Coleção pessoal de tadeumemoria
depois que eu aprendi a ser feliz, toda esta ansiedade me devora
depois que eu descobri que não sou só, sinto me tão solitário
olhava o céu sozinho como se as estrelas fossem minhas, agora olho a lua e os astros e nada me pertence; quero te contar algum segredo, mas não é mais segredo o que eu quero... segredo é a ilusão que me mantém vivo, essa coisa que grita no meu silencio; eu não tenho mais controle do meu descontrole, agora eu penso, eu tenho certeza dessa incerteza, esse cair é o que me ampara...
Foi tão rápido, as coisas aconteceram assim
como se só uma manhã...pintasse de azul, de cinza, de púrpura
as cores que eu vi passar e se eu sonhasse antes o que eu sonhara
diluiria à acidez do tempo que enruga os olhares...
sempre fiz tudo tão certo,
que perto do que eu seria se eu não fosse feliz... certamente eu não seria tão sozinho
e não estaria escrevendo poemas
crendo que a vida é um jardim com acácias, açucenas e flores de lis
parte grande do que componho vem da minha imaginaçâo, outras partes eu invento, o resto é ficção...
como quando você caminha na minha direção
o resto é verdade, acordo sozinho e tarde,
uma fresta de luz bate nos meus olhos,
faço uma oração ao meu Deus. Sei que não custa sonhar, mas custa; pés-de- galinha e cabelos brancos...
Às dezoito horas as lembranças são sempre as mais melancólicas, especialmente nos dias chuvosos quando uma neblina fria, inclinada pelo vento que bate janelas e portas, faz chorar as vidraças, deita todas as desilusões que incomodam; nesse momento parece que temos todo o tempo do mundo para relembrar as decepções. Os bambuzais vergam com o vento assim como paixões vergam nosso orgulho, são histórias tristes que as seis da tarde em dias chuvosos trazem à tona fatalidades que essas horas vazias alimentam.
Os jornais estampam de vez em quando fatalidades causadas pela paixão ou desilusões; essa noite turva contínua vai além dos seus limites e faz purgar os que perderam suas identidades, suas referências e vistos por uma vidraça são só personagens de um teatro sinistro na penumbra dessa noite. Ela dançava na chuva; tinha um grupo de amigas mais ou menos da mesma idade, todas adolescentes, inconsequentes como todos que adolescem, dançavam na chuva com a roupa colada no corpo, mostrando suas formas femininas que se acentuavam; os pingos de chuva sob a luz do poste pareciam pingos de brilhantes. É uma lembrança nostálgica que fica num quadro adornado pela saudade. O sorriso de Emily luzia naquele quarteirão; na padaria onde ela pegava o pão todas as manhãs, na quitanda onde comprava as frutas pra sua avó Giordana, na vacaria onde comprava o leite, tirado na hora, era assim que sua avó queria. Maria Eunice todas as manhãs acena do oitavo andar no condomínio em frente, faz um sinal que só ela entende, era uma senha do grupo que só elas conheciam; algo mais ou menos como: "amigas para sempre", mas havia um algo mais como promessa de fidelidade e lealdade; assim Catarina desistira do casamento ao saber que o noivo já tinha namorado com uma das amigas. Esse fato Emily menciona com frequência; num dia de febre alta delirou mencionando Catarina e Rogério: "talvez fossem muitos felizes hoje", Catarina tornara-se uma pessoa amarga, arredia, reclusa. acho que fomos longe demais com nossos pactos de juventude. A porta se abre trazendo a claridade de um relâmpago; Luis Otavio, filho único, entra salpicando a entrada; tira a capa e o capacete; Doralice o ajuda com as sacolas de compras, ela cuida de Emily e faz os trabalhos na cozinha; Auxiliadora, uma das amigas e também prima de Emily, vem sempre que possível. Luis Otavio menciona algum dano que a chuva causou na estrada, Doralice reclama na cozinha alguma dificuldade com o fogão, Otavio corre a acudi-la. Um sorriso escapa dos lábios de Emily; seu olhar está bem longe através da vidraça: um shortinho salmão de tactel e uma camiseta branca de popeline dançando sob a chuva com as amigas adolescentes e os meninos nas janelas encantados com tanta beleza; a chuva trazia a magia dessas lembranças. A voz de Doralice lhe corta os pensamentos: "seu comprimido, senhora..." e lhe estende um copo com água; a artrite a incomoda mas, Emily o toma rápida e solícita para ficar novamente só com suas lembranças; sabe que violara o pacto, mas como contar à uma quase, ou mais que irmã que Luis Otavio era filho de seu marido, Eduardo José casado com Maria Eugênia os quais foram morar na Itália; mesmo assim Maria Eugenia jamais lhe esquecera, ligava de quinze em quinze dias e jamais esquecera seu aniversário. Entre as amigas, Emily e Maria Eugênia talvez fossem as mais ligadas emocionalmente. Não fora uma traição, foi uma atração, uma paixão muito forte, um sentimento mútuo e apesar disso Emily não permitiu que Eduardo terminasse com Eugênia, assim casaram-se e foram para a Italia sem que Eduardo jamais soubesse de sua gravidez.
Lá fora a chuva parecia dar uma trégua, os sem teto da praça pareciam comemorar alguma coisa, aparecia sempre um filho de Deus para socorre-los com um copo de sopa, uma roupa, um cobertor. Emily não conseguia disfarçar sua perturbação diante dos mendigos; achava que aquela forma de ajuda-los só os deixava acomodados numa zona de conforto. Como podem se acomodar com uma vida tão miserável; certamente a droga os alienara. Otavio entra no quarto interrompendo os pensamentos de Emily: "mãe, olha, meu último poema..." Emily o olha, antes de pegar a folha datilografada, se Maria Eugênia o visse agora não precisaria explicar toda a sua história; Luís Otávio estava a cara do pai, Eduardo José quando ele tinha sua idade. Emily lê e relê o poema diante do olhar inquisitivo de Luis Otavio;"e aí mãe, gostou" "Meu filho você anda inspirado, acho que você anda lendo Cecília..." Luis Otavio amava a sensibilidade de Cecília Meireles. Na madrugada enquanto Emily revivia seu passado cheio de paixões ela escutava o toc-toc da Olivetti no quartinho de Otavio. Artrite limitara seus movimentos, mas nada segurava sua alma; o mundo. o cenário, todos os detalhes dos seus melhores anos estavam todos guardados na sua mente; a caramboleira, a mangueira da casa lilás onde Eugênia subia no muro para derrubar algumas frutas enquanto os cachorros latiam pelo lado de dentro e nos assustavam. Agora ali é um condomínio; gente bem vestida com carros modernos e raros sorrisos, que às vezes se jogam de seus andares ou resolvem seus problemas com um disparo quebrando o silencio da noite, interrompendo os sonhos e a inspiração dos que se apaixonaram e ainda amam a vida.
Emily se move numa cadeira de rodas na madrugada, cumpre a parte do pacto que lhe cabe; amar sempre com fidelidade e lealdade; lê os poemas de Luis Otavio, relê os seus. A vida não é perfeita, as pessoas não são perfeitas; amar a vida e as pessoas, esse é o sentido da vida.
Não tenho medo mais da solidão,
já enganei meu coração
que posso ser feliz sem teu amor
se as noites são vazias eu penso assim,
e penso, assim eu vivo esta ilusão.
Antes que seja tarde e acabe o mundo,
traga o olhar, a lente, a tarde, antes que seja tarde
traz o teu silencio e a razão das coisas simples
que não explicam a paixão
e assim, assim que chegue a tarde,
antes que seja tarde,
porque a paixão é translúcida,
transitória, e transita nos olhares
a procurar noites ardentes antes que seja tarde,
porque assim a vida sem essa perspectiva,
sem essa pressa que nos impõe a paixão,
porque viver já é a maior paixão
e amar nunca é tarde, tarde é morrer...
O domingo termina silencioso, como se tudo fosse um segredo e a noite lenta e enigmática me conduz às emoções mais profundas, as mais remotas, as densidades de todo sentimento e ressentimentos; chega um momento que tudo começa a se esvaziar e um buraco negro parece que ocupa todo o nosso universo interior, mas tudo deve ter um sentido; 'tudo tem um sentido'' grita um astronauta perdido nestas profundezas. é só um domingo que passa; isso pra quem não tem sensibilidade, pra quem percebe a violência se avolumando, o caos denuncia um apocalipse onde a humanidade é algoz de si mesma. descasquei uma banana, escrevi alguma coisa, mas os diálogos são sempre reticentes; o que pensam de mim não devia me perturbar tanto, mas não bloqueio essa inconveniência, nem disfarço a perturbação. algum dia vais compreender toda essa introspecção que me faz sorrir sozinho e todo o efeito desse silencio de alguns palmos e poucos minutos de espera... ah, eu não devia sonhar tanto, mas é isso que me mantém vivo, apesar de aumentar-me os pecados. "as manhãs ensolaradas têm menos brilho que a tua presença" Cecília talvez tenha algum poema com frase semelhante, mas essa é a marca legítima de um poeta romântico e anônimo; as paixões, os sonhos, os ideais me encantam; então imagino o sol caindo lentamente no horizonte, dourando nuvens esparsas num outono qualquer, alguém confidencia: "eu te amo". Deve ter acontecido muitas vezes, e muitas vezes ainda acontecerão; mas a mais bela das confissões fica presa num silencio obtuso, impressa num olhar piegas e insistente; pode parecer paradoxal, mas num mundo de zumbis também existiam anjos; e, a partir das quatro da tarde todos que passam em direção à praia, vão à cracolândia; era o que se passava na minha cabeça, e desde então o número de pedintes aumentava consideravelmente. A senhora com a camisa do mais querido do Brasil foi chegando, falando com as pessoas coisas que eu não ouvia com exatidão, mas já imaginava, era mais uma entre os pedintes que apareciam naquele horário; não tinha aspectos assustadores, mas só o fato de pedir já assustava, principalmente naquele horário. Falei-lhe em espanhol na tentativa de não ser compreendido para me livrar daquela inconveniência; ela respondeu e continuou falando em espanhol; me disse que era professora de história, e geografia, mas que tinha se contaminado com as drogas e então vivia daquele jeito. Falei-lhe de Deus, da Bíblia, dos preceitos cristãos; mas aquilo só detonava o que eu pudesse ter de esperança na humanidade; se as girafas que eu via na Quinta da Boa vista tivessem um pouco de sensibilidade, provavelmente elas se enforcariam, mas onde encontrar cordas e árvores resistentes para suportar o peso de uma girafa; e os ele
fantes... os elefantes jogar-se-iam do cristo redentor. Jocasta na varanda do nono andar, certamente contemplaria os moinhos de vento em Amsterdam, nem sei se seu nome é Jocasta, assim a chamo, porque de Jó ela nada tem, e casta ela não é; e como alguém de um condomínio em Belford Roxo contemplaria as flores de Amsterdã, só alguém muito distante, Jocasta; isso se ela não estivesse pensando em... meu Deus, melhor nem conjecturar essa hipótese. O "Dia" se encarregou da manchete: "jovem de 19 anos voa pra morte".
A segunda-feira chega lenta, consigo um poema e ainda sonho. Vejo a professora de história na escola onde o meu netinho leciona; parece que nem tudo está perdido, nem tudo está perdido; mas temos muito o que se procurar, temos muito o que se procurar dentro do que temos noção do que se tem de fazer e do que ainda não temos noção do que se deve ser feito. mas entre os folhetins, entre uma e outra viagem espacial, entre novelas que vão e vem, e renovam amores e remexem as saudades, descobertas, epidemias, pandemias; aparece esse feeling que ainda não tem rótulo, mas nos deixa alados e sonhamos, sonhamos, sonhamos... até que chega a nave... percebo a libélula, um alien assustador... eu tenho medo.
Perceber ausências...
de repente o mundo tão bonito,
não é tão bonito,
ausentes entes que se foram,
entes que partiram,
entes que não viram a lua vermelha,
o eclipse, o cometa, o apocalipse;
lhes beijo as faces em face do que posso,
eu posso amar o mundo e possuir mulheres,
que queres de mim...
se eu fosse alguma coisa, eu seria o óbvio,
óbvio é amar o que eu fosse,
se eu não fosse o lago a acolher libélulas,
mas elas não sabem... perceber ausências,
as tardes são mais longas do que eram antes...
antes que eu me esqueça,
como eu tenho me esquecido,
como eu esqueço de mim, esqueça.
entra pelas minhas narinas,
motivo de rimas lindas, carnificinas
e antes de mais nada, nada
sonho tanto com quase nada,
um guaraná, uma empada, o azul do céu,
satélites, andorinhas,estrelas, meteoros
misseis antas espaciais; porcos neons
o azul é o nada; e do passado a namorada
de tudo o que eu sabia;
um dia meu olhar se encontrará sozinho
a contemplar a estrela que é só uma ilusão mais nada,
assim como teus seios rijos
a espetar o ser latente na essência deste velho,
e o que é verdade entre o fogo e a água;
entre o que se bebe e o que se derrama,
nada se explica assim com tanta exatidão
que a ilusão se despe
e só nos resta a lógica fria e óbvia do nada
você é tão linda,
espero que um dia você perceba
essa beleza que vai muito além do reflexo do espelho,
e que as dificuldades da vida
não te façam uma escrava de si mesma
Diante da fera eu contemplo a grandeza de Deus, e algo me diz que essa criatura só quer me proteger da alcateia de "ovelhas".
Sempre digo pra mim mesmo
que não é fácil ter setenta anos anos
meus documentos não dizem que eu tenho setenta anos...
mas quando eu tinha trinta eu já imaginava isso,
as lembranças pesam, as saudades machucam,
acho que já tenho oitenta; olhando adolescentes de hoje
penso que já nasci adulto, eu não fazia muito barulho,
eu não achava tudo engraçado, eu me encantava com as manhãs,
com o céu azul e as colinas, eu gostava de pensar,
não nas coisas que os adultos de hoje pensam,
talvez eu não seja normal, penso que já tenho cinco séculos...
quem normal pensaria que é eterno, quem normal pensaria que é Deus
O passado o que é o passado, as manhã são as mesmas,
as quitandas adornadas por tangerinas,
alfaces nas feiras livres, uma ilusão green peace,
e as mulheres são felizes, por mais oprimidas,
as mulheres são felizes,
Deus lhes deu todos os poderes,
o amor a paixão, e a mão que lhes bate a cara, terá a maldição
sabes o que é ilusão... nunca lhes diga não,
elas são donas de tudo, elas povoam o mundo,
e pensam que são carentes, mas o que adentra suas entranhas,
germina como em solo fecundo, as mulheres são lindas,
são elas que fazem o amor, só somos matéria prima
É hora dos anjos dormirem,
não se preocupem com as rugas
que eficaz o tempo risca,
não se preocupem com as tribos,
com as queimadas, os seres da floresta;
a Amazônia renasce silenciosa e tranquila,
e os vultos sinistros que chacoalham a terra
e envenenam as águas, queimam e desmatam...
os demônios ganharão seus infernos
as forças divinas comandam a natureza
e os olhos de Deus orbitam no firmamento
é hora dos anjos dormirem
ninguém se oculta sob a luz da aurora
não sabes o que é o mundo
onde termina o horizonte começa a ansiedade
e a cidade é um monstro consumindo tua presença
não sei o que quero , mas tua ausência só me diz:
não sabes o que é o mundo...
e eu sei, pelo menos até saber-te perto
então transito, assim como se fosse tudo tão bonito
mas a brisa só deixa teu perfume a me dizer
não sabes o que é o mundo...
eu não sei