Coleção pessoal de solitaria543
Mudo Tudo
Abrigo-me de ti
de mim não sei
há dias em que fujo
e que me evado
há horas em que a raiva
não sequei
nem a inveja rasguei
ou a desfaço
Há dias em que nego
e outros onde nasço
há dias só de fogo
e outros tão rasgados
Aqueles onde habito com tantos
dias vagos.
CHOVE!
Chove...
Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?
Chove...
Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.
Casamento
Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como “este foi difícil”
“prateou no ar dando rabanadas”
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.
POEMA DA SOLIDÃO
Serei tão secreta
como o tecido da água
e tão leve
e tão através de mim deixando passar
toda a paisagem
e todo o alheio pecado
do gesto, da presença ou da palavra
que logo que a tua mão me prenda
me não acharás:
serei de água
Sentinela do Tempo
Sentinela do tempo,
Vigio o teu corpo
Adormecido
E aguardo por ti
À esquina da aurora
Plena de vida
Para partilhar
Mais que a boca
Beijam-me os teus olhos
Na lisura da manhã
Mais que o corpo
Afagam-me os teus dedos
Sob a coberta de lã
E sem palavras ardemos
Carne, sangue e beijos
Com sabor de hortelã
Apagar-me
Apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até que depois
de mim
de nós
de tudo
não reste mais
que o charme.
O que não escrevi, calou-me.
O que não fiz, partiu-me.
O que não senti, doeu-se.
O que não vivi, morreu-se.
O que adiei, adeu-se.
Não quero guerra nem paz
nem saber se há céu, mar,
terra, flores, ar
passarinhos, outros bichinhos.
Não vou lembrar de safados
de honestos, dos modestos,
dos cometas dos planetas
dos continentes
de idiomas diferentes
hoje eu quero o vazio
o nu.
que importa o vento
o frio ou o calor
quero o nada.
Nem sonhos
menos ainda realizações
nem fastio me atrai.
candura, ardil
frescura ou secura
tanto faz,
não quero.
Eu não quero existir
sentir.
Não estou a fugir
só não quero
nem fingir.
Me dispo de tudo,
esvazio.
Que importa a poluição
a má intenção
que interessa a solidariedade
o rancor, o amor?
Fico parada, sem pensamento
nem que seja por um momento
não quero saber de nada.
Quando eu partir,não chore
lembre que o vento de minhas palavras
em algum momento perfumou teu caminho
Porque eu falo de amor,e amor é cheiroso
Quando eu partir,sinta somente
Aquela saudade pulsante dos momentos mais doces
Acredite que nada fiz para magoar
Sonhe comigo,e se pergunte sobre distancia
Não sofra,afinal aprendizado começa com perdas
Em todos os instantes estaremos juntos
Não é preciso corpo para que sentimento aconteça
Minha alma ainda respira poesia
E meu coração sempre sera criança
O mundo é minha casa,e amor ainda é meu nome.
Tal e Qual
Pinta-me, como sou: Ligeiramente louca!...
Mas, não esqueças de delinear
um amargo sorriso em minha boca!
O meu olhar, bem sabes, é tristonho!
Mesmo assim, não te omitas em traçar
na minha face, a expressão do sonho!
Fotografa-me, pois, sem alvoroço!
Quero ser copiada, fielmente.
Sem qualquer artifício. Em carne e osso!
Não sejas pródigo ao pintar-me o rosto.
Em meu semblante, tornes transparente
a marca do prazer; e o traço do desgosto!
Se me retratas como "borboleta",
devo avisar-te: Sou inconseqüente.
Meu coração, tem porta e maçaneta!
as, se queres entrar, - A casa é tua!
Pinta-me, então, apaixonadamente!...
Tal qual eu sou: Mulher! Vestida... Ou nua!
Se mais e mais, eu me apego
aos costumes do teu ser...
Se me afagas com doçura,
e me fazes reviver...
Eu me derreto em ternura...
E sem reservas, me entrego!
Sinto a alma, leve... pura...
quando em teu mar, eu navego!
"Uns olhos que me olharam com demora,
não sei se por amor se por caridade,
fizeram-me pensar na morte,
e na saudade que eu sentiria
se morresse agora."
(...)
("Saudades da terra ", de
O Tempo Passa? Não Passa
O tempo passa? Não passa
no abismo do coração.
Lá dentro, perdura a graça
do amor, florindo em canção.
O tempo nos aproxima
cada vez mais, nos reduz
a um só verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.
Não há tempo consumido
nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
de amor e tempo de amar.
O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.
São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer toda a hora.
E nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama
escutou o apelo da eternidade.
SAUDADE
na solidão na penumbra do amanhecer.
Via você na noite, nas estrelas, nos planetas,
nos mares, no brilho do sol e no anoitecer.
Via você no ontem, no hoje, no amanhã...
Mas não via você no momento.
Que saudade...
Amor Ausente
Envolve-me amorosamente
Na cadeia de teus braços
Como naquela tardinha...
Não tardes, amor ausente;
Tem pena da minha mágoa,
Vida minha!
Vai a penumbra desabrochando
Na alcova
Aonde estou aguardando
A tua vinda...
Não tardes, amor ausente!
Anoitece. O dia finda...
E as rosas desfalecendo
Vão caindo e murmurando:
– Queremos que Ele nos pise!
Mas, quando vem Ele, quando?...
Amor da palavra, amor do corpo
A nudez da palavra que te despe.
Que treme, esquiva.
Com os olhos dela te quero ver,
que não te vejo.
Boca na boca através de que boca
posso eu abrir-te e ver-te?
É meu receio que escreve e não o gosto
do sol de ver-te?
Todo o espaço dou ao espelho vivo
e do vazio te escuto.
Silêncio de vertigem, pausa, côncavo
de onde nasces, morres, brilhas, branca?
És palavra ou és corpo unido em nada?
É de mim que nasces ou do mundo solta?
Amorosa confusão, te perco e te acho,
à beira de nasceres tua boca toco
e o beijo é já perder-te.
Pensava que aqui vinha
espreitar o mar.
Descobri que venho apenas
para falar contigo,
para te olhar,
sentir e abraçar.
O mar e o céu unem-se
não em azul infinito
mas em cor de prata cinzenta.
Tu és uma dança de gaivota
uma brisa de vento em liberdade
és um aceno de fantasia
que me cativa o olhar.
Mar de estrelas
infinito constelado
e eu contigo a meu lado
homem
e nú
sedento como areia
num deserto
E a tua água tão perto
É pele
carne
aroma
e sabe-me a ti
És tu
na interioridade
da memória
a viver neste corpo
sem amor
a própria história
Porque me olhas
Porque me olhas
Voo sem medo
Por lugares que não sei
Ouso a altura
Nos teus braços
Meus miradouros do mundo
Meus caminhos de ir e vir
Meus Sítios de estar e de ser
Cinza e labareda
Flor, pó e pedra
E esta fome de distância
Esta sede de chegar
Ao âmago de ti.
Onde queres o negro da noite
Estojo das mais belas estrelas?
E o meu olhar a arder
Como lembrança de outros voos?
Diz-me de que fonte é a água
e o céu que te apetecem.