Maria Almeida
De resto, pouco sei,
quando penso que vejo,
muito para além do simples olhar,
a simplicidade com que me dei.
Olhei para trás e a savana perdida entrou-me pelos olhos dentro.
Na sua decolagem intrépida, o avião parecia estratificar-se contra a massa de ar quente, fazendo cócegas na minha vasta esperança.
Lembro-me de ter sorrido ao imaginar a hipótese íntima e remota, ouvindo o meu coração dançar.
Alguma coragem sólida, depois de ter tocado com os dedos no vermelho fogo das folhas. Voar… mesmo quando tudo parecia desabar.
Devagar, com a mente raiada no horizonte, rodei a imagem gravada na retina, fixando-a algures, num outro infinito, aí permanecendo petrificada, teimosamente ausente do que era obrigada a deixar no ontem e no minuto atrás.
O barulho ensurdecedor do avião humedeceu-se na calma plenitude de um céu imensamente azul, e eu senti, como se, sob a minha pele, o meu corpo tivesse mudado, como se, depois do arrepio de cada fibra, eu me dispersasse e encontrasse como folha solta na turbulência do vento.
Aceite o passado, faça as pazes com ele e continue em frente. Não olhe para trás com arrependimento. Desligue-se do ego. Decore a sua alma. Ame as pessoas. Seja feliz. E tenha uma vida bela e positiva.
A amizade não leva. Guarda.
A amizade não vai. Fica.
A amizade não trai. Conserva.
A amizade não julga. Respeita.
Se é difícil conservar as amizades conseguidas, a reconquista das amizades perdidas passa pelo delicado fio ténue do extremo cuidado.
Muito mais do que receber o bem, o ímpeto natural e espontâneo de o fazer, é sentir o horizonte mesmo sem o ver.
Lindo mesmo, é renascer todas as manhãs, ver o Sol acordar, ouvir a canção da água, e sentir Deus dentro de nós.
Eu quero-me bem e aceito-me como sou. E os meus olhos, quando se olham, em cada momento que se encontram, fazem-me seguir com o que me torna leve.
E é libertador, poderoso, diferente e maravilhoso.
Não sei a conjugação exata, não sei a rima edificada, não sei a estrutura lapidada. Apenas sei amar.
Ela olhou-o com os seus olhos de flor e os lábios entreabertos num leve sorriso. Foi enigmático o gesto com que afastou a mecha de cabelo que teimava em deslizar-lhe pela face. Olhou-o demoradamente, como quem olha o limiar, no raiar da manhã. Entendia o seu caminhar. Compreendia a sua confusão. Um sentimento profundo de alma, mente e vastidão.
Ele soergueu os olhos e ela afastou os seus. No seu coração de homem menino, ela havia conseguido navegar e quase fechar a ferida. E ele não sabia - não imaginava sequer - a luta que ela lutava para ela própria não naufragar.
Na transformação que levamos, protótipos de nós mesmos.
A eterna interrogação formulada, milénios de caneta na mão.