Coleção pessoal de rafaeladavid
Tentei descobrir na alma alguma coisa mais profunda do que não saber nada sobre as coisas profundas.
Consegui não descobrir.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas
mais que a dos mísseis.
Tenho em mim
esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância
de ser feliz por isso.
Meu quintal
É maior do que o mundo.
Tudo, aliás, é a ponta de um mistério, inclusive os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece há um milagre que não estamos vendo.
O gênio, o crime e a loucura, provêm, por igual, de uma anormalidade; representam, de diferentes maneiras, uma inadaptabilidade ao meio.
A psicologia nunca poderá dizer a verdade sobre a loucura, pois é a loucura que detém a verdade da psicologia.
O homem que pretende ser sempre coerente no seu pensamento e nas suas decisões morais ou é uma múmia ambulante ou, se não conseguiu sufocar toda a sua vitalidade, um mono maníaco fanático.
Quanto a meus erros, lembre que meu amor imperfeito era minha declaração mais pura, meu mais sincero ofertório.
Ao lhe submeter os meus defeitos, juntamente com minhas virtudes, eu lhe oferecia o que realmente era. Você só poderia me ter por completo se tivesse meus entraves,
mas um dia eu ainda seria melhor para que você percorresse meus jardins sem qualquer pedra ou sobressalto.
"Para me refazer volto ao meu estado de fresca realidade, mal existo e se existo é com delicado cuidado."
AFINIDADE
A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil,
delicado e penetrante dos sentimentos.
E o mais independente.
Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos,
as distâncias, as impossibilidades.
Quando há afinidade, qualquer reencontro
retoma a relação, o diálogo, a conversa, o afeto
no exato ponto em que foi interrompido.
Afinidade é não haver tempo mediando a vida.
É uma vitória do adivinhado sobre o real.
Do subjetivo para o objetivo.
Do permanente sobre o passageiro.
Do básico sobre o superficial.
Ter afinidade é muito raro.
Mas quando existe não precisa de códigos
verbais para se manifestar.
Existia antes do conhecimento,
irradia durante e permanece depois que
as pessoas deixaram de estar juntas.
O que você tem dificuldade de expressar
a um não afim, sai simples e claro diante
de alguém com quem você tem afinidade.
Afinidade é ficar longe pensando parecido a
respeito dos mesmos fatos que impressionam comovem ou mobilizam.
É ficar conversando sem trocar palavras.
É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento...
Afinidade é sentir com. Nem sentir contra,
nem sentir para, nem sentir por.
Quanta gente ama loucamente,
mas sente contra o ser amado.
Quantos amam e sentem para o ser amado,
não para eles próprios.
Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo.
É olhar e perceber.
É mais calar do que falar, ou, quando falar,
jamais explicar: apenas afirmar.
Afinidade é jamais sentir por.
Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo.
Mas quem sente com, avalia sem se contaminar.
Compreende sem ocupar o lugar do outro.
Aceita para poder questionar.
Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar.
Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças.
É conversar no silêncio, tanto das possibilidades exercidas,
quanto das impossibilidades vividas.
Afinidade é retomar a relação no ponto em que
parou sem lamentar o tempo de separação.
Porque tempo e separação nunca existiram.
Foram apenas oportunidades dadas (tiradas) pela vida,
para que a maturação comum pudesse se dar.
E para que cada pessoa pudesse e possa ser,
cada vez mais a expressão do outro sob a
forma ampliada do eu individual aprimorado.
Eu sei que nunca mais encontrarei nada nem ninguém que inspire uma paixão. Você sabe, não é tarefa fácil amar alguém. É preciso ter uma energia, uma generosidade, uma cegueira. Há até um momento, bem no início, em que é preciso saltar por cima de um precipício: se refletirmos, não o fazemos. Sei que nunca mais saltarei...
"Para as crianças, o mundo - e tudo o que há nele - é uma coisa nova; algo que desperta a admiração. Nem todos os adultos vêem a coisa dessa forma. A maioria deles vivencia o mundo como uma coisa absolutamente normal.
E precisamente neste ponto os filósofos constituem uma louvável exceção. Um filósofo nunca é capaz de se habituar completamente com este mundo. Para ele ou para ela o mundo continua a ter algo de incompreensível,
algo até enigmático, de secreto. Os filósofos e as crianças têm, portanto, uma importante característica comum. Podemos dizer que um filósofo permanece a vida toda tão receptivo e sensível às coisas quanto um bebê."
"Eu poderia chorar de coisas assim:
Corre um rio de minha boca, corre um rio de minhas mãos.
Dos meus olhos corre um rio.
Na verdade sofro de excessos, que me dão certo vocabulário
Como derramar, escorrer, atravessar.
Tenho a impressão de que tudo vaza em sobras.
Tenho dificuldade em caber.
Pra caber mais, derramo por nada, derramo sem motivo.
Vou acalmar meu excesso pensei (...)
Palavras são estacas fincadas ao chão.
Pedras onde piso nessa imensa correnteza que atravesso."
"Se falo pouco é porque o silêncio não me incomoda. Eu gosto mesmo é de ficar ali sentada ao teu lado, ouvir o que você fala, ou apenas sentir a sua respiração... A sua presença sem palavras me basta. Das palavras, eu muitas vezes duvido! Posso duvidar se você disser que me ama, mas vou acreditar se me abraçar. Acredito é no seu olhar, em tudo o que faz ou deixa de fazer. Penso muito! São milhares de pensamentos por segundo, se eu me distrair eles passam e nem percebo. Em fração, sou boa parte sentimento e sentidos (muito além dos cinco). Apaixono-me pelo mais tenro sorriso e não me incomoda que você erre, eu erro! Acho graça nisso tudo...
Raramente vou gastar nosso tempo falando sobre mim, não há muito que se dizer além daquilo que escrevo agora. Você provavelmente nunca vai me conhecer se não sentar aqui do meu lado e tomar um porre de silêncio, se não passar um bom tempo comigo e prestar muita atenção em tudo aquilo que não tenho para dizer! Não sou nada muito além do silêncio, gramaticalmente falando, eu sou elipse! É na pausa entre uma palavra e outra que cabe a respiração e tudo o que há em mim."
A poesia dos poetas que sofreram é doce, terna. E a dos outros, dos que de nada foram privados, é ardente, sofredora e rebelde.