Nelson de Medeiros
Existem coisas que não vemos. Saber delas e crer nelas, porém, não basta. Necessário vivê-las. E esta vivência consiste em praticar, diuturnamente, respeitando nossas limitações, os princípios superiores que adotamos baseados na razão.
Nelson de Medeiros
A precipitação, no julgamento de atos alheios, é filha do medo e herdeira da insegurança pessoal, desencadeando, via de regra, rancores, injustiças e vinganças cujas consequências vão muito além do nosso imaginário.
MESA DE BAR
A noite é fria... Lá fora a chuva incessante
Lembra tua ausência que chega a todo instante...
O seresteiro indiferente à minha dor,
Solfeja notas de saudades em langor!
A canção me diz de cabelos anelados,
Longos cachos de fios negro – prateados,
A lembrar teu rosto amado, teu corpo esguio...
Versos de queixumes, lamentos entoados,
Que dentro d! alma ressoam em tons magoados,
E então me perco num olhar distante e frio...
As mãos do artista deslizam ágeis, ardentes
E ao som do piano ando em voos transcendentes...
Na febre dos desejos e da insanidade,
Vejo-me longe, fora da realidade...
Onde estás? Que fazes doce criança?
Meu alento! Derradeira esperança!
Ah! Sorte madrasta... Incauta solidão!
Pobre vate: Inunda de dor a face ingrata,
Tal qual a chuva lá fora, caindo em prata,
Inunda de lágrimas a negra imensidão!
O livre arbítrio é uma das provas da inata liberdade da alma. Ele nos dá o poder de não enfrentar as consequências de determinada escolha errada que fizemos, e, fazendo nova escolha, adiar por um tempo as consequências desse erro. Mas, com certeza a cobrança virá nessa nova escolha, ainda que pensemos estar livres, pois o karma é peremptório, e não está adstrito somente nas escolhas feitas em uma existência, mas em várias delas.
Nelson de Medeiros
Vendo as misérias do mundo a razão nos diz que a morte é o fim da vida, e a fé nos diz que ela é a continuação dela, a eternidade presente. Prefiro a fé, pois que o elo entre ela e a razão é o amor, que não é racional.
Parodiando o imortal poeta Raul Seixas, “eu nasci há dez mil anos atras”, e, tanta coisa eu sei e vi que preferiria não saber nem ter visto.
Não se pode confundir conhecimento com sabedoria. Conhecimento se obtém pela experiência dos livros, e sabedoria, pela experiência das vidas.
O tato não é um sentido apenas material, que nos faz sentir, pelo toque, o que entra em contato com nosso corpo. Na alma, o tato é forma de sensibilidade para lidar com pessoas e situações. Quem não tem tato para lidar com essas coisas, estará sempre conectado com a infelicidade.
Quando você escuta um “muito obrigado” sincero, reconhecido, vindo do escaninho mais fundo da alma, saiba que você não recebeu um agradecimento, mas uma profunda oração em seu favor.
A conclusão precipitada pode converter, num instante, uma pessoa de bem na mais terrível fera que habita no inferno, gerando consequências inimagináveis, muitas vezes por séculos.
Não se pode confundir desapontamento com decepção. Ambas são desilusões, mas a decepção é o suprassumo da desilusão, pois diz respeito a realidade sobre a qual jamais se alimentou qualquer expetativa de ocorrer. Ambas são emoções que nos trazem consequências físicas e morais, de menor ou maior gravidade.
Ninguém é espelho de ninguém. A paciência, a prudência, o saber e a fé, são qualidades que não se herdam. Cada um as adquire na caminhada das vidas por si, e, somente por si.
Aquele que tem dificuldade de amar ou de expressar seus sentimentos de amor, seja por qualquer motivo, é o que mais precisa dele.
A vida é um imenso quadro-negro onde o estudante, para redigir seu hoje com claridade, necessita apagar e esquecer o que já redigiu ontem. Sem o esquecimento do antes, a redação do agora sempre parecerá hieroglifo.
Os erros cometidos na infância não são cobrados na juventude; os erros cometidos na juventude são cobrados relativamente na maturidade; mas, os erros cometidos na maturidade são cobrados dente por dente, olho por olho, na velhice.
Nenhum detalhe na vida, por mais insignificante que pareça, é banal, e nem é casualidade. Todo acontecimento tem uma finalidade. Nos vemos os menores fatos acontecerem, mas não lhes damos atenção por desconhecemos, ainda, sua causa e sua razão.
Às vezes apenas uma única decepção na vida faz o ser humano questionar sobre o propósito seus valores em relação as suas escolhas. Quando isto acontece o homem perde a confiança em si próprio, queda sem esperança, e a motivação da vida material evapora-se de sua alma.
Enquanto a humanidade, inteira, não tiver alcançado a certeza absoluta de que carregamos um corpo mutável e outro imutável a Terra continuará sendo o depósito das mazelas morais que ela carrega há milênios em sua alma.
Por que será que os materialistas encontram todas as explicações na ciência, mas não conseguem explicar, por ela, a causa da inteligência humana?
A vida sempre responde aos nossos atos impensados. Às vezes nos adverte com receios e preocupações, mas na persistência nos pune com a dor.
Nossos desvarios emocionais, que são frutos de repetições milenares, somente nos abandonarão quando conseguirmos nos libertar de nós mesmos.
A POLONESA
No limiar da minha juventude,
Inda trazendo restos da infância,
Do piano da jovem em plenitude
Escutei uma trilha d! outra instancia!
Revivido em sonâncias de virtude,
Chopin resplandecia em substância!
Então, pela primeira vez, eu pude
Aspirar da “Polonaise”, a fragrância!
Curvei o tempo e sentindo somente
A eterna inspiração daquele artista,
Quase vi sua musa polonesa!
A cena marcou tanto a minha mente,
Que até cri fosse aquela pianista,
Minha musa d! outrora, com certeza!
PAIXÃO PRIMÁRIA
Dos escombros da vida visionária,
Onde não existem dores nem medos,
Restaram tão somente os arremedos,
Daquela afinidade involuntária!
Uma empatia extraordinária,
Que chegou embutida em mil segredos!
E, mergulhado, então, em seus enredos,
O vate sentiu a paixão primária!
Mas, um flagelo mudou seu destino...
Os entraves chegaram exacerbados
E se perdeu a alma em desatino!
Chegaram como lavas de vulcão...
E dos seus sonhos hoje incinerados,
Só as cinzas ficaram em sua mão!
PECADO ANTIGO
Num instante... Num relance de vida
Ela surgiu-me na tarde dolente...
Louca empatia tomou minha mente,
E a vi como velha conhecida...
Que estranha sensação a minha frente!
A visão dos meus versos refletida
Estava ali real e definida,
Como se nunca houvera sido ausente!
Então, pensei que fora agraciado,
-Por clemência e benesse do meu fado-
Com todas as delicias do cupido!
Mas, cedo toda a verdade eu lobrigo
Ao ver que, talvez por pecado antigo,
Este amor já nascera proibido!