JWPapa

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⁠Reolhar

"O belo é poliglota e contém em si a capacidade de causar encantamentos vários e apropriar-se de linguagens e expressões diversas, ao olhar, presta atenção nas ausências, no vazio que preenche o ambiente e nos silêncios que transbordam e explodem vibrantes no olhar, a beleza está na (re)descoberta e se faz sentido pra você, faz sentido".

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O sopro do dragão

"O nosso grande problema é que enquanto tudo acontece acompanhamos em tempo real, instantaneamente nos informamos para o bem ou para o mal, não há o momento prévio de apreensão, medo e depois o susto. A notícia não tem tempo de viajar imune e causar em nós a comoção de antes com a expectativa de sua chegada, a prévia para o pior, a fala que prepara o terreno para a bordoada que desorienta, o espanto, nem o luto podemos viver, já que agora morrer se tornou ainda mais complicado que antes, não podemos sequer velar adequadamente os nossos mortos. Não demora muito e veremos enterros remotos, transmissões ao vivo (lives) nos cemitérios e autoenterros. Brincadeira! Vivemos em um turbilhão de sentimentos e sensações que têm nos desorientado mais que orientado. Temo que nem o aprendizado que deveríamos tirar desse momento está ocorrendo. Gente... Está tudo tão louco, que o simples ato de autopreservação e de autocuidado, coisas básicas e intransferíveis desde sempre, se tornaram a grande tarefa da humanidade no momento atual, uma simples ida ao hospital ou a um centro de saúde qualquer passou a ser fortemente rechaçada. Pois se você tosse é COVID, se espirra é Corona, se queixa de uma secura na boca ou um leve desconforto no trato respiratório e ou garganta de certo é taxado como mais um a ser verificado, analisado e rotulado, isso se quiser voar. Chegamos a tal ponto que a neurose se tornou coletiva e, apesar da seriedade desse vírus ser inegável, temos de cuidar um pouco mais da nossa sanidade mental ou correremos sérios riscos de contrair doenças psicoemocionais tão graves quanto esse terrível algoz que nos espreita agora. O mal atual é surpreendentemente horrível e causou grande consternação na humanidade fechando escolas, restaurantes, fábricas, universidades instalou o caos nas cidades do mundo por seu engenho magnífico e alta letalidade. Mas não nos esqueçamos de cuidar de nossa 'psique' e cuidar também para que as nossas emoções não nos devore o sentido de estar na vida e nem mine a nossa felicidade e resiliência, pois sem isso ao menos humanos seríamos. E fiquemos atentos também por que há uma espécie de demônio em nós, não o da religião, outro, que anda pela terra trajando 'black tie' e se fartando de tudo em nós. A cada vez que abaixamos a cabeça e sofremos por estar isolados ou ficamos tristes por nos sentirmos impotentes frente a atual situação vivenciada, temos minada a nossa capacidade de reação. É preciso reagir e não se abater, é preciso posicionar-se rijo e com o dedo em riste concentrar-se na guerra, temos de sobreviver e cuidar para que a nossa alma não adoeça, temos de fortalecer a mente imprimindo sentido ao nosso existir todos os dias, a cada manhã, ninguém solta a mão de ninguém, por que mesmo a distância, com medo e inseguros estamos fazendo história". Vai passar, respira!

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Café Beirute

Em seus ensaios diários de guerra, veste-se a morte com seu traje de gala mais rebuscado.

Enfeitado de fogo, fumaça e ira o espalhafatoso cogumelo branco, esfuziante e envolto de pavor e medo, devora tudo ao redor sem a menor cerimônia.

Enquanto queima e arde o nitrato de amônio, em fumaça alaranjada e densa, clamam por socorro os sobreviventes, exorcizando todos os seus demônios um a um.

A sorte exclama e engana quem corre e a onda de choque alcança ainda em fuga os calcanhares dos sujeitos apressados, feito explosão de bomba atômica implode-se a fé de todos, sem dó nem piedade.

Enquanto dos escombros são recolhidos os corpos mortos e ecoam pavorosos os gritos em meio ao caos instalado, assombra-se todo o mundo em total silêncio, completamente embasbacado com a ira emanada da avidez da morte em sua empreitada furiosa no Líbano.

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Dia do Escritor

[...] A gente começa a escrever por que não pode ou não consegue falar, continua escrevendo por que não quer se calar, daí se percebe escrevendo por que internamente os monstros estão grandes demais, incontroláveis e impassíveis, eles se tornam verdadeiros devoradores de silêncios que nos consomem dia após dia vorazmente.

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⁠O abominável homem das trevas

Sombrio e obscuro,
ele navegava pelo asfalto da avenida
como quem veleja pelo concreto frio, cinza e duro da cidade.
Caminhava altivo e inexorável
os caminhos possíveis de seu pensar,
em ruinas, via o seu mundo inexplorável ruir a cada esquina.

Sentia suas dores mais intangíveis explodirem na escuridão à sua frente
e como um mensageiro da escuridão ele explorava o mundo de forma inabalável.
Em meio às trevas de sua existência embebidas de silêncios enormes
que lhe afagavam a face
penetrava o seu abismo mais profundo.

Feito mãos que penetram insensíveis as teclas de um piano e afagam sombrias as cordas de uma guitarra,
seus pensamentos mais sordidos ressoavam temerosos e solitários pelos acordes mais crueis e malignos daquela noite.

Ao caminhar por seus medos mais horrendos, se aprazia da amizade sincera que lhe ofertava a solidão, oprimido pelas sombras da noite retorcendo-se pelo caminho e beliscando o seu calcanhar, via, sentia,
a brisa da noite lhe afagar serena a face segundos antes do breu intenso da madrugada explodir em sua retina,
já turva e meio estorvada.

Enquanto percorria sozinho e intrépido os caminhos sombrios de sua escuridão revia os rumos prescritos em seu destino.
Ao passar pela avenida vazia,
via as luzes dos postes de iluminação se apagarem feito presságios.

O abominável homem das trevas caminhava sonoro, todos os dias,
pelas vias mais improváveis de sua quase morte
e bem em meio a percepção de sua inexistência
era acometido de uma euforia absorta e imponderável,
acometido de um prazer inexplicável.
A adrenalina lhe aprazia.
As trevas lhe aprazia.
A solidão lhe aprazia.
Nem mesmo a morte lhe metia medo.

Na escuridão, os seus olhos brilhavam feito estrelas raivosas
deslizando pelo céu infindo,
refletindo o brilho sagaz de sua impenetrável coragem.
Seu hábitat era a escuridão.
O ecossistema ao qual pertencia subsistia no caos à beira do quase fim.

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⁠História oral

A oralidade é o esteio da memória, sem estórias não há história.

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A morte se veste de sol

A morte, essa ingrata, que cheia de empáfia e malícia se veste de sol e brilha todos os dias nas manhãs mais cinzas e sujas, como se fosse alguma espécie de tempero pra vida, já morna e sem sal de alguns, surge e caminha soberana pela avenida.

Num relance, ela te acena com um pisco doce, leve e suave e você ingênuo corresponde e vai, imberbe e juvenil e aparentemente cego e ou entorpecido, você abre a guarda se ajeita e a segue em busca de mais uma dose de seu próprio destempero, agora, também, seu próprio veneno.

A morte é a corrupção da vida e o corpo aonde ela se encerra, a ânsia e a arrogância são as celas que aprisionam os imberbes e os cheios de ligeirezas, a morte é safa e calculista, transita pelo caos das noites feito os boêmios e notívagos, sempre à espreita ela escolhe, acolhe e envolve as suas vítimas como quem se assenta em uma mesa de bar qualquer para o último gole e abraça o desconhecido como se já fossem íntimos. Amigo... A saideira, por favor! Vamos comemorar, hoje é um grande dia.

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A Vertigem de Tia Bete

"Aquele hábito irritante de colher estrelas no ambiente com o tempo se tornou frequente. Todos os dias ela tateava o ar à sua frente tentando pegar as estrelas que piscavam em constelações completas bem diante de seus olhos cansados. Para a poesia no céu de Tia Bete o médico encomendou uma bateria de exames, prescreveu umas pílulas antiestresse e além de cortar todo o doce de sua vida, acrescentou à sua rotina uma dieta restritiva em carboidratos, caminhadas ao ar livre e algumas doses diárias de metformina".

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⁠O berro do bueiro

Aquele som estranho dos carros bêbados
descendo a rua acelerados
e eu ali parado
vendo o movimento da madrugada
fria e dura a me espreitar.

E todo aquele ensurdecedor silêncio no ar
e o barulho dos cães latindo sem propósito
e dos galos cantando fora de hora,
enquanto os passos mudos de alguém vira a esquina em sinfônia randômica
e a orquestra da vida noturna aleatória rege o caminhar cuidadoso dos gatos
a espreita dos ratos
e dos ratos a espreita das sobras e restos
nos ralos e bueiros sujos e cinzas da avenida meu Universo.

Na calçada, esperando o caminhão da coleta passar na segunda,
o monte de lixo amontoado na esquina,
sendo revirado por todo mundo -
(cachorro, gato, rato, cavalo, gente...).
Naquela hora, a neblina que baixa sobre a rua
e encobre o plano, aumentando o drama e criando o suspense que nos comove.

Ao fundo, o som dos aviões na pista do aeroporto
aquecendo as turbinas e os motores para a próxima viagem.
De repente o rasgo abrupto
do sopro e do grito afoito
ecoando imaginação afora
e fazendo firulas no ar escuro da madrugada,
o estrondo no céu parecendo trovão
e o deslocamento massivo de ar
que canta melódico sua fúria, enquanto surfa pelo vácuo do éter febril do firmamento.
Isso encanta, mas também assusta.

De repente alguém que grita
e a multidão na praça se alvoroça
e volta a ficar muda e bêbada
e cega e suja e dura e pálida
e surda e débil e bêbada.

E o susto repentino na fala de alguém que reclama alto
e foge rápido, sem destino,
só corre por causa do risco imensurável que impõe-lhe o medo.

Sozinhos, a essa hora, todos estão em alerta por medo do que não se vê:
- O rato corre do gato
- O vento corre no vácuo incerto como o susto do medo
do vazio que traz desassossego
e do incerto que ninguém quer pagar pra ver.

Enquanto dorme o bairro só eu estou acordado...
Olhando para o tempo em silêncio,
para o vazio a minha frente,
auscutando meu coração acelerado,
tomando o último trago,
fumando o penúltimo cigarro
e assistindo de camarote a chegada triunfal do sol, antes do fim.

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⁠Aonde começa e termina você

No fim que te encerra e faz crer que os caminhos possíveis são os caminhos limitados que lhe foram dados já ao nascer ou no limite que o outro em relação te impõe como possibilidade para que você protagonize a sua própria vivência?

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Dente de Leão

"Com os lábios lacrados, nariz em riste e cílios em convulsão estufou o peito e seguiu em frente de cabeça erguida, rasgando o vento. E como se não fizesse questão de coisa alguma, lambeu o sal da testa e sentiu a dor do medo tomar todo o seu corpo. Antes que pudesse se lamentar quedou de sua própria altura, quedou de sua bravura, não resistiu aos encantos do vento soprando suave e lento ao pé de seu ouvido".

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