Coleção pessoal de SandraBoveto

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Se o calor humano está ausente,
abra uma ducha bem quente.
Depois crie coragem e feche.
O planeta agradece.

No calendário da vaidade,
sou eternidade.
No calendário do universo,
sou segundo
e verso.

enquanto carta no baralho
vou tentando quebrar um galho
confundo alho com bugalho
procuro e erro o atalho
escondo cabelo grisalho
faço do ego um chocalho
lavo com lágrimas o assoalho
talho versos em cascalho
e resisto feito carvalho

Você já resistiu tanto!
Já sabe como é, então, resista mais um pouco.
E quando não aguentar mais, é só resistir de novo.

Não jogue tudo fora,
pois o vazio enche
e pesa.

Paciência é uma coisa linda! Por isso, as pessoas testam você, sabia?
Para que o mundo fique mais belo.

(...) você não está acima do mal ou do bem.
Defeso, ileso?
Não.
Apenas preso
ao que te convém.

Não bastava me atirar no tubo de ensaio,
precisava acender o bico de Bunsen?

Minha vida precisa ser vivida de novo.
Quem se habilita?

Esse nó a nós não me ata.
Desata-me e serei nós.

Estou no meio deste “sei lá”.
O que é o “sei lá”?
Ah, ele se resume a ummundodentrodeummundo...
ainda se fosse omundodentrodomundo, o conceito seria mais fácil de explicar
ou, pelo menos, de entender.
Mas sei lá...
Isto é meio que bom: o não saber.
Não, não... eu me enganei. Isso é ruim!
Ou, talvez, sei lá!
Só sei que, depois que sair desse mundo, vou pra outro ainda sem saber explicar o “sei lá”.
O outro mundo?
Ah, sei lá!

Experiências de vida atestam que alta concentração de presunção em O2 provoca saturação de contradição em CO2.

Acho que preciso de prosa,
ainda que seja com versos.

A gota sai e faz caminho,
caminha somente
e some antes de cair.
Não, essa gota não cai,
esvai-se,
sublime.
Gota feita de mistério,
de matéria sem lei.

O "conceito" dentro do preconceito não é conceito, é peça de museu antropológico sociocultural, sujeito a observação e estudo, e não a uso.

O indicativo ausente é vazio infinitivo. Antes imperativo fosse a eventual subjuntivo.

À LUCIDEZ

Dentro de mim há um enigma.
Olho para fora, busco a cura.
Não resisto, quero a loucura,
essa que cura, loucura benigna.
Pois quando louca, sinto-me sã,
salva da lucidez que me enlouquece,
dessa lucidez que me adoece.
Quero a loucura cega, surda e vã.
Sim, vã! Pois o que faz sentido maltrata.
O significativo não mais me arrebata.
Vou-me ajustar a essa vida insana.
Não resisto! Tiraram-me a gana!
...
Não, não é isso! Fui leviana!
Quero a lucidez, a mais cara loucura.
Volto à lucidez e me entrego à tortura.
Que doa, que maltrate ou que me mate,
mas confio à lucidez o meu resgate.

O desafio não é mais escrever isso ou aquilo.
O desafio é viver o que se escreve
ou aquilo que quer ser escrito.
Há um desejo que pede,
anseia,
esperneia,
exigindo registro.
É desafio da vida
que busca a fenda,
a réstia,
a luz,
a brecha de mim escondida.
O braço se estica, mas não alcança a chave
que está lá... lá... bem lá...
presa no cinto do carcereiro.
E, a cada noite, o dia vira morte não escrita.
Aí dentro, aqui dentro,
você se cansa da espera.
Eu sei que se cansa.
Vejo seu cansaço fechando o portão,
a porta, a janela.
Mas não quero ver a chama que me chama
ceder à gota d’água,
aquela que trará nuvens de cinzas.

Um desejo me aperta a garganta
arfando, eu vivo os dias
ar falta ao peito
arquejo
no ar.
Escrevo o aperto de um tempo
suando, aperto a caneta
a letra rejeito
ar vejo
no bar.

Depressão não me cata,
mas repressão me mata.