Emil Cioran
A lucidez em alguns, é um dado primordial, um privilégio, e mesmo um dom. Não têm necessidade de adquiri-la, de procurá-la: são predestinados a ela. Todas as experiências contribuem para torná-los transparentes diante de si mesmos. Se vivem numa crise permanente, a aceitam com naturalidade: ela é imanente à sua existência. Em outros, a lucidez é um resultado tardio, o fruto de um acidente, de uma rachadura interior que ocorre em dado momento. Ao que tudo indica, viver é desmoronar progressivamente.
Se tivéssemos o justo sentido de nossa posição no mundo, se comparar fosse inseparável de viver, a revelação de nossa ínfima presença nos esmagaria.
Uma obsessão vivida até a saciedade anula-se em seus próprios excessos.
Ninguém poderia sobreviver à compreensão instantânea da dor universal, pois cada coração só foi moldado para uma certa quantidade de sofrimentos.
Que pecado cometeste para nascer, que crime para existir? Tua dor, como teu destino, não tem motivo.
Se todos os que matamos em pensamento desaparecessem de verdade, a Terra não teria mais habitantes.
A inteligência só floresce nas épocas em que as crenças fenecem, em que seus dogmas e seus preceitos se relaxam, em que suas regras tornam-se mais flexíveis.
O efeito que um livro exerce sobre nós só é real se experimentamos o desejo de imitar sua intriga, de matar se o herói mata, de estar ciumento se está ciumento, de estar doente ou moribundo se ele sofre ou se morre.
Nenhuma pessoa sensata foi objeto de culto, deixou um nome, marcou com seu sinal um só acontecimento.
Guardemos no mais profundo de nós mesmos uma certeza superior a todas as outras: a vida não tem sentido, não pode tê-lo.
Quem, lúcido, se compreenda, se explique, se justifique e domine seus atos, jamais fará um gesto memorável.