Natani Risorim
As pessoas partem, e isso já não me assusta. Mal consigo prender um lápis atrás da orelha: quem dirá alguém no coração.
Átrio: cavidade do coração. Ou então: principal aposento das casas nos primeiros tempos da Roma antiga usado como sala de estar, de lazer, cozinha e dormitório. Ou seja: tem quem o visite, quem brinque, quem o distraia, e quem se abrigue por uma vida toda.
Com o tempo a gente acaba deixando algumas coisas de lado. Vai desistindo de montar o castelo de cartas, para ir atrás de algo que não desmorone com tanta facilidade.
Tanta informação faz minha cabeça dar um nó. Eu não consigo te olhar e imaginar o que aconteceria se tudo desse certo e, também, se tudo desse errado. Por isso opto pelo certo. Mas quase sempre dá errado.
Se a pessoa tem capacidade de ir embora, também deveria ter capacidade de justificar o abandono. Pensei.
Que tenhamos cuidado com a velha empolgação. Pois ela bem se parece com um camaleão: embora ainda seja a mesma, se disfarça em muitas coisas.
Você vai esquecer. Mas antes vai lembrar de tudo. Vai sofrer o que tem de sofrer, vai chorar o que tem de chorar, até sentir que é hora de arquivar aquilo que não deu certo. E, vez em quando, você vai puxar a gaveta e analisar. Mas só para saber que atitudes deve tomar para que o tal erro não repita.
Que escrevamos para esquecer uma raiva, mas não espalhemos tais palavras por aí. Seria uma tragédia desencantar os corações que ainda vivem.
Quem muito lê, quer escrever. Quem muito escreve, bons olhos passa a ter. O “bom dia” do porteiro, a criança e seu brinquedo, tudo vira texto! Quem não lê, não vê bonito. Quem vê bonito é porque lê.
Quero que a gente não se preocupe em doar um sorriso, mas que não deixemos de reservar o nosso. Que ouçamos atentos a necessidade do outro sem precisar esquecer a nossa. Que continuemos entregando o que há de mais belo em nós para alguém; mas que tenhamos o que entregar de mais belo à gente também. E tudo isso sem passear pelo egoísmo.
Ligo a tevê, mas não fixo o canal: O noticiário é puro desânimo! Corro para a banca ansiando algo bom. Volto para casa sem nada sob o braço. A vida seria menos desencantadora se os jornais pertencessem aos poetas.
Há muita coisa precisando de cuidado, mas são raros os que param suas vidas para prestarem atenção no que falta. Talvez aconteça por estarmos ocupados demais com o programa de sábado, a unha que quebrou, ou a cerveja que acabou. Há trabalho para dez, mas só três ou quatro o faz.
Frustrações debaixo da cama, dores na caixa, passado no porão. Tapete na porta, tirado a poeira, bordado a merecida saudação: “Bem-vinda!” Porta entreaberta, flores nas janelas, xícaras sobre a mesa e cheiro de café no ar… Agora, felicidade, agora a senhora já pode entrar.
Abortar é indelicadeza, é grosseria. É cegar quem poderia ser amante das estrelas, surdear um apaixonado pelo canto dos pássaros, cortar as mãos de um grande escritor. Abortar é o cúmulo do egoísmo: é ansiar tanto a própria vida a ponto de esquecer a capacidade de amar outras.
Eu queria ser palhaço, mas na terça-feira desisti. Fui, alegre, ver um no circo da cidade, e após o espetáculo fui até o seu camarim. Estava ele lá sentado, triste, cabisbaixo, nem parecia ser o mesmo palhaço que me matou de rir.