Coleção pessoal de RMCardoso
MAL DE AMOR
O que tende a ser
O mal de amor? -
Senão agros sintomas
Que se agregam aos sentimentos
Ou danos oriundos
De afetos corroídos;
Senão a inquietude
Que no peito se aloja
Ou a degeneração
De promessas formuladas;
Senão a eternidade
Em cada instante de espera
Ou rastros de lágrimas
Na face de alguém
Que nutriu uma quimera!...
TROVA - 161
Do beijinho adocicado
Que me deste, ó coisa louca,
O sabor ficou grudado
Bem no céu da minha boca!...
TROVA - 160
Ah! O amor se vai mas deixa
(Isto é realidade),
Quando não é uma queixa,
Deixa n'alma uma saudade!...
QUADRAS DA PRIMAVERA
Vibram sonhos e canções
Nas rimas do trovador
E pulsam as sensações
Da reinvenção do amor!
Brota n'alma a esperança -
E nas manhãs, a alegria.
É primavera, é bonança
Irrigando a poesia!
E tudo sorri e canta
Na cidade ou no sertão.
Belo cenário que espanta
Os males do coração!
Lindas flores, brisa doce...
Ó gente, como eu quisera,
Que na vida sempre fosse
Só tempo de primavera!...
DEMOLIÇÃO
O gume
das palavras
floresce
e frutifica
na garganta
do ferir...
Oh!
tosca
e agreste
evidência
do dom
de demolir!...
RESTOS DE TARDE
Cerram-se,
lentamente,
as cortinas
do dia;
do sol -
o fogo
já
não
arde!
Enquanto
lavro
um
poema,
a angústia
se distrai
mascando
os restos
da tarde!...
Natureza e poesia
Por caminhos bem diversos
Cantando, tecendo versos
Me abasteço de harmonia.
Posso não ser bom poeta,
Mas minh'arte predileta
É semear poesia.
Canto o passado, o presente
E sigo sempre contente
Elaborando o porvir.
Canto a aura cristalina,
A beleza feminina,
Tudo o que me faz seguir.
Amo o timbre tão suave
Do gorjeio de uma ave;
Do sol canto o resplendor!
Canto toda a natureza
De onde emana a grandeza
Do poeta Criador.
HORAS CALADAS
Na rota
da noite
transita
o mistério
das horas
caladas...
Fria,
boceja
a brisa -
e, entre
ideias
avulsas,
pulsa
a poesia!...
SEGREDO
Entre
o obvio
e o enigmático,
é
essencial
que se entenda
que o amor
é
segredo
que só
o coração
desvenda!...
CLÍMAX
São fagulhas e lampejos
De uma sedução tão louca,
Quando me dás os teus beijos,
Quando sugo a tua boca.
Nossos corpos, tão famintos,
Se alimentam de carícias
E desvendam labirintos
De volúpias e malícias.
Artimanha e artifício -
Apetrechos do exercício
Desse amor sem obstáculo.
Nossas carnes, indefesas,
Imergem nas profundezas
Do clímax desse espetáculo!...
CAOS
Ante
a vigência
do cinismo
(raio x
dos nossos
dias),
mergulhamos
no caos
e - aos poucos -
degeneramos
na escuridão
do abismo!...
DESCRENTE
Há quem, sem sonho e sem paz,
Siga os caprichos da vida
Com alma desiludida
E sem crer em nada mais!
E carregue o seu tormento
Sem pensar em novo dia,
Se esquivando da alegria,
Abraçando o sofrimento!
E, conduzindo adiante
O viver tão infecundo,
Talvez almeje que o mundo
Desabe a qualquer instante!...
SEM RESPOSTA
Não me perguntem
Sobre alegorias...
Cores... festas...
Metáforas de luz!
Não me perguntem
Sobre exultações...
Risos... volúpias...
Frenéticas folias!...
Meu verso não responde,
Meu verso não o sabe.
A fome, a miséria e a violência
Prosperam, cada vez mais,
Desativando o cenário
De quaisquer euforias
PRISIONEIRO
A noite já não me assusta
Com seu vestido de ébano
Nem me assombram as vozes
Que emergem do invisível...
Houve um tempo
(Há muito tempo)
Em que a noite
Era um segredo -
E eu, prisioneiro
Das sensações do medo!...
CENÁRIO DE AMOR
Teus braços - rubro sol a esplandecer -
Quando me envolvem plenamente assim,
Sinto minh'alma toda se aquecer
E a solidão se afugentar de mim.
Instala-se a alegria em meu viver,
É cenário de amor que não tem fim,
É luz tomando conta do meu ser,
É poesia, é festa e brilho, enfim.
Em cada doce beijo que me dás,
Arde uma chama qual uma fogueira
E a ansiedade ferve ainda mais...
O desejo se apossa de nós dois,
Sinto despir-se a tua alma inteira -
E nada mais se deixa p'ra depois!...
R.M. Cardoso
MADRUGADAS
Dos olhos
do poeta
escorrem
madrugadas
encharcadas
de angústia...
ecoa
uma
queixa
nos caminhos
do crepúsculo!...