Lira dos vinte anos
Talvez você me ache muito carente
Ou quem sabe, até um pouco patético
Por estar sempre falando em amor
Sempre fazendo declarações
Mas falar de amor, faz parte da minha essência, é parte do que sou
Sou carente? Talvez
Sou patético? Acho que sim
Declarar-me, me tráz contentamento
Falar de amor, alimenta minha alma.
A uma dama dormindo junto a uma fonte.
À margem de uma fonte, que corria,
Lira doce dos pássaros cantores
A bela ocasião das minhas dores
Dormindo estava ao despertar do dia.
Mas como dorme Sílvia, não vestia
O céu seus horizontes de mil cores;
Dominava o silêncio entre as flores,
Calava o mar, e rio não se ouvia,
Não dão o parabém à nova Aurora
Flores canoras, pássaros fragrantes,
Nem seu âmbar respira a rica Flora.
Porém abrindo Sílvia os dois diamantes,
Tudo a Sílvia festeja, tudo adora
Aves cheirosas, flores ressonantes.
Manuel Antônio Álvares de Azevedo.
São Paulo - SP, 1831 - 1852.
Obras Principais: Obras I (Lira dos Vinte Anos), 1853;
Obras II (Pedro Ivo, Macário, A Noite na Taverna, etc), 1855
Nascido a 12 de setembro de 1831 em São Paulo, onde seu pai estudava, transferiu-se cedo para o Rio de Janeiro. Sensível e adoentado, estuda, sempre com brilho, nos Colégios Stoll e Dom Pedro II, onde é aluno de Gonçalves de Magalhães, introdutor do Romantismo no Brasil. Aos 16 anos, ávido leitor de poesia, muda-se para São Paulo para cursar a Faculdade de Direito. Torna-se amigo íntimo de Aureliano Lessa e Bernardo Guimarães, também poetas e célebres boêmios, prováveis membros da Sociedade Epicuréia. Sua participação nessa sociedade secreta, que promovia orgias famosas, tanto pela devassidão escandalosa, quanto por seus aspectos mórbidos e satânicos, é negada por seus biógrafos mais respeitáveis. Mas a lenda em muito contribuiu para que se difundisse a sua imagem de "Byron brasileiro". Sofrendo de tuberculose, conclui o quarto ano de seu curso de Direito e vai passar as férias no Rio de Janeiro. No entanto, ao passear a cavalo pelas ruas do Rio, sofre uma queda, que traz à tona um tumor na fossa ilíaca. Sofrendo dores terríveis, é operado - sem anestesia, atestam seus familiares - e, após 46 dias de padecimento, vem a falecer no Domingo de Páscoa, 25 de abril de 1852.
Politicamente incorreto,
Adormece minha alma,
Ditosa lira,
Desperta na madrugada,
Ressaqueada,
Do pudor que a poluíra.
Tange a lira o querubim mavioso,
E vibrantemente o Altíssimo entoou.
Canto a plenitude do Poderoso,
A graciosidade primaveril,
E a beleza de Eulália.
Quão belo nascem os lírios campestres,
E os colibris enamorados os cortejam.
Surgiu ó musa impetuosa a relampejar,
Fulgurante cintila os firmamentos
Teu semblante brilhante.
Tal sopro Divino adentrou
Em majestosa escultura.
Lei foi de Javé, Oleiro-Criador
Que terno e preciso adornou
Supra obra de esplendor inigualável.
Imponente bradou: "Ouvi ó céus!
Todo clarão diurno e tudo que cintila!
Toda Via Láctea!
Pois a vida, em seus termos, se esculpirá.
Todas minhas letras far-se-ão carne.
Aquela que diante de mim assiste
Tornar-se-á mulher vivente.
Qual reina a primavera entre às estações,
Reinará entre as damas a rosa por mim concebida!"
Quão formosas as sedas
Que compõe tuas madeixas douradas.
Pétalas alvas é tua tez
Juntamente com fragrância de balsamo,
Exalam sutilmente ao ar.
Bruma na orla as fluctissonantes ondas
Ansiando por banhar-te os pés singelos.
Sopra o vento sul,
Para refrescar vossa pele.
Vem, pois caiu à noite, ó lua cheia!
Ilumina aquela que cede à Terra colorido.
Pisamos as uvas das melhores vinhas
E celebremos com o vinho novo,
Pois enamorada está a essência do poeta,
Não por ouro, prata ou pérola...
Mas sim pelo anjo em mulher, Eulália.
Na lira dos Vinte anos,
Descobre-se a transitoriedade da vida
Aceita-se o crescer num encontro entre a razão e a ilusão.
E,quando as folhas estiverem caindo
enfeitando as cinzentas calçadas
Estará desperta
Alegre,revigorada.
Mais um aniversário
mais uma prece ouvida
Mais felicidade nessa longa estrada da vida
Levantai-vos, Castro Alves
Do túmulo onde dormis,
Vinde já nesse momento,
Com vossa lira feliz
Permutar as Vozes d’África
Pelas de vosso país.
Maldita é a vida
Rancor é o sentimento
É com propósito que toco a minha lira
Que entoa o quão nada e sozinha
É a minha alma em meros fragmentos
Traiçoeiros são os pensamentos da minha cabeça
De ódio e tristeza é a maio parte
Minha força se esvaiu e está sobre a mesa
Juntando tudo com minha perdição e abandono
Dá-se a escuridão que é a mais bela e pura arte
Nunca mais se Ouvira os toques de lira no lado frontal da minha casa, pois assassinaram cruelmente o fiel tocador.
Canção do coração
Quando entoa a canção do coração,
ouve-se a o chorar da lira,
as vozes de todos os anjos entram em perfeita sintonia.
louvores arquejam de noite e de dia.
– Quão doce é, o soar harmônico celeste,
Que daquela baía de águas profundas a alma submerge.
Não te deixa morrer, oh! Feliz lágrima dos santos
que ao corpo prende e faz sangrar de amor a sentinela inocente.
Não deixas, oh! Querida canção ardente,
que o ruído do lápis no papel apague o contorno entranhado
nos olhos mortais, de seus inefáveis lábios transcendentes.
Arranca-te da alma! Assim como o verso de um poema
arranca do mar de ilusões o nostálgico som de um piano.
Cubra-a com véus de ínfima pureza, perfumados com nardo puro em alabastro,
para que um dia seu grande amor passe, e carregue de ti ares de sorrisos graciosos em tremendas correntezas.
Oh musa casta divina que o poeta medita,
dá-me força e pensamento,
fortificai minha lira,
para que eu sempre faça meus versos,
que minha mente inspira
É ele! O sonhador!
Vagueia o poeta pelos campos:
admira,Adora;
ouve dentro de si mesmo uma lira.
E ao vê-lo chegar, as flores, todas as flores,
As que dos rubis empalidecem as cores,
As que dos pavões deixam as caudas ofuscadas,
As florezinhas azuis, as florezinhas douradas
Tomam para o acolher, nos seus ramos agitados,
Arzinhos humildes, ou grandes ares afectados,
E, familiarmente, porque fica bem às belas:
«Olha! É o nosso amado que passa!», dizem elas.
E,. cheias de luz e de sombra, com vozes inquietas,
As árvores gigantescas que vivem nas florestas,
Todas essas velhinhas, as tílias, os áceres, os teixos,
Os carvalhos venerandos, os enrugados freixos.
O olmo de negra ramagem, que o musgo entorpece,
Como os ulemas fazem quando o mufti aparece,
Saúdam-no com grandes vénias, curvando para a terra
As cabeças de folhagem e as suas barbas de hera,
E vendo na sua fronte um sereno esplendor,
Murmuram muito baixinho: É ele! O sonhador!