Coleção pessoal de veronicah
É preciso ser coerente pra ser aceito, mas como não me contradizer tentando achar um equilíbrio? Como não ser um pouco louca nesse mundo tão absurdo?
Tenho a impressão de ter atingido o auge da minha maturidade, mas não tenho espaço físico ou moral pra existir nessa condição. Estou pronta pra largar tudo pra trás todos os dias, mas algo finca meus pés no chão sem eviso prévio.
Meu suicídio diário não é uma forma de morrer. É uma tentativa desesperada de encontrar essa vida, testar minha capacidade de quase ir e voltar, descobrir se eu mereço estar aqui e se existe mesmo um deus. Afinal, ele concorda ou não com a minha maneira de encarar as coisas? Por que não me castiga por ser tão estupidamente desapegada? É minha necessidade de viver que me mata.
Eu tenho essa urgência de viver, essa pressa de qualquer coisa que ultrapasse a inércia. É isso que me faz jogar dados ao acaso e me atirar de carros em movimento, é por isso que ando longe de viadutos.
Tanta gente aprendendo a sorrir com conquistas, mas a maioria ensaiando o futuro. Não é o que eu quero. Quero mesmo é o presente.
Vou deixar você procurar em todas o que você só vai achar em mim, mas não vou te esperar. Quando você perceber, será tarde demais. Mas eu deixo você olhar, porque você é lindo calado e eu falo para um plateia inteira. Se algum dia Manequim for objeto de palco, a gente se encontra.
No fundo eu sou de mentira, assim como você. E não é uma identidade que nos tornará real. Falta em você algum brilho, alguma individualidade, algo que te faça especial. Em mim esse brilho sobra e eu saio por aí espalhando, como se fosse bonito se perder em todo mundo só porque meu corpo não é suficiente pra me abrigar. E nós seguimos sendo nada, sendo só rosto marcante e nome fictício, enquanto você não descobre que eu leio sua insegurança e me disponho a curá-la e eu tenho preguiça de dizer.
Se as pessoas estão sempre indo e vindo, eu só queria alguém minimamente eterno em sua duração, que me fizesse parar de achar normal essa história de perder as pessoas pela vida.
Eu não quero viver como se sobrevivesse a cada dia que passo sozinha. Não quero andar como se procurasse meu complemento em cada olhar vago. Eu acho que mereço mais que isso por tudo o que eu sei que posso fazer por alguém. E fico só esperando, na surpresa do dia que eu desencanar de esperar, um par de olhos que me faça ficar sem nenhuma palavra, nada além de dois olhos se enlaçando quatro.
Vou embora querendo alguém que me diga pra ficar. Estou sempre de partida, malas feitas, portas trancadas, chave em punho. No fundo eu quero dizer "Me impede de ir. Fica parado na minha frente e fala que eu tenho lugar por aqui, que não preciso abandonar tudo cada vez que a solidão me derruba. Me ajuda a levar a vida menos a sério, porque é só vida, afinal." E acabo calada, porque não faz sentido dizer tudo isso sem ter pra quem.
E eu quis. Quis algo além da rotina do trabalho e gente fabricada com seus narizes perfeitos e cabelos penteados. Quis algo certo como o frio na barriga e a respiração travada, o coração esquecendo de bater. Quis algo errado que me fizesse bem só por escapar do caminho óbvio de toda noite.
Falo da vida como se fosse um verbo no passado, alguma coisa que costumava ser e hoje só me lembro. Falta tempo, falta apego, faltam laços e sobra essa mania de descrever o sentimento dos outros que não sabem dizer. Sobrevivo das lembranças, tão alheias e mais coloridas do que eram realmente, quando chamadas de presente.
Estou ficando morna de tanto não me permitir ir além, de tanto calcular meus passos, me esconder em falsa timidez, evitar sentimentos, evitar relacionamentos, evitar gente só por ser gente e pela possibilidade de alguma coisa dar errado.
Quanto mais aprendo sobre mim, mais boicoto meus conhecimentos. Quero contradizer todas as afirmações que faço lutando para entender o que se passa em mim. Não devo ser tão complicada, mas ser extremista faz com que os sentimentos que divido com toda mulher sirvam como base pra decidir tudo na minha vida. Indecisões são capazes de preencher meu dia, mudar minha vida, acabar com meu humor. Possibilidades tentam perfurar meu estômago, atravessar meu corpo, tentam me destruir antes mesmo de terem permissão para acontecer.
Vou dispensando tudo o que não julgo suficiente pra me roubar a solidão. Vou excluindo do meu convívio todos que não parecem prontos pra marcar meu dias. E vou me excluindo um pouquinho também, vou me dispensando sem pudores, porque é mais fácil me deixar de lado do que lidar com a minha falta de coerência.
Quero os melhores romances, ou prefiro ficar sozinho. Quero as melhores lembranças, ou prefiro não lembrar. Ou vivo intensamente, ou vou levando essa rotina que não incomoda, não interfere, não fere, mas também não é vida. (Interrogação)
Tenho vontade de encher parágrafos e mais parágrafos com pontos de interrogação. É tudo o que eu penso em escrever. Tenho mil perguntas para fazer e parece que quanto mais respostas, mais dúvidas surgem. Quanto mais me conheço, menos sei o que fazer de mim. Quero explodir, mas me contenho, quero me impor, mas me escondo, quero gostar, mas racionalizo. Onde vou chegar se não me soltar? Tenho medo de ficar presa nessas linhas. Tenho medo do que eu escrevo se tornar realidade. E se eu ficar muito Verônica? E se eu tiver que ser alguma coisa pra sempre, porque o que está no papel não se apaga mais, e estou escrevendo quase certezas sobre mim o tempo todo?
Seu medo é de ser feliz? Então dividimos esse pavor doentio da alegria, podemos partilhar o pânico de sorrir até que a tristeza não faça mais sentido a dois.