Monteiro Lobato
A assembleia dos ratos
Um gato de nome Faro-Fino deu de fazer tal destroço na rataria duma casa velha que os sobreviventes, sem ânimo de sair das tocas, estavam a ponto de morrer de fome.
Tornando-se muito sério o caso, resolveram reunir-se em assembleia para o estudo da questão. Aguardaram para isso certa noite em que Faro-Fino andava aos mios pelo telhado, fazendo sonetos à lua.
– Acho — disse um deles — que o meio de nos defendermos de Faro-Fino é lhe atarmos um guizo ao pescoço. Assim que ele se aproxime, o guizo o denuncia e pomo-nos ao fresco a tempo.
Palmas e bravos saudaram a luminosa ideia. O projeto foi aprovado com delírio. Só votou contra, um rato casmurro, que pediu a palavra e disse — Está tudo muito direito. Mas quem vai amarrar o guizo no pescoço de Faro-Fino?
Silêncio geral. Um desculpou-se por não saber dar nó. Outro, porque não era tolo. Todos, porque não tinham coragem. E a assembleia dissolveu-se no meio de geral consternação.
Moral da estória: falar é fácil; fazer é que são elas.
Acho a criatura humana muito mais interessante no período infantil do que depois de idiotamente tornar-se adulta.
O livro é uma mercadoria como outra qualquer; não há diferença entre o livro e um artigo de alimentação. Se o livro não vende é porque ele não presta.
De escrever para marmanjos já me enjoei. Bichos sem graça. Mas para crianças um livro é todo um mundo.
A mulher não é inferior nem superior ao homem. É diferente. No dia em que compreendemos isso a fundo, muitos mal-entendidos desaparecerão da face da Terra.
O homem é uma doença da Natureza – e a pior de todas porque é uma doença inteligente. Teima em superpor à natureza a sua vontade e é, cada vez mais, um conflito lamentável de duas evoluções contrárias, a natural e a humana.
A distância entre a inteligência dum Newton e a dum homem comum é talvez maior que a distância entre a inteligência desse homem e a de um boi. Daí o sofrimento dos homens de alta inteligência. Em regra não são compreendidos.
É que ainda não acertamos um meio de vida que faça as invenções beneficiarem a todas as criaturas igualmente. E a maior das invenções humanas vai ser essa: um sistema social em que todos tenham de tudo.
Os criadores são criaturas excepcionais, diferentes de todas as outras. Parece que a natureza os cria especialmente para aquele fim, como cria o pintor para pintar, o músico para compor músicas e o homem rotineiro para embaraçar o progesso do mundo.
A porcentagem dos inventores, pintores, músicos e artistas de outros tipos é mínima. Em cada cem homens haverá um desse gênero, de modo que ele tem sempre contra si os noventa e nove restantes.
A cumbuca de ouro
Eram dois vizinhos, um rico e outro pobre, que viviam discutindo. O rico gostava de pregar peças no pobre. Um dia, o pobre foi à casa do rico propor um negócio. Queria que ele lhe arrendasse um pedaço de terra que servisse para a plantação de uma roça de milho. O rico imediatamente pensou num pedaço de terra que não valia coisa nenhuma, por onde nem formigas passavam. O negócio foi fechado.
O pobre voltou para sua casinha e foi com sua mulher ver a tal terra. Lá chegados, descobriram uma cumbuca (espécie de vaso).
— Chi, mulher, está cumbuca está cheia de moedas, venha ver!
— E de ouro! — disse a mulher. — Estamos feitos!
— Não — disse o marido, que era homem de muita honestidade. — A cumbuca não está na minha terra e,portanto, não me pertence. Meu dever é contar ao dono da propriedade.
— Bem — disse o dono da propriedade — nesse caso desmancho o negócio feito. Não posso arrendar terras que dão cumbucas de ouro.
O pobre voltou para sua casinha, e o rico foi correndo tomar posse da grande riqueza. Mas, quando chegou lá, só viu uma coisa: uma cumbuca cheia de vespas terríveis.
— Ahn! — exclamou.
— Aquele malandro quis trapacear comigo, mas vou pregar-lhe uma boa peça.
Botou a cumbuca de vespas num saco e encaminhou-se para a casinha do pobre.
— Ó compadre, feche a porta e deixe só meia janela aberta. Tenho um lindo presente para você.
O pobre fechou a porta, deixando só meia janela aberta. O rico, então, jogou lá dentro a cumbuca de vespas.
— Aí tem compadre, a cumbuca de moedas que você achou em minhas terras. Aproveite esse grande tesouro — e ficou rindo.
Mas assim que a cumbuca caiu no chão, as vespas se transformaram em moedas de ouro, que rolaram. Lá de fora o rico ouviu o barulhinho e desconfiou. E disse:
— Compadre, abra a porta, quero ver uma coisa.
Mas o pobre respondeu:
— Não caia nessa. Estou aqui que nem sei o que fazer com tantas vespas em cima. Não quero que elas ferrem o meu bom vizinho. Fuja, compadre!
E foi assim que o pobre ficou rico e o rico ficou ridículo.
O diabo é o símbolo da maldade, mas até a maldade amansa quando em companhia da bondade.
Esse negócio de pensar é muito sério. Temos que pensar, sim, mas pensar certo. Quem pensa errado, quebra a perna.