Lina Marano
Como o anjo poderia saber
que ela havia vendido a alma ao Diabo,
se não lhe via os olhos?
Mas não deveria sentir,
com sua sensibilidade de anjo
que algo estava errado?
É que até os anjos,
tem os sentidos avariados,
quando estão apaixonados!
Que o anjo aprenda
a não se meter com feiticeira
por mais que seja faceira!
(Anjo encegueirado)
- É um simples "eu te amo",
que te digo meu bem!
Pois se te digo "eu te amo",
digo a outro também!
- Pois quando te disse "eu te amo"?
Foi ontem? Que desdém!
Pois se te digo "eu te amo",
não digo a mais ninguém!
- Tu superestimas o "eu te amo",
não vês que nenhum valor tem!
Até disseste pra Maricota
"te amo também"!
- Pois sei que te amo,
mesmo tendo te despachado meu bem!
Se digo que te amo, é porque te amo,
Amém!
- Te amo, te amo, te amo...
Dizes quando convém!
Será que tu GOSTAS de mim?
Gostar, vai muito mais além!
( te amo, te amo, te amo ...)
Pela pala do palato,
no palanque da República de Palau,
dedico-me ao palangre das palavras
que saem peladas como na Palagosa,
meu palácio palatal!
(Par-liamo)
O poeta se exila no eco de suas próprias palavras, uma trilha enigmática dos seus anseios, na esperança de que algum louco o entenda, mas se não aparecer o louco, ele se regojiza do mesmo jeito.
- Importa-te de abrir o portão?
- Por acaso sou porteiro?
- Sei lá, mas podias aceitar minha portabilidade.
- Não. Tu não te portaste bem!
- Ah, mas olha, tua foto ainda está no meu porta-retrato.
- É? Mas que importância tem?
- Sou portadora de boas notícias!
- O que andam dizendo de ti é que tens um grande portifólio!
- Falam isso porque não estão acostumados com mulher do meu porte!
- Tu pensas que engana aqui o portuga né!
- Escuta. És meu porto-seguro!
- Só se for um portátil! És tão inoportuna!
- Portanto...Vou voltar pra minha Portela(*).
(Que importa afinal!)
- Bom dia my dear!
- Com os diabos, lá vem ela com seus diálogos diurnos!
- Que palavreado para um ex-diácono!
- Estou mais preocupado com os movimentos do meu diafragma! Cadê meu café?
- Estás com diarreia? Meu diagnóstico não falha!
- Não entendo! Parece que falas em outro dialeto!
- Hum, neste diapasão ... que tal cuidar um pouco do teu diâmetro?
- Adianta logo! O que tu queres?
- Uma dica? Manter a diástole do meu coração!
- O que?
- Hehehehe. Quero um beijo "diAMANTE".
(diAMANTE)
- Escuta fulano...
- Não escuto! Estou noutro meridiano!
- Foi tudo um ledo engano!
- Nada! Era o teu plano! Pensei que fosse o teu dono!
- Um erro! Que pensamento insano!
- Pois teu coração que é desumano!
- A verdade é que não se assenta o cigano! Foste tu o leviano!
- Mas deixa estar, já sei do beltrano!
- Vês tudo do teu jeito, não tens tutano!
- Querida, em amor, sou veterano!
- Oh! O puritano. Escuta fulano... houve o som do meu piano... sou eu que mais amo e amo e amo.
(Urbanpiano)
A gata mulata,
Aristocrata vira-lata,
Entoa estranha sonata.
Sedutora autodidata,
Manhosa acrobata,
No teto, fazendo bravata,
A veterana literata,
Sorrateira, maltrata
O coração que arrebata.
(Urbanhoof for a urbancat)
Sinto Muito,
Minto Pouco,
Pinto Tanto
Tinto e Branco...
Sinto Branco,
Muito Tinto,
Tanto minto
Quanto canto.
Canto branco,
Muito pranto,
Como sinto
Tinto tanto!
(Sinto tanto)
O camelô cameleão
Comia camarão com camembert
Recitando Camões
Com os camundongos dos camburões
Agarrado à camisola de cambraia
De Camila Kâmpuchea,
A camareira cambojana
Da camanga do camacho!
- Vem cá Debiee!
- Pra você é Débora!
- Pedido débil! A esta altura?
- Olha só! Além de metido, é debochado!
- Pois... debita da minha conta!
- Está ali ô, debaixo do telefone, perto da porta de saída.
- Vou é te por debruço! Vais ver!
- Nem pense. Acabou o debate!
- Basta um beijo e toda tua resistência será debelada!
- Engana-se! Debluguei! Estou deboa!
- Debuxos! Vem cá Debiee! Vou te debulhar e acabar com teu debrum.
(DebRUM)
ÁGUA que nasce na boca
Sedenta de beijos
Que abre na TERRA
Profundos desejos
Do teu ribeirão,
ÁGUA em que nadam sereias
Inundam as veias,
Do meu coração
E levam a TERRA
Em cego mergulho,
No mar da paixão
Gotas de ÁGUA pingando
Abrindo na TERRA
Profundo grotão.
Depois entornam,
Em cascatas, na inundação.
ÁGUA que fertiliza a TERRA
E as sementes, encerra
Até a exaustão
Deságua e dorme tranquila
No fundo da TERRA.
(desÁGUAemTERRA)
Inspirada na música Planeta Água
- Ouça meu desabafo ...
- Não, assim eu desabo!
- ... como me doem teus desabraços...
- Tu! Tu me baniste, me desabrigaste!
- Amor, a minha alma, tu desabrochaste!
- Pois com teus desacatos, me mataste!
- Foram apenas desacelerações!
- Não, foi tudo um desacerto. Ilusões!
- Vem pro nosso leito, ainda em desalinho...
- Disse-me meu médico: "totalmente desaconselhável"!
- Não sejas deselegante! Te quero a todo instante!
- Tu és meu desafeto!
- Não creio! Te desafio: venha desafogar em mim!
- Sabes bem que não desafino!
- Sei. Adoro teus desaforos!
- Desairosamente de acordo!
De roupa rota
e mão limpa,
de mente suja
e alma pura,
assim que te vejo,
ainda que eu fuja,
assim que te sinto,
ainda que eu minta,
que não quero teu bejo
sujo de sonho,
eu quero teu corpo,
ainda que eu corra,
cheio de vida,
ainda que eu sofra
assim eu me ponho,
cheia de riso,
assim eu me limpo,
ainda que suja,
é assim que vivo,
ainda que eu morra.
(Suja de sonho)
O egoísmo é como o cigarro. Tolerá-lo parece inofensivo, mas a longo prazo é tão maléfico para o viciado como para aqueles que o rodeiam.
Quando se descobre a estratégia do adversário, o jogo se torna muito divertido no começo, mas fatalmente acabará se tornando tão previsível que perderá a graça.
Ela estava quente...
impaciente pelo seu toque,
em choque pela sua falta,
alta no delírio abstinente;
latente a sua boca
loca por um beijo seu.
Ela o queria morno
no forno de seu pequeno ventre,
entre um suspiro,
um espirro, e lento
cento e uma vezes.
(Fogo)
inverga a corcunda
minha querida
atiça e confunda
o suicida
abunda e inunda
a sua vida,
rotunda a Raimunda
adormecida
agora, imunda e convencida
que afunda, profunda
se esquecida
de mim
a fumaça disfarça,
a despedida
desfaça a mordaça
homicida
abraça e arregaça
bem atrevida
estilhaça a desgraça
em contrapartida
com graça e devassa
de alma despida,
bandida, me enlaça
e fim
(repe-titiva)
Amália, maluca,
amealhava amores malhados
boa como milho,
humilhava a melhor mulher da vida
no seu malho ao molho,
malhava, molhava, malvada,
a milhas e milhas daqui.
tanto me chama
quanto difama
como me almeija
tanto me inflama
quanto me cala
como me beija
tanto me acalma
quanto me abala
como me aleija
tanto me inala
quanto me entala
como viceja
tanto reclama
quanto cabala
como cerveja
(Tanto quanto como)
noites insones,
insípidas
de gentes insólitas,
insanas
trilham caminhos insertos,
insinuantes
instigam amores insalubres,
insassiáveis
em corações insulares,
instáveis
insidiosamente insultados
insemináveis
(Os Insipientes)
Subiu-lhe o subalterno!
A suburbana
era sua droga subconsiente
de ingestão subcutânea,
soberana e subserviente.
Subitamente submissa
na subversão dos sentidos,
substantivava e subtraia-lhe
o resto da sobriedade,
adjetivando subjetivamente.
Submersos,
sublimavam à soberba,
sobejando sobrais,
sobretudo sobrecoxas,
sobrevivendo de amor.
(sobrevivendo de amor)