Quando se ama muito alguém e quando... Maria Almeida
Quando se ama muito alguém e quando esse alguém, supostamente, nos magoou mais do nos fez bem, chega um tempo, um segundo descrito num minuto, em que tudo se aquieta repentinamente, acalmando as batidas desenfreadas do coração e purificando a inquietude da alma profusa. É nesse frémito de tempo que uma pessoa percebe que Deus sempre esteve connosco e que o seu amor por nós é imensurável, e se entrega a Ele completamente. É nesse frémito de tempo que uma pessoa chora as lágrimas reprimidas como água em torrente abundante e silenciosa, transcendendo a estranha e a esperada solidão pacificadora de nós próprios. É nesse frémito de tempo que uma pessoa levanta o rosto para o céu e o olha com imensa gratidão e se adensa de amor pelo amor que sente e que perdura dentro dela. É nesse frémito de tempo que uma pessoa se apercebe, com clareza, que, em todo o tempo, foi contra ela mesma que lutou, circuncisando o mais puro que dentro sempre esteve, sempre conservou e sempre regou, florescendo lentamente e em ondas de cada vez mais, em prol de um orgulho besta que quase a ia transformando a si. É nesse frémito de tempo que uma pessoa observa os dedos trémulos e descobre que a dor sempre foi amor, que sempre acarinhou o mundo e que sempre sentiu ternura pelas pessoas. É nesse frémito de tempo que uma pessoa se perdoa verdadeiramente e verdadeiramente perdoa a quem amou e a quem ama, murmurando pelo seu perdão porque sabe, conscientemente, que também magoou. É nesse frémito de tempo que a pessoa sente Deus como nunca, transbordando o seu coração para poder com sabedoria e espontaneamente encher o coração desse alguém que sempre amou e que incondicionalmente aceitou, pelo seu coração bom, no vislumbre de um toque suave e lento da sua alma tão humana. É nesse frémito de tempo que uma pessoa percebe que foi em vão o medo, porque o amor desse alguém é por ela também. É nesse frémito de tempo que uma pessoa esquece completamente o passado e aceita simplesmente o presente, com fé e com esperança no futuro, porque ama esse alguém com a pureza de uma criança, com a compreensão de uma amiga e com a intensidade de uma mulher. É nesse frémito de tempo que uma pessoa deseja a presença desse alguém só para, e ainda que por um breve momento, repousar a cabeça no seu peito e transmitir mudamente ao seu coração a paz, a certeza, o perdão e a ternura que ambos sonham e desejam, e poderem partilhar-se, sem receios, unidos pelo amor extremo, infinito e misericordioso de Deus. É nesse frémito de tempo que uma pessoa entende que dois inteiros separados pelo tempo e pela distância sempre foram um só, e se aquieta na tranquilidade de um dia de cada vez, sem pressas, e em cada hora de saudade, em que esta já não dói, por se ter transfigurado em algo lindo, uma emoção única, tranquila e gostosa de se sentir. É nesse frémito de tempo que uma pessoa sabe que ambos têm tudo para serem felizes, pois cada um tem dentro de si o que existe no outro e em cada um. É nesse frémito de tempo que uma pessoa se consciencializa que deseja ardentemente, e acima de tudo, a felicidade desse alguém, o seu bem, a sua paz, o seu sorriso eterno nos lábios meigos, a sua alegria revelada no olhar profundo de homem e de menino, doando sem reservas, amando com meiguice, porque foi isso que esteve fazendo sempre, guardando dentro de si o amor que preservou e alimentou com luz e sem qualquer esforço. É nesse frémito de tempo que uma pessoa entende o que é o amor e com amor quer abraçar esse alguém e permanecer, assim, indefinidamente, ao lado desse alguém.
Tu és o meu manto de luz e tenho muitas saudades de ti. Perdoa-me pelo que te fiz, pelo sofrimento que te causei, pelo amor que tenho dentro de mim, feliz e poderoso, e que, como uma menina mimada, nunca soube corretamente dar-te para simplesmente amar-te.
Ouço a música da chuva e sinto o afago do sol. Imploro a Deus que guie os meus passos para que não soltes a minha mão e nunca sintas vontade de desistir de mim. Ensina-me. Eu quero aprender contigo. Com humildade e gratidão. Eu aprendo contigo. Ensina-me.