Coleção pessoal de valdenirdelimaolivei
Dissabor
Cada um tem sua história
Pra contar
E seus motivos
Pra sorrir ou chorar
Cada um sabe da dor
Onde sente
E seus motivos
Pra lutar e seguir em frente
Cada um veste o medo
A que lhes foi dado
Como a certeza da morte
Que um dia foi marcada
Cada um sabe da fome
Que por vezes tem passado
E quando chega a madrugada
Parece que ela some
Não sei se é de tanto frio
Ou é de tanto ter guardada
Cada um sabe o limite
Da sua fúria
E até que ponto vai
A sua lamúria
E quando a loucura acabar
E a tua lucidez
Despertar de vez
O teu limite vai acabar
E a nossa amizade também
Pois você foi sim muito além
E por vezes tem me machucado
Em todos queria por um fim
E como eu não era ninguém
Pensou até em ter me matado
Mas eu sou um sobrevivente
E quero matar o passado
Que insiste em fazer presente
Aqui preso dentro de mim.
Façanha
A mulher canta
Porque não sabe
Outra maneira
De afastar
O que te espanta
A mulher dança
Porque não sabe
Ficar sozinha
Parada no canto
Numa tardezinha
Ouvindo tristeza
E curtindo lembranças
E quando ela pula
E faz piruetas
É pra esconder a gula
E destrair o capeta
E quando o baile acaba
Toda sujeira ela varre
Algumas pro lado de fora
E outras pra debaixo do tapete
A mulher quando ama
É porque já cansou
De matar e morrer
Por uma só pessoa
É porque já casou
E isso só não bastou
Quis fazer diferente
Acendendo outra chama.
As Pedras
Eu converso com as pedras
E só elas me entende
As vezes parece loucura
Mas o papo se estende
E eu me perco na doçura
De um grande gesto bonito
Porque pedra quando fala
É tão alto e profundo
Que chega a tocar o infinito
As pedras são grandes amigas
E grandes guerreiras também
Elas guardam lembranças antigas
E são sempre pisadas por alguém
As pedras são heroínas
E guardiãs de grandes segredos
Dos mais loucos desejos
Ás águas mais cristalinas
As pedras escondem mistérios
Que a vida não sabe explicar
Porque existe matar
E esses tais de cemitérios
As pedras sabem amar
E também o valor do perdão
Porque vem do coração
O que sempre sabem falar
As pedras tem sempre emoção
E sabem tão bem escutar
Mesmo que o desatino é chorar
E de sempre perder a noção
Elas tem sempre razão
E grandes sentimentos
Pois entendem de tudo
E conhece cada tormento
Desde as dores do mundo
Em meio a multidão
Aos amores profundos
Em meio à ilusão
Quando a maré vem
E o barco se afunda
Quando a brisa levanta
E o sorriso se fecha
Quando se atira um flecha
E o cupido se espanta
Quando feliz é quem vive
E não só o que canta
Quando não é primavera
E as flores se enganam
Quando os aromas se emanam
E já não é o que espera
Quando o pó virar tédio
E o amor virar ódio
Quando o pavor virar sódio
E o suor virar remédio.
Recôndito
Somos feitos de sonhos
E de uma certa magia
As vezes parecemos bisonho
Mas é só por não ter alegria
Somos bicho do mato
Metade do mundo acabado
Sentindo se abandonado
Como se fossem um rato
As vezes me falta alegria
Por isso não mostro um sorriso
Fugir com você me parece preciso
É a liberdade que eu mais gostaria
As vezes eu sinto a loucura
Querendo sempre me rondar
É como quem roda um peão
E sente o mundo apressar
Depois me deixa cambalho
Caido de cara no chão
Somos o bicho da seda
Que tem bico e que tem sede
Somos o rio e a rede
O frio, o nicho e a parede
Somos a lógica do desprezo
E a mágica da tristeza
Que invade essa vida
Em uma enorme correnteza
Somos o gelo
E o elo desse grão
Que deixou tão amarelo
O meu pobre coração
Você que nem sabe
E nem sente o que eu sinto
E quando me olha
Eu finjo que minto
Pra não ter que encarar
Essa vontade que tenho
De te amarrar pelos cantos
E segurar pelos dentes
Somos um beco sem saida
E um jornal sem notícias
Sem normas e sem malicias
Somos um boteco sem bebida
Vivo esperando a coragem
De um dia poder te falar
O que vive preso em mim
Aqui sempre a engasgar
E quando eu te falo bobagem
Eu sinto as horas passar
Mas vem sempre a voragem
Em tudo que tenho pra mostrar
E me deixa sozinho outra vez
Aqui sofrendo calado
Com um sentimento guardado
E se valendo por dez
Mas nunca acaba de vez
E por vezes tem me afogado.
O Sol Embriagado
Hoje o sol embriagado
Não mostrou seu olhar na terra
Preferiu se esconder
Entre os montes daquela serra
Pra não ter que explicar
O seu olhar envergonhado
Quando abrirmos a porta
E também a janela
Hoje o sol fez barulho
Como nunca se ouviu
Quando caiu na bebedeira
E o seu olhar não se abriu
Parecia que alguém
Teria feito tudo isso
Por prazer ou capricho
E por um enorme feitiço
O sol dormiu o dia inteiro
E de ressaca escureceu
E todo o mundo permaneceu
No breu confuso do terreiro
Sem entender ali quase nada
Porque ele se escondeu
Alguns correram pra rua
Pra saber o que aconteceu
Se foi o dia que virou noite
Ou foi o sol que morreu.
Martírio
Bomba, tiro e guerra
Tudo isso vê na tv
Sei que é parte de uma nova era
Mas é tão difícil de crê
Que a vida assim se desfaz
Por tão pouco ou quase nada
Mas o que se pode fazer
Se é destino deixar tudo pra trás
E a maldade é o que te faz morrer
Eu vejo o lado de fora
E também o lado de dentro
O que acontece agora
E o que vêm lá do centro
De onde a carniça é maior
E a piedade é cada vez menor
De onde se lavam com sangue
As mãos em vez de suor
De onde se grita olha a paz
E o outro já diz olha a faca
Alguns lutam e refaz
E o outro chuta e te empaca
A garganta ali ja vive rouca
De tanto gritar socorro
E os velhos pés descalços
Já andam tão cansados
De tanto correr pra o morro.
Ócio
Pra um sol bem quente
Eu uso um chapéu
Pra minha dor de dente
Eu olho pro céu
Pra meus amigos
Eu mando lembranças
Pra meu bem querer
Um pote de mel
Eu faço da vida
Uma linda resenha
E exponho tudo
Aqui no papel
Eu mostro a beleza
Do teu sorriso
E encontro a certeza
Do meu paraíso
Amar tudo ali
É muito mais que preciso
É quase sagrado por ser precioso
E se é pra correr apressado
Eu já nem saio do lugar
Minha vida é andar devagar
E sempre cheguei lá do outro lado
Onde a luta começa
E a glória termina
Onde implora a menina
E te faz promessa
Onde o campo é minado
E a virtude regressa.
Eterno Amor
Hoje o teu silêncio,
Gritou mais alto no meu coração
E foi tanta dor e emoção
Ao lembrar de você,do nosso amor
E da nossa União
Hoje o teu silêncio,
Gritou mais alto no meu coração
E foi tanta dor e saudade
Ao lembrar de você, do seu calor
E da nossa amizade
Mas tanta força tem a minha fé
Que apesar de tudo
Eu me considero
Um cara sortudo
Pois ainda me restou alegrias
E razões que me mantém de pé
Hoje o teu silêncio,
Bateu mais forte
Aqui no meu peito
E ao lembrar de você
Eu sentir bem fundo
Essa tua ausência
Desde o meu lado esquerdo
Até meu lado direito
Pois sem você nessa vida
Me falta um pedaço
E isso é quase um defeito
Hoje a tua presença
Se fez Real no meu pensamento
E foi minha sentença
Não ter um ideal
Em seu lugar
Só dor e tormento
Pois a tua lembrança
Estará sempre viva
E por toda a minha vida
Há de me acompanhar
Desde a pista de dança
Até o cantar de uma diva
Pois lembrar de você
É um sonho real
Vou cultivar pra sempre
Esse meu sentimento
Porque me faz tão bem
E é tão natural
Lembrar de você
É como ler um bom livro
E jamais se esquecer
É viajar no tempo
Dessa nossa história
Chamada de amor
Entre eu e você.
À Primeira Vista
Já eram meio dia
E eu quase sem alegria
Foi quando eu te encontrei
E você me deu um sorriso
Aquilo alegrou a minha vida
E fez eu ganhar o meu dia
Foi quando eu acreditei
Que de fato o amor existe
E me fez um bem danado
Pois amar e ficar apaixonado
Fez o meu dia deixar de ser triste
Não sei se foi o acaso
Ou o destino quem deu a pista
Eu só sei que foi amor
E foi amor à primeira vista
Desde então eu não te esqueço
E a cada dia eu só enlouqueço
É como querer ir pra lua
E saber que é difícil esta conquista
E mesmo assim eu te procuro
Em cada rua, em cada canto
E mesmo difícil eu não desisto
Eu vou do fim até o começo
Pois não há mundo escuro
Sem pedra nem tropeço
Porque amar é um encanto
E você coisa de Cristo.
Monumento
Com seus olhos de Luz
E a sua boca de vidro
Com seu corpo macio
E a sua pele morena
Você me conduz
E me causa arrepio
E faz minha vida
Ficar mais serena
Com seus olhos de mar
E a sua boca de amar
Eu me perco na fome
E na vontade de beijar
Os seus olhos são a brisa
E o seu corpo um encarte
Você é uma obra de arte
Num estilo Monalisa
O seu corpo é a margem
Tudo ali à seu tempo
É uma linha imaginária
De qualquer pensamento
A sua boca é um oceano
Que desagua em mim
Todo sentimento
Cada dia, cada ano
Colorindo a vida e toda paisagem
E com sua beleza
Se faz monumento
O seu corpo é uma fonte
De fortaleza e prazer
E toda água ali eu quero
Pra tomar banho e beber
E todo bem ali eu espero
Que te próspera e faça viver
E que tenha um monte de amigos
Que sejam a ponte entre eu e você
Que estejam firmes e fortes na luta
E nunca deixarão
Essa ponte descer.
Atroz
Eu pedi uma colher de chá
E me deram uma de veneno
Eu quis um pedaço de pão
E só me deram carvão
Depois ficaram sereno
E me jogaram no chão
Eu pedi um copo d’água
E me deram óleo diesel
E quando eu tive fome
Me ofereceram sabão
Disseram ser eu perecível
Com a minha fome do cão
E quando eu quis saber demais
Tiraram logo o meu poder,
Depois me atiraram no penhasco
Fazendo tudo eu esquecer
Como se tolher a mim fosse fácil
Pois não esqueço jamais o dever e a missão
Nem o sabor do churrasco.
A Porta Do Meu Coração
Todo dia nesse vai e vem
Essa porta não vai aguentar
Pois é tanta gente que entra
E tanta gente que sai
É tanta gente do bem
E tanta gente do mal
Todo dia nesse vai e vem
Ela vai se arrebentar,
Pois o meu peito parece de aço
Mas ele é de carne e osso também
E se lá fora o sol já não vem
Aqui dentro ele parece queimar
Todo dia nesse vai e vem
Essa porta um dia vai fechar
E pra quem entrou vai ficar
E por ela nunca mais vai sair
Mas pra quem saiu vai sumir
E por ela nunca mais vai entrar.
Idiossincrasia
Este mês eu não fui a escola
Por causa desse inglês
Dessa vez fui jogar bola
E aprender mais português
Porque lá na rua a gente canta,
Na rua a gente dança
Ali a gente fala
É do jeito que a língua alcança
Não importa o trejeito
Pois nele não há quem vai rejeitar
O nosso jeito é esse de falar e se comportar
Ali a gente ajeita e pra avante lança
Onde você estiver
Longe ou perto é pro que der e vier
A gente fala é do nosso jeito
E não do jeito que me disser
A gente se solta
E salta ali sem rodeio
Pois não há regra que rege
E impede o meu dialeto
Somos feito criança louca no recreio
Falando popular,direto e aberto.
O Meu Perdão
Um dia quando você menos esperar
Eu vou esquecer de todo o mal que me fez passar
E te darei um abraço bem apertado
Desses de te fazer arrepiar
E te darei um beijo assim meio roubado
Desses que eu sei que você vai gostar
E farei outra vez o seu mundo
Aqui no meu se enroscar
Um dia quando você menos esperar
Eu vou esquecer de toda dor que me causou
Farei de conta que o tempo não passou
E que nada mudou entre nós
E te darei todo amor,carinho e atenção
Que um dia você me faltou
Então eu te darei a minha mão
E com ela o meu perdão
Pra ficar em paz
E feliz o meu coração.
Trajeto Obscuro
Todo dia ela passa
Como quem vai a festa
Com seu vestido de renda
E um barbante na testa
Todo dia ela passa
Como quem vai passear
Leva um sorriso nos lábios
E uma verdade no olhar
Todo dia ela passa
Como quem vai a fonte
Guarda no peito um desejo
E segue a pé pela ponte
E com um olhar de pecado
Ela me arranca suspiro,
É como se a boca calasse
E meu coração desse um grito
E se eu espiar
E ela não passar
Deixo logo um recado
Que é pra te encantar e causar arrepio
Todo dia ela canta
Como quem sabe viver
E pra um encanto maior
Ela me faz reviver
Todo dia ela dança
Sempre a mesma canção
É como se um rádio tocasse na alma
E falasse de amor ao seu coração
Todo dia ela passa
Como quem vai a missa
Leva na mão sua bíblia
E na sua boca uma lábia
Pois pra quem sabe rezar
E crê na missão
Jamais perde a fé
Ou esquece a oração
Todo dia ela passa
Como quem vai trabalhar
Com seu uniforme normal
Sempre ali pontual
Ela vai depressa
Pela estrada afora
É como se o dia ali começasse
E o mundo acabasse agora.
Piromania Ambiental
Tem fumaça encobrindo a serra
E cá na terra cheirando a queimado
É o mês de agosto chegando
E outra vez o fogo no roçado
Tem cigarra cantando bem alto
E cidadão fumando cigarro
Na estrada deixaram seus rastros
Alguns voltaram já e outros ali nunca mais
Tem poeira sumindo no ar
E madeira caindo no chão
Tem fogueira outra vez a queimar
Do começo ao fim do sertão
Tem cobra-cega
Já seca no mato
E um braseiro
Que ainda desmata
Tem calango e formiga
Já virando fumaça
E tudo que é inseto
Perdendo o seu espaço
Eles foram passados
Diretos pro além
E o ser humano não para,assim ele continua
Sempre a devastar e fugir pra rua
Sem ele saber que mais tarde
Com a sua carne crua
Pode ter no futuro
O mesmo destino também
Quando a seca chegar
E a água acabar
Quando a fome bater
E a sede aumentar
Já não haverá mais sapo
Nem urubu pra matar
Nem a galinha de Angola
No terreiro a cantar
Até a sua horta
Ali vai ser morta,
Pois não terá mais cacimbas
Só o teu cachimbo na porta.
Diluvio E Rotina
A lua cobria o telhado
Molhado ainda da chuva,
E chovia ainda na rua
Porque barulho ainda se ouvia
Dos pingos pingando lá fora
Como se fossem na pia
A lama jorrava na porta
Sujando meus pés e a cama
O vento trazia de longe
Um cheiro de café e de cana
Era o dia já amanhecendo
E pra lida muita gente descendo
Era Joana coando o café
E José cortando a cana
Depois Joana ia varrer o chão
E José ia comprar pão.
Réprobo
Diga logo o que veio fazer
E pare de me olhar atravessado,
Diga se é por prazer
Ou veio remexer o passado
Diga logo o que veio dizer
E pare com esse rodeio,
Olhe bem dentro dos meus olhos
E diga-me de uma vez
Diga quem você é,
Aqui quanto tempo eu não vejo
Conte me teus segredos
E a sua vida como ela é
Qual será o teu desejo
Que vive sempre a se esconder,
Entre falsos abraços
E por trás dos seus beijos.
Eremita
Teu mundo
É confuso,
Com tudo
Ele é turvo
Teu mundo
É fechado
Com tudo
Ele é mudo
Teu mundo
É estranho
Com tudo
Ele estranha
Ele não se assanha
Ele já se acanha
Ele não apita
Ele não palpita
Ele faz de conta
Ele não agita.
Endecha
Passeando pelas bandas de lá,
Eu vi um arco-íris e também um larápio
Vi muita gente feliz
E tanto sorriso barato
Eu vi uma bicicleta rodando,
E uma mulher chegando mascando chiclete
Ela tinha no sorriso um flagelo
E um gelo em seu olhar que cortava feito Gillette
Eu vi a fome de perto e muitos mendigos também,
Foi quando aumentaram o meu tédio
Ver tantos cristãos ao léu
Alguns pedindo esmola e outros com a mão pro céu
Alguns cantavam de fome
E outros sorriam de dor,
Era um delírio de fome
E de muita falta de amor.