Poesias de Monteiro Lobato

Cerca de 11 poesias de Monteiro Lobato

– A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára de piscar chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais [...]
A vida das gentes neste mundo, senhor Sabugo, é isso. Um rosário de piscados. Cada pisco é um dia. Pisca e mama, pisca e brinca, pisca e estuda, pisca e ama, pisca e cria filhos, pisca e geme os reumatismos, e por fim pisca pela última vez e morre.
– E depois que morre?, perguntou o Visconde.
– Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?

Loucura? Sonho?
Tudo é loucura ou sonho no começo. Nada do que o homem fez no mundo teve início de outra maneira - mas tantos sonhos se realizaram que não temos o direito de duvidar de nenhum.

Monteiro Lobato
Obras completas: Literatura geral

Animais e a Peste

Em certo ano terrível de peste entre os animais, o leão, mais apreensivo, consultou um macaco de barbas brancas.
- Esta peste é um castigo do céu – respondeu o macaco – e o remédio é aplacarmos a cólera divina sacrificando aos deuses um de nós.
- Qual? – perguntou o leão.
- O mais carregado de crimes.
O leão fechou os olhos, concentrou-se e, depois duma pausa, disse aos súditos reunidos em redor:
- Amigos! É fora de dúvida que quem deve sacrificar-se sou eu. Cometi grandes crimes, matei centenas de veados, devorei inúmeras ovelhas e até vários pastores. Ofereço-me, pois, para o acrifício necessário ao bem comum.
A raposa adiantou-se e disse:
- Acho conveniente ouvir a confissão das outras feras. Porque, para mim, nada do que Vossa Majestade alegou constitui crime. São coisas que até que honram o nosso virtuosíssimo rei Leão.
Grandes aplausos abafaram as últimas palavras da bajuladora e o leão foi posto de lado como impróprio para o sacrifício.
Apresentou-se em seguida o tigre e repete-se a cena. Acusa-se de mil crimes, mas a raposa mostra que também ele era um anjo de inocência.
E o mesmo aconteceu com todas as outras feras.
Nisto chega a vez do burro. Adianta-se o pobre animal e diz:
- A consciência só me acusa de haver comido uma folha de couve da horta do senhor vigário.
Os animais entreolharam-se. Era muito sério aquilo. A raposa toma a palavra:
- Eis amigos, o grande criminoso! Tão horrível o que ele nos conta, que é inútil prosseguirmos na investigação. A vítima a sacrificar-se aos deuses não pode ser outra porque não pode haver crime maior do que furtar a sacratíssima couve do senhor vigário.
Toda a bicharada concordou e o triste burro foi unanimamente eleito para o sacrifício.

Moral da Estória:
Aos poderosos, tudo se desculpa…
Aos miseráveis, nada se perdoa.

A natureza criou o tapete sem fim que recobre a terra. Dentro da pelagem deste tapete vivem todos os animais respeitosamente. Nenhum o estraga, nenhum o rói, exceto o homem.

Monteiro Lobato
Mundo da lua e Miscelânea

Nada de imitar seja lá quem for (...) Temos de ser nós mesmos (...) Ser núcleo de cometa, não cauda. Puxar fila, não seguir.

Monteiro Lobato
A Barca de Gleyre: quarenta anos de correspondencia literaria entre Monteiro Lobato e Godofredo Rangel
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Assim como é de cedo que se torce o pepino, também é trabalhando a criança que se consegue boa safra de adultos.

Monteiro Lobato
Monteiro Lobato Vivo

Erro Tipográfico

A luta contra o erro tipográfico tem algo de homérico. Durante a revisão os erros se escondem, fazem-se positivamente invisíveis. Mas, assim que o livro sai, tornam-se visibilíssimos, verdadeiros sacis a nos botar a língua em todas as páginas. Trata-se de um mistério que a ciência ainda não conseguiu decifrar.

A assembleia dos ratos

Um gato de nome Faro-Fino deu de fazer tal destroço na rataria duma casa velha que os sobreviventes, sem ânimo de sair das tocas, estavam a ponto de morrer de fome.
Tornando-se muito sério o caso, resolveram reunir-se em assembleia para o estudo da questão. Aguardaram para isso certa noite em que Faro-Fino andava aos mios pelo telhado, fazendo sonetos à lua.
– Acho — disse um deles — que o meio de nos defendermos de Faro-Fino é lhe atarmos um guizo ao pescoço. Assim que ele se aproxime, o guizo o denuncia e pomo-nos ao fresco a tempo.
Palmas e bravos saudaram a luminosa ideia. O projeto foi aprovado com delírio. Só votou contra, um rato casmurro, que pediu a palavra e disse — Está tudo muito direito. Mas quem vai amarrar o guizo no pescoço de Faro-Fino?
Silêncio geral. Um desculpou-se por não saber dar nó. Outro, porque não era tolo. Todos, porque não tinham coragem. E a assembleia dissolveu-se no meio de geral consternação.
Moral da estória: falar é fácil; fazer é que são elas.

A Rã e o Boi

Tomavam sol à beira de um brejo uma rã e uma saracura. Nisto chegou um boi, que vinha para o bebedouro:
- Quer ver-disse a rã-como fico do tamanho deste animal?
- Impossível rãzinha. Cada qual como Deus o fez.
- Pois olhe lá!-retorquiu a rã estufando-se toda-Não estou "quase" igual a ele?
- Capaz! Falta muito amiga.
A rã estufou-se mais um bocado.
- E agora?
- Longe ainda...
A rã fez um novo esforço.
- E agora?
- Que esperança...
A rã, concentrando todas as forças, engoliu mais ar e foi-se estufando, estufando, até que, PLAF!, rebentou como um balãozinho de plástico.
O boi, que tinha acabado de beber, lançou um olhar de filósofo sobre a rã moribunda e disse:
(Moral) - Quem nasce para 10 réis não chega a vintém.

No fundo não sou literato, sou pintor. Nasci pintor, mas como nunca peguei nos pincéis a sério (pois sinto uma nostalgia profunda ao vê-los — sinto uma saudade do que eu poderia ser se me casasse com a pintura) arranjei, sem nenhuma premeditação, este derivativo da literatura, e nada mais tenho feito senão pintar com palavras.

Monteiro Lobato
A Barca de Gleyre: quarenta anos de correspondencia literaria entre Monteiro Lobato e Godofredo Rangel
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Há dois modos de escrever. Um, é escrever com a ideia de não desagradar ou chocar ninguém (...) Outro modo é dizer desassombradamente o que pensa, dê onde der, haja o que houver - cadeia, forca, exílio.

Monteiro Lobato
Obras completas: Literatura geral