José Ortega y Gasset
Quando vejo que o aplauso se dirige fácil e insistente a um homem ou a um grupo, surge em mim a veemente suspeita de que nesse homem e nesse grupo, talvez junto a excelentes dons, haja algo extraordinariamente impuro.
Quando se fala da nossa vida, geralmente se esquece disto, que me parece extremamente essencial: nossa vida é, em todo instante e antes de tudo, consciência do que nos é possível.
Nossa atividade de decisão não descansa um instante sequer. Mesmo quando, desesperados, nos abandonamos ao que vier, estamos decidindo não decidir.
Cada um de nossos atos exige que o façamos brotar da antecipação total de nosso destino e o derivemos de um programa geral para nossa existência. E isso vale tanto para o homem honrado e heroico quanto para o perverso ou mesquinho. Pois também o perverso se vê obrigado a justificar seus atos perante si próprio, neles procurando significado e função em um programa de vida. De outro modo, ficaria imóvel, paralisado como o asno de Buridan.
Este é o maior perigo que atualmente ameaça a civilização: intervenção estatal, absorção pelo Estado de todo o esforço espontâneo da sociedade, isto é: da ação histórica espontânea a qual, no longo prazo, sustenta, alimenta e impele os destinos do homem.
A filosofia não necessita nem de proteção, nem de atenção, nem de simpatia da massa. Cuida de seu aspecto de perfeita inutilidade e, com isso, liberta-se de toda submissão ao homem médio.
Podemos perfeitamente desertar do nosso destino mais autêntico; mas só para nos tornarmos prisioneiros nos andares inferiores do nosso destino.
O jovem não necessita de razões para viver; só necessita de pretextos.
Entregue a si mesma, cada vida fica em si mesma, vazia, sem ter o que fazer. E como precisa se preencher com algo, finge frivolamente, dedica-se a ocupações falsas, que nada impõem de íntimo e sincero.
A saúde das democracias, qualquer que seja seu tipo e seu grau, depende de um mísero detalhe técnico: o procedimento eleitoral. Tudo o mais é secundário.
Queira-se ou não, a vida humana é constante ocupação com algo futuro.
Acertará quem não confiar em nada do que hoje se prega, se ostenta, se prepara e se louva. Tudo isso vai sumir mais rápido do que veio.
Cada um de nós é metade o que é e metade o ambiente em que vive. Quando este coincide com nossa peculiaridade e a favorece, nossa pessoa se realiza por inteiro, sente-se corroborada pelo entorno e incitada à expansão de seu impulso íntimo.
O vigor intelectual de um homem, como o de uma ciência, se mede pela dose de ceticismo, de dúvida que é capaz de digerir, de assimilar.
Como é possível viver surdo às derradeiras, às dramáticas perguntas? De onde vem o mundo, para onde vai?
Só um ser de intermissão, situado entre a besta e Deus, dotado de ignorância, mas ao mesmo tempo sabedor dessa ignorância, sente-se impelido a sair dela e vai, em dinâmico disparo, tenso, ansioso, da ignorância até a sabedoria. Esse ser intermediário é o homem.
Filosofar não é viver, é desfazer-se conscienciosamente das crenças vitais.
Na história, toda superação implica uma assimilação: há de tragar-se o que se vai superar, trazer para dentro de nós precisamente o que queremos abandonar.
Precisamente, ao nos convencermos de que a mulher amada não é como acreditávamos, mas só uma imagem generosa que havíamos feito, produz-se em nós a catástrofe da desilusão.
Pensem como é dura, rígida, inerte, fria como um metal, para o ouvido da criança, a primeira vez que a ouve, a palavra “hipotenusa”!
Aquele que crê que sabe uma coisa mas, na realidade, a ignora, com seu suposto saber fecha o poro de sua mente por onde poderia penetrar a autêntica verdade.