moram todas
as dúvidas.
E por ser este,
são elas que revelam
tudo.
Quinta-feira, 29 -
Chegará o dia
em que você
não mais poderá contar
com sua mãe
ou seu pai
ou irmão
ou qualquer outro
parente.
Nem mesmo um amigo
para desabafar
ou
pedir ajuda.
Será somente você
diante do mais assustador
dos seres:
você mesmo.
Lhe restará,
então,
sua essência
finalizada;
seu caos existencial
materializado;
suas crenças
inutilizadas.
O medo
em sua forma absoluta;
as lembranças
em uma espiral veloz
e abstrata...
A esperança,
enfim,
devolvida.
(Morrer,
então,
deve ser isto).
17:57 -
E toda vez que este horário me cai
eu penso:
É sempre um dia a menos.
E não importa como está seu dia,
sua semana,
seu mês...
Não importam todas as religiões,
deuses ou diabos.
Não importa o ouro
ou a prata,
nem o mais precioso
diamante.
Não importa todo o bem
ou mal que você tenha feito
na vida
ou onde mora
ou com o quê trabalha.
Não importam todos os amores
ou desamores
(vividos ou não vividos),
todos os amigos
e a infância ou juventude
de outrora.
Não importa toda a poesia do mundo
ou toda a arte
ou tudo que,
de algum modo,
eterniza algo,
alguém ou alguma coisa.
E mesmo o mais nobre dos gestos:
o sorriso do meu filho
(com todo o encanto,
toda leveza,
toda cura),
diante da força soberana
e implacável do Tempo
não importa:
É sempre um dia a menos.
E é essa a grande verdade
ou a única.
O Céu e o Inferno Estão Na Essência Humana -
O bem e o mal
estão contidos no íntimo
do ser.
É sempre uma escolha.
O que Deus,
o diabo
e as pessoas
sabem,
falam
ou pensam sobre você,
é sempre a mesma coisa.
Porque Deus,
o diabo e as pessoas
são uma coisa só.
A escolha é sempre sua:
Responsabilize-se!
Os Anjos Dormem? -
Sou quase do sentimento que sinto,
pois a ele dedico-me
por inteiro.
Às vezes,
um imortal instante,
labirinto.
Às vezes,
um breve infinito,
certeiro.
Sou todo o sentimento que sinto,
e sinto.
De tudo o que sinto
prisioneiro.
Encontro -
Por encanto, por
ventura,
pela poesia desse
encontro: você e eu
livres,
merecemos
um nós: juntos.
Rascunho -
Para o bem ou para o mal,
instintivamente,
um traço importante
da nossa essência
é um rascunho amassado
(escondido),
cheio de verdades
não publicáveis.
Respirando -
Quando me observares rasgando
o peito,
sangrando em
versos,
entendas:
ali
sou eu
respirando.
A Alma do Poeta -
A alma do poeta
é atacada por tudo
e por todos,
e em todas as direções.
A única coisa que ele faz
para se defender
é escrever.
A poesia salva o poeta
de uma desgraça ainda
maior.
A Vida, O Tempo e A Sorte -
A vida
nos apresenta pessoas.
O Tempo
nos reapresenta.
E sorte
é descobrir que valeu a pena
o encontro e o reencontro
num
daqui pra frente juntos.
Sempre.
Por Essência e Ofício -
Talvez,
com sorte,
pode ser que hoje
(em palavras, em poesia),
eu seja o sentido,
o desabafo,
o norte para alguém.
Ainda que,
por essência e ofício,
eu não consiga aliviar-me
desse peso de pensar
e existir uma vez
(só).
É Assim -
É pela lágrima que não cai
(presa como um grito mudo
na garganta).
É por todas as outras
que encharcaram o travesseiro.
É assim...
É de coração partido mesmo
que a vida precisa continuar.