Coleção pessoal de PensadorRS
Quase do lado de lá
Sua derrocada é brindada com espumante
Tem amigas que na verdade detestam ela
Uns chamam de má sorte, outros se calam
Quanta inveja atrai uma moça que é bela!
Antidepressivos são sua nova companhia
Flerta com a insanidade toda santa noite
Não sabe se viverá noventa dias ou anos
Um diabo imaginário a esfola com açoite
Muitos a veem como dama bem-sucedida
Possui carro importado, casa aqui e acolá
Esses compram o livro, contudo não leem
Senão saberiam como ela realmente está
O desespero tomou conta da cabeça dela
Tudo o que visualiza tem dor e escuridão
Sua voz agrega ao coro dos desgraçados
Procura no limbo alguém para dar a mão.
Profundamente comum
Levanto, porém não dormi
Meus pesadelos cochilam
Tomo um cafezinho preto
Imagens me sensibilizam
Ando só no ônibus lotado
Canto no silêncio tão alto
Inúmeras caras e roupas
À espera do próximo ato
Chego ao edifício, entro
Estou preso no elevador
Mais uma porta fechada
Ou a chance de ser ator
Cada um tem sua rotina
Ganhos, perdas normais
Seria o paraíso a Terra?
Céu eu creio que jamais
Ando, corro, paro e volto
Entretenimento vale tudo
Esqueço, então, de mim
Contemplando o absurdo
Até que ponto se é feliz?
Há quem vibre na sexta
Sorrio e choro neste dia
Sou homem, logo besta.
Socialismo e democracia não combinam e nunca coexistiram. Qualquer projeto a abordar ambos em conjunto é uma utopia.
Ao natural
Se desse pra te tirar da memória
Eu já teria te deletado do sistema
Só que eu lembro de quase tudo
E estou com um baita problema
Na areia da praia ou na calçada
A saudade leva o mesmo nome
Até no lado de lá deste planeta
Não há outra a quem eu chame
Política, economia e sociedade
Fico atento às novidades todas
Mas sem nenhuma notícia tua
De Dubai, as experiências boas
Sinto em segredo, sei esconder
Falar sobre tudo sem me expor
Evocando os teus olhos verdes
Crise fiscal só me causa torpor
Foi um prazer ter te conhecido
Na contramão da miopia geral
Uma observação atenta saberia
Que só por ti escrevo ao natural.
Admirei uma obra de arte hoje. Ela era loira, de estatura média, vestia preto e usava batom vermelho. Não está à venda.
A partir do momento em que a população de uma cidade não tem mais tranquilidade para andar na rua, a criminalidade venceu.
Aposta mínima
Maldito seja o ajustamento social
Devastando o que há de peculiar
A massa tentando parecer normal
É o fim do ser que ousa inventar
Legítimos talentos são perdidos
Quando se abandona a essência
Qualidade decisiva dos criativos
É confiarem na própria potência
Não há vergonha em ser exótico
Se o padrão iguala os medíocres
E existe um anseio de estar além
A cada esquina há um metódico
Que fez dos dias dele mais tristes
Pois apostou dez em si e não cem.
A nação brasileira vota em corruptos, mas não elegeria um presidente ateu declarado. Acreditar em Deus tem peso maior do que ser honesto?
Os homens, no seu íntimo, podem admitir uma mulher vulgar, contudo não toleram uma moça demasiadamente recatada.
Autêntica emoção
Será que existe algum amante
Estando pela paixão inebriado
Que possa então se conformar
Sem a posse do objeto amado?
A contemplação pode estimular
Mas só há história com o toque
Fazendo da ideia uma verdade
Coração em estado de choque
Preservo as cartas da moçoila
Não existe beijo para recordar
Cada um mantém o que pode
Ou inventa para se contentar!
Ela não crê em almas gêmeas
Só que tem uma irmã idêntica
Menina ainda pura, do interior
Minha emoção mais autêntica
Perdoe este pacato sonhador
Que não deslembra tão cedo
Conferindo que o amor por ti
É o seu mais íntimo segredo.
Recado aos artificiais
Não, não e não!
Não me venham com falsas solidariedades.
Dispenso todas as falas mecânicas,
Enfadonhas, assim como vocês.
Não quero ser nada.
Vocês, que querem-me um homem de ambição,
Fiquem sabendo que não tenho nenhuma.
Por que haveria eu de ter alguma?
Desgraçados todos estamos,
Condenados à morte desde o início.
Não tornem o percurso tortuoso.
Que tal uma saudação ao vazio?
Por favor, evitem me procurar.
Estaria eu presente se quisesse!
Se me ausento, é por indiferença.
Tanto faz tudo isso...
Bons samaritanos:
Por que tão entediantes?
Que erro é ser muito correto.
Deixem-me aqui em paz!
Engulam o entretenimento barato,
Assistam às exibições mais chulas,
Mas não contem comigo!
Eu preciso estar só.
O destaque solitário carrega sempre um perigo maior, afinal toda a inveja alheia é canalizada para o mesmo alvo.
Algo a mais
Quanto mais as previsões acertam
Portas de singularidade se fecham
Quem conhece antes o outro lado
Vê o de cá com menos desagrado
Se as nossas andadas são triviais
Talvez precisemos de algo a mais
Para eliminarmos os prognósticos
De convívios um tanto distópicos
A mão que inventa também ataca
O licor empolgante causa ressaca
Perdão pela carência de otimismo
Dispenso autoajuda e esoterismo
Procuro razão para ter esperança
Poder então desfrutar da bonança
Desconfiando até mesmo do ouro
Grana vira pó, o moreno fica louro
Muito difícil satisfazer o indivíduo
Extirpando qualquer mau resíduo
Porque o desejo empurra à frente
Assim como ele dá o nó na gente.