Coleção pessoal de teretavares22
O que fiz do que não fui? Continuo rodeada pela depuração das fontes, suas chuvas ensolaradas. Dando por mim que a divindade mesmo não sendo santa, continua a ser divina. Coberta de lua nascente, ouso onde nada há para retirar além do excesso de perfeição. Como dizer que era eu aquele grão de pó renascido no dorso das águas? No regresso dos ruídos, a rota úmida da cerâmica bebericando a forma, o dom de atemorizar o medo numa feitura apoiada no vento, dourada nas searas, no fluxo da terra remoçada pela explosão sem fim dos rios. Assinando-me de mim mesma.
Posso ouvir o crepitar submerso das etapas recolhidas na fagulha primitiva, no nascedouro inabitado, onde nêutrons, prótons e elétrons, sequer consintam ou se deem conta se existo antes ou depois da minha anunciação, consciência ou despedida.
Na depuração do toque moramos a afetividade, a exatidão incoerente, até nos pulverizarmos de sermos, um para o outro, nascidos.
Vem, banha-me de papiros e lírios e desertos, de Nilo Branco e Nilo Azul. Sou longínqua e persigo o sal das águas, as estrelas das mil e uma noites perfiladas no meu colo. Vela por todas as viagens que não fiz contigo. Senta-te e descansa a tua alegria na minha. Mistura-te ao meu silêncio. Faz de mim o que te falta.
Somos o leito quando um no outro adormecemos, como borboletas sem porto para pousar. Somos o brilho desses labirintos que nos sucedem. Só há leveza nesse nosso não saber das coisas.
Senti novamente as minhas mãos. Um búzio repleto de vazio. O mundo que obtive num voo maior. As minhas mãos sem ti.
Não há pensamento que possa conter a grandiosidade de uma experiência. A experiência, por si só, não deixa de ser pensamento.