Memória
Que coisa maluca a distância, a memória. Como um filtro seletivo, vão ficando apenas as coisas e as pessoas que realmente contam.
Do novelo emaranhado da memória, da escuridão dos
nós cegos, puxo um fio que me aparece solto.
Devagar o liberto, de medo que se desfaça entre os
dedos.
É um fio longo, verde e azul, com cheiro de limos,
e tem a macieza quente do lodo vivo.
É um rio.
Corre-me nas mãos, agora molhadas.
Toda a água me passa entre as palmas abertas, e de
repente não sei se as águas nascem de mim, ou para
mim fluem.
Continuo a puxar, não já memória apenas, mas o
próprio corpo do rio.
Sobre a minha pele navegam barcos, e sou também os
barcos e o céu que os cobre e os altos choupos que
vagarosamente deslizam sobre a película luminosa
dos olhos.
Nadam-me peixes no sangue e oscilam entre duas
águas como os apelos imprecisos da memória.
Sinto a força dos braços e a vara que os prolonga.
Ao fundo do rio e de mim, desce como um lento e
firme pulsar do coração.
Agora o céu está mais perto e mudou de cor.
É todo ele verde e sonoro porque de ramo em ramo
acorda o canto das aves.
E quando num largo espaço o barco se detém, o meu
corpo despido brilha debaixo do sol, entre o
esplendor maior que acende a superfície das águas.
Aí se fundem numa só verdade as lembranças confusas
da memória e o vulto subitamente anunciado do
futuro.
Uma ave sem nome desce donde não sei e vai pousar
calada sobre a proa rigorosa do barco.
Imóvel, espero que toda a água se banhe de azul e que
as aves digam nos ramos por que são altos os
choupos e rumorosas as suas folhas.
Então, corpo de barco e de rio na dimensão do homem,
sigo adiante para o fulvo remanso que as espadas
verticais circundam.
Aí, três palmos enterrarei a minha vara até à pedra
viva.
Haverá o grande silêncio primordial quando as mãos se
juntarem às mãos.
Depois saberei tudo.
A luz do entardecer está batendo nos seus cabelos e eu quero guardar para sempre na memória esta imagem de você assim tão linda.
A memória não tanto produz, mas revela a identidade pessoal, ao nos mostrar a relação de causa e efeito existente entre nossas diferentes percepções.
A amizade é indispensável ao homem para o bom funcionamento da sua memória. Lembrar-se do passado, carregá-lo sempre consigo, é talvez a condição necessária para conservar, como se diz, a integridade do seu eu.
Aquele que à inatividade se entregar deixará de si sobre a terra memória igual ao traço que o fumo risca no ar e a espuma traça na onda.
Se você quer testar sua memória, tente se lembrar hoje sobre o que você estava preocupado há um ano atrás.
Educação não é o quanto você tem guardado na memória, nem mesmo o quanto você sabe. É ser capaz de diferenciar entre o que você sabe e o que você não sabe.
Só nos recordamos verdadeiramente daquilo que nos era destinado. A memória não lê as cartas alheias.
Ó musas, com o vosso alto engenho, ajudai-me; / ó memória, que escreveste o que vi, / que se prove aqui a tua fidelidade.