Poemas de Humberto Gessinger
Eu levo tudo a sério. Podem me acusar disto. Mesmo que, sem linha, uma agulha possa surfar mais livremente pelo tecido, eu prefiro o comprometimento da costura. Mais do que encarar as consequências: contar com as consequências. Estranho que o ditado "não dar ponto sem nó" geralmente seja usado de forma pejorativa. "Costurar sem linha" me parece um diagnóstico apurado dos tempos que correm. Mas este não é um ditado. Ainda.
Se é pra ser sincero como não se deve ser, conte comigo. Sempre fui explícito quanto às minhas preferências. Por mais fora de moda que pudessem estar. Nunca quis ser parecido com os cadernos de cultura dos jornais. Não me interessa quais são seus filmes da semana, bandas do dia, livros do mês. Nada de heroísmo aqui: talvez eu seja assim mais por preguiça do que por virtude.
Enquanto meus colegas brigavam com seus pais na saudável busca de identidade, à noite, eu colocava os chinelos do meu pai para andar no escuro da casa. Fisicamente não nos parecíamos, mas o som dos chinelos caminhando era igual. Matava um pouco da saudade.
"É frustrante quando situações cada vez mais complexas geram atitudes cada vez mais simplistas. Há quem associe esse descompasso ao imediatismo das redes sociais. Será? Não sei... acho que rola também uma preguiça e falta de noção que se expressam ali por conveniência mas são naturais das pessoas. Ainda mais quando estão assustadas. E como me parecem assustadas as pessoas no momento!"
"O outono, na falta de alguma obviedade que o caracterize, é mais propício a devaneios espirituais."
"Para quem tem olhar atento, as folhas das árvores começam a cair lentamente, deixando mais aparente a estrutura dos galhos. Fica mais clara a relação entre o que é perene e o que é transitório. No próximo ano, serão outras as folhas na mesma árvore. Mudando de escala, chegará o tempo em que será outra árvore no mesmo chão. A vida e seu eterno bailado entre o que passa e o que permanece."
"Motivos bobos (uma canção no rádio, um sonho que mate a saudade - um mate! -, um telefone em silêncio, um passeio sobre folhas secas) têm mais chances de fazer a diferença no outono e, (quem diria!), me fazer feliz."
"Gosto dos artistas que surpreendem quando falam, aqueles que não dão literalmente o que se espera, na hora que se espera. Suspeito, por exemplo, dos que dizem que suas canções prediletas são seus maiores sucessos. Acho muita coincidência."
"Alargar os laços da racionalidade que prendem a causa à consequência, num mundo tão prisioneiro da objetividade, pensar na vida como uma sucessão de pontos e não como uma linha contínua, pode ser interessante, ainda que assuste um pouco. Um exercício de humildade."
"Uma infância cíclica, que se renova com o passar do tempo ou a ideia de que o envelhecimento e a fadiga não são frutos de um processo gradual, mas acontecem de repente, são conceitos de difícil defesa. Mas não deixa de ser interessante brincar com eles por uns momentos."
"Certeza de estar no caminho certo, dúvida sobre aonde ele nos levará. Fé cega e pé atrás. Sempre é bom mixar instinto e reflexão pois, sabe como é, quem está 100% certo de algo não está 100% certo."
"Ok, o importante, por mais que a vida vá nos limitando, é não perder a capacidade de observar (criar) pequenas belezas cotidianas. Mesmo que só possamos fotografá-las com a mente. Há sempre muita coisa legal por aí, em suas pequenas imperfeições. Nota mental para uma próxima vida. "
"Não quero reviver o passado. Me interessa que ele dialogue com o presente, ...'mostre o que permaneceu apesar das tantas mudanças desses tempos malucos. E que também mostre a beleza efêmera das coisas que, sintomaticamente, ficaram pelo caminho. Afinal, mesmo que os ponteiros de um relógio parado não marquem o tempo, suas marcas estarão sempre lá."
Não sou contra a beleza. Sou contra a noção de que ela não está na flor e sim no bouquet sem cheiro nem insetos nem vida, envolto em celofane.
Dinheiro. Astral estranho cerca esta palavra. Seja na especulação online, global e sem cheiro, seja nas imundas notas amassadas do mundo físico; é um astral estranho.
Com exceção das religiões (que são indiscutíveis por se basearem na fé e em dogmas) todos os sistemas pra explicar o mundo, por melhor que sejam, são parciais. Eles têm limites. A realidade nunca se deixa capturar completamente. Algumas vezes até parece que ela não existe, né?
(*) "Supervisor das tempestades" era a resposta de HD Thoreau a quem perguntasse, objetivamente, qual era sua profissão. Resposta bem subjetiva. Qual é a minha profissão? Toco num power-duo, escrevo num blog toda terça-feira e faço uma TwitCam no dia 11 de cada mês. Fui objetivo?
Quero ser fra(n)co e quero receber a fra(n)queza como um presente. Quero discordar ao pé do ouvido, com um sorriso tímido no rosto. Quero a mão na mão trêmula, sem luvas de box. Quero o olho no olho marejado, sem óculos escuros. Quero o frio dos pés sob o cobertor, sem coturnos