Coleção pessoal de RMCardoso
VERSOS D'ALMA
Se queres ouvir de alguém
O canto de amarga queixa,
Ouve em silêncio e deixa
Que a alma ouça também.
Se queres ouvir os ais,
Ouve em silêncio agora,
Que o sentimento vigora
Nos versos que a alma faz.
Por certo, no mesmo instante,
Verás que é angustiante
E incômodo o tormento!
E, pela primeira vez,
Hás de traduzir, talvez,
Um querer... um sentimento!...
TROVA - 163
O mundo é escola, sim,
Eis um dito relevante!
Mas reprovará, enfim,
Quem não for bom estudante.
PONDERANDO
Honestidade
e harmonia
entre
os poderes,
não
me engano:
Agulha
no meio
do palheiro
e alfinete
no fundo
do oceano.
INFALÍVEL
Alguns
versos
meio
tristes
que minh'alma
rabiscou
na lousa
do sentimento,
com
sua
esponja
infalível
o tempo
apagou!...
INCÓGNITA
A remoer ressentimentos,
Subia, incerto e só,
Intermináveis ladeiras
De uma estrada sombria!
Encharcado de angústias,
Roendo as unhas do tempo,
Sentindo o bafo do vento,
Passo a passo, prosseguia.
Cantava mil queixas -
E quem para ouvi-las,
Senão velhas pedras,
Inertes, tranquilas?
Dentro da mente
(Ainda sã)
Levava a incógnita
Do amanhã.
EXTASIADO
Muitas vezes não entendo
O querer extasiado
Que não deixa sossegado
Quem, ao certo, está sofrendo.
Quem, sonhando, vai vivendo
Em penumbras mergulhado,
Qual poeta alucinado
Versos loucos escrevendo.
Mas em ti não antevejo
Prosperar nenhum lampejo
Que ilumine a minha estrada.
A ansiedade tortura,
É tamanha esta loucura!
A esperança... quase nada!...
CONVERSANDO COM AS PEDRAS
Pelos
caminhos
que trilho
tenho
o estranho
hábito
de conversar
com
as pedras
e - penso -
cada
uma
delas
me escuta
e me entende
no mistério
do seu
silêncio.
INUNDAÇÃO
Dilúvio
de silêncio
inunda
a madrugada...
Restos
de lembranças
flutuam
na escuridão...
Afogam-se
ideias,
pensamento,
inspiração!...
INSONE
Da boca
da noite
vinha
um
bafo
de outono.
Nos braços
do poema
gemia
uma
lembrança! -
E eu,
sem
sono!...
MENSTRUAÇÃO
Lentamente
a escorrer
da menstruação
das nuvens
eu
via
o níveo
sangue
no dorso
do alvorecer.
SONHAR CONTIGO
Sonhar contigo?
Hei sonhado
Qual nunca houvera!
Sou inverno
A buscar a primavera...
Ah!...
Este sonho oceano
Em que navega o meu viver!
Este sonho, afinal,
É o que há de real
No universo do meu ser.
POETA E SERESTEIRO
Há
um
etéreo
encanto
em
teu
olhar
de luar!
Deixa-me
ser
teu
poeta
ou
(quem
sabe)
seresteiro,
para
entoar
cantigas
que propaguem
o meu
sonhar!...
ENCANTOS E DESENCANTOS
De minha janela,
Crianças vejo brincando
Tagarelas e festivas!
Adultos vão passando:
Uns se cumprimentam,
Outros, no entanto,
ignoram-se, apenas.
E a vida prossegue
Tecendo seu espetáculo
de encantos e desencantos.
GLORIFICAÇÃO
Decerto, nenhum tormento
Há de vicejar em vão.
Tudo vem no seu momento,
Tudo tem uma razão.
Pelas mãos do sofrimento
É que vem a reflexão.
Quanto, quanto ensinamento
É oriundo da aflição!
Inútil desesperar,
Maldizer o mundo, a vida,
Se outro dia há de raiar!
E - na manhã colorida -
Há de se glorificar
Toda a dor que foi sentida!...
TROVA - 162
Seu encanto é feito ímã
Atraindo para o beijo,
Quando ela se aproxima
Gruda nela o meu desejo!...
DISTONIA
Desabitado
de sonhos
e otimismo,
desligado
da vida
e de tudo,
circundado
de ruínas,
inerte,
apodrecia
enclausurado
no ostracismo.
LAGO
Há
pranto
que n'alma
escorre
(feito
sangue
nas veias),
e torna-se
imenso
lago,
em
cujas
águas
afogam-se
mágoas!...