Coleção pessoal de rodriguesnutshell
crisálida;
fui silêncio,
mas as palavras me transbordaram.
fui abrigo,
mas ninguém ficou para a reconstrução.
me despedi de quem fui,
carregando cicatrizes como mapas,
navegando por mares de arrependimento,
com velas feitas de culpa.
enterrei meu velho eu
como quem planta uma dúvida.
e esperei.
esperei que asas brotassem
onde antes havia correntes.
mas a metamorfose é lenta,
e no casulo do tempo,
a dor é a primeira a nascer.
sou pó de memórias,
sou o eco de antigas promessas,
sou a espera do que ainda pode ser.
e se um dia eu voar,
que o vento me leve
sem medo de cair.
o que me resta;
a indiferença que carrego,
silêncio gélido,
tem o hábito de
atrofiar qualquer traço
de compaixão.
a dor que carrego,
raiva em brasa,
tem o dom de
rasgar em fúria
meu bom senso.
o amor que carrego,
feito saudade,
tem o costume de
virar poesia
e fugir de mim.
e eu, que me carrego,
vazio e eco,
tenho a sina de
me perder em tudo
e não sobrar em nada.
Cantiga para não morrer
Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.
Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.
Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.
E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.
em pedaços;
fui porto,
mas ninguém ancorou.
agora sou náufrago,
esperando o resgate.
fui abrigo,
mas ninguém ficou.
agora sou céu aberto,
esperando a chuva vir.
fui caminho,
mas ninguém seguiu.
agora sou mata,
esperando o machado.
fui voz,
mas ninguém ouviu.
agora sou eco,
esperando um nome.
fui céu,
mas recaí em tempestade.
agora sou nuvem dispersa,
esperando o sol.
fui raiz,
mas o tempo me arrancou.
agora sou semente,
esperando brotar de novo.
fui página em branco,
mas me escreveram em versos que não eram meus.
agora sou livro fechado,
esperando ser reescrito.
e agora, sou nada...
e o nada sou eu
na espera de ser.
ninguém;
fui porto,
mas ninguém ancorou.
fui abrigo,
mas ninguém ficou.
fui caminho,
mas ninguém seguiu.
fui voz,
mas ninguém ouviu.
agora sou só silêncio,
esperando me tornar outra coisa.
equilíbrio;
gosto de me imaginar em paz,
mas não há paz antes da guerra.
gosto de me imaginar feliz,
mas não há felicidade sem tristeza.
gosto de me imaginar acompanhado,
mas não há companhia sem solidão.
gosto de me imaginar completo,
mas não há completude se, uma hora, faltar algo.
e diante de tantas coisas,
estou guerreando,
estou triste,
estou só,
estou faltando.
um dia, talvez, eu estarei:
em paz,
feliz,
acompanhado,
completo.
mas até lá,
vou aprender a lidar com os dias difíceis,
a abraçar o que me falta
e a esperar o que ainda virá.
metamorfoses;
com você, eu que nunca soube fazer poema,
tornei-me poesia.
eu que nunca fui de viajar,
virei a estrada.
eu que nunca fui de sorrir,
virei palhaço.
eu que nunca fui de me apegar,
virei amor.
mas...
eu que nunca fui de chorar,
virei um rio.
eu que nunca fui de sentir saudades,
virei lembrança.
eu que nunca…
me encontrei,
virei você.
e agora,
eu que nunca fui de me calar,
virei silêncio.
bifurcações
ao seu lado, trilhei essa estrada,
repleta de curvas e incertezas.
andamos de mãos dadas,
sem pressa, sem medo.
mas no fim, a trilha se parte,
abre-se em dois destinos,
duas direções, dois mundos:
um de pedra, outro de grama.
soltamos as mãos sem despedida,
e seguimos, sozinhos,
rumo ao desconhecido.
talvez, um dia, os caminhos se cruzem.
ou talvez se afastem para sempre.
resta-me apenas seguir—
passo após passo,
sem saber o que virá.
trauma;
o que passou
deixou noites em claro
ódio, raiva —
como isso faria alguém mais forte?
não, só me deixou pior
sentimentos que não escolhi
fermentando em mim,
hoje me assombram
como maus presságios
o que me fez mais forte
foi me arrastar para longe,
rastejar até o último pingo de felicidade
que me restou
e esse mesmo pingo
todos julgam como erro,
como maldade —
como me fortalecer
se estou cercado por traições?
caminhos quebrados;
acho até que perdi
o meu caminho,
eu conheço essas árvores,
esse caminho de vidro,
que se estilhaça
sob meus pés cansados
pensei que caminharia
para frente,
mas me encontro
andando em círculos.
não quero voltar,
repito ciclos
sonho alto,
fico no chão.
onde estão as asas
que me prometeram
quando eu era
criança?
procurei em sonhos
mas encontrei em correntes
nas sombras de quem sou.
onde foi minha liberdade?
se estou preso
em mim.
(re)nascimento;
os erros que cometi,
as pessoas que machuquei
por que?
ser uma boa pessoa pra uns
quebra outros?
poderemos viver em paz?
aguentaremos o peso?
de sermos mal vistos?
incompreendidos?
seguir um novo caminho,
andar numa nova estrada.
significa deixar a estrada
que você conhece tão bem
pra trás.
matar o seu antigo eu,
e nascer de novo.
esse eu meu enterrado,
pisava em cacos de vidro,
caminhava em círculos,
afundava em velhas culpas.
enquanto meu novo eu
rasga seu fétido casulo
na esperança de ter asas
e que essas asas carreguem
o peso de quem já fui
enterrando o que fui,
vejo minha própria lápide,
os amigos que perdi,
jamais virão me visitar.
armazenando lembranças;
passou-se o momento
de colocar tudo que me lembra você
na caixa de sapatos do esquecimento
e enfia-lá no fundinho escuro
do meu guarda-roupas.
só por tempo suficiente
para eu esquecer
essas memórias.
quando decidir organizar
as minhas coisas,
abrirei a caixa,
reviver cada fragmento,
cada riso, cada dor.
decidir se te dou
ou se te jogo fora,
pois você não pode morar
aí pra sempre.
talvez, um dia, eu consiga
libertar essas lembranças
e deixar que o espaço
se encha de novas histórias.
ensinamentos do céu;
algumas coisas na vida
nos machucam,
mas ensinam a viver.
se algo ou alguém
te feriu, observe o céu.
de dia, veja que o sol
brilha de novo
a cada amanhecer.
de noite, a lua,
apesar de suas fases,
sempre cresce.
reticências;
algum dia, em um supermercado,
vamos nos encontrar,
eu escolhendo um vinho,
e você, frutas.
comentaremos sobre a vida,
sobre como tudo mudou com o tempo,
como éramos imaturos,
e as chances que perdemos.
te olharei com um olhar triste
e um sorriso meia-boca,
feliz em saber que você está bem,
mas direi que preciso ir,
enquanto olho para baixo,
para o meu carrinho.
personificaremos reticências,
eternas reticências.
pra sempre...
...
ódio;
quero brigar.
te nocautear com um abraço,
te cobrir de porradas de amor,
quebrar tuas costelas com cócegas,
rasgar tua pele com carinhos,
te asfixiar com um beijo,
te matar de afeto.
eu te odeio.
erros;
bastou um olhar e me vi preso
neste espelho ocular que banhei em lágrimas.
malditos olhos.
em frações de segundo, vi tudo que fiz.
a única coisa que não queria
era ver, em seus olhos, a minha imagem.
um sorriso amarelo, uma despedida,
mergulhado em remorso,
um lembrete de que eu erro.
queria gritar; gritei, por dentro.
queria chorar; chorei, por dentro.
queria morrer.
morri, por dentro.
para nunca mais nascer de novo.
paradoxo do simples;
as coisas mais simples da vida
são, de fato, as mais bonitas,
as extraordinárias, as mais desejadas:
um beijo, um abraço, uma gentileza,
saudade, vontade, lembrança.
e na ironia do cotidiano,
em cada ato, uma complexidade infinita:
um beijo, onde dançam duas mentes,
extremamente complexas e às vezes bagunçadas,
atraídas, unidas pelos lábios.
num suave abraço,
um universo se revela:
o conforto que cria a música,
um cenário onde tudo se encaixa.
e a saudade?
ela exige a angústia de um tempo ruim,
para que possamos valorizar
o brilho dos momentos bons,
e assim, sua ausência ecoa em nós.
que possamos dar valor
às coisas simples da vida,
sem ignorar sua absurda complexidade,
pois é nela que reside a beleza,
na dança sutil entre o simples e o profundo.
noite negra;
a lua me trazia amor, conexão.
marcado em minha pele, como você em minha mente.
depois me trouxe tristeza, melancolia.
marcado em minha pele, como você em minha dor.
hoje não me trouxe nada.
marcado em minha pele, como você em meu passado.
minha lua foi embora assim como você.