Coleção pessoal de paulamirandageo
Você pode até dizer que não entendeu o que eu disse. Mas jamais poderá dizer que não entendeu como eu te olhei.
Sobre o amor, rosas e espinhos.
Amor que é amor dura a vida inteira. Se não durou é porque nunca foi amor.
O amor resiste à distância, ao silêncio das separações e até às traições. Sem perdão não há amor. Diga-me quem você mais perdoou na vida, e eu então saberei dizer quem você mais amou.
O amor é equação onde prevalece a multiplicação do perdão. Você o percebe no momento em que o outro fez tudo errado, e mesmo assim você olha nos olhos dele e diz: "Mesmo fazendo tudo errado eu não sei viver sem você. Eu não posso ser nem a metade do que sou se você não estiver por perto."
O amor nos possibilita enxergar lugares do nosso coração que sozinhos jamais poderíamos enxergar.
O poeta soube traduzir bem quando disse: "Se eu não te amasse tanto assim, talvez perdesse os sonhos dentro de mim e vivesse na escuridão. Se eu não te amasse tanto assim talvez não visse flores por onde eu vi, dentro do meu coração!"
Bonito isso. Enxergar sonhos que antes eu não saberia ver sozinho. Enxergar só porque o outro me emprestou os olhos, socorreu-me em minha cegueira. Eu possuía e não sabia. O outro me apontou, me deu a chave, me entregou a senha.
Coisas que Jesus fazia o tempo todo. Apontava jardins secretos em aparentes desertos.
Na aridez do coração de Madalena, Jesus encontrou orquídeas preciosas. Fez vê-las e chamou a atenção para a necessidade de cultivá-las.
Fico pensando que evangelizar talvez seja isso: descobrir jardins em lugares que consideramos impróprios.
Os jardineiros sabem disso. Amam as flores e por isso cuidam de cada detalhe, porque sabem que não há amor fora da experiência do cuidado. A cada dia, o jardineiro perdoa as suas roseiras. Sabe identificar que a ausência de flores não significa a morte absoluta, mas o repouso do preparo. Quem não souber viver o silêncio da preparação não terá o que florir depois...
Precisamos aprender isso. Olhar para aquele que nos magoou, e descobrir que as roseiras não dão flores fora do tempo, nem tampouco fora do cultivo.
Se não há flores, talvez seja porque ainda não tenha chegado a hora de florir. Cada roseira tem seu estatuto, suas regras.
Se não há flores, talvez seja porque até então ninguém tenha dado a atenção necessária para o cultivo daquela roseira.
A vida requer cuidado. Os amores também. Flores e espinhos são belezas que se dão juntas. Não queira uma só. Elas não sabem viver sozinhas...
Quem quiser levar a rosa para sua vida, terá que saber que com ela vão inúmeros espinhos.
Mas não se preocupe. A beleza da rosa vale o incômodo dos espinhos... ou não.
Hoje acordei inteira. Migalhas? Pedaços? Não, obrigada. Não gosto de nada que seja metade. Não gosto de meio-termo. Gosto dos extremos. Gosto do frio. Gosto do quente (depende do momento.) Gosto dos dedinhos dos pés congelados ou do calor que me faz suar o cabelo. Não gosto do morno. Não gosto de temperatura-ambiente. Na verdade eu quero tudo. Ou quero nada. Por favor, nada de pouco quando o mundo é meu. Não sei sentir em doses homeopáticas. Sempre fui daquelas que falam "eu te amo" primeiro. Sempre fui daquelas que vão embora sem olhar pra trás. Sempre dei a cara à tapa. Sempre preferi o certo ao duvidoso. Quero que se alguém estiver comigo, que esteja. Mesmo que seja só naquele momento. Mesmo que mude de ideia no dia seguinte.
O amor, que não é mais do que um episódio na vida dos homens, é a história inteira da vida das mulheres.
Aprendendo a desaprender
Passamos a vida inteira ouvindo os sábios conselhos dos outros. Tens que aprender a ser mais flexível, tens que aprender a ser menos dramática, tens que aprender a ser mais discreta, tens que aprender... praticamente tudo.
Mesmo as coisas que a gente já sabe fazer, é preciso aprender a fazê-las melhor, mais rápido, mais vezes. Vida é constante aprendizado. A gente lê, a gente conversa, a gente faz terapia, a gente se puxa pra tirar nota dez no quesito "sabe-tudo". Pois é. E o que a gente faz com aquilo que a gente pensava que sabia?
As crianças têm facilidade para aprender porque estão com a cabeça virgem de informações, há muito espaço para ser preenchido, muitos dados a serem assimilados sem a necessidade de cruzá-los: tudo é bem-vindo na infância. Mas nós já temos arquivos demais no nosso winchester cerebral. Para aprender coisas novas, é preciso antes deletar arquivos antigos. E isso não se faz com o simples apertar de uma tecla. Antes de aprender, é preciso dominar a arte de desaprender.
Desaprender a ser tão sensível, para conseguir vencer mais facilmente as barreiras que encontramos no caminho. Desaprender a ser tão exigente consigo mesmo, para poder se divertir com os próprios erros. Desaprender a ser tão coerente, pois a vida é incoerente por natureza e a gente precisa saber lidar com o inusitado. Desaprender a esperar que os outros leiam nosso pensamento: em vez de acreditar em telepatia,é melhor acreditar no poder da nossa voz. Desaprender a autocomiseração: enquanto perdemos tempo tendo pena da gente mesmo, os dias passam cheios de oportunidades.
A solução é voltar ao marco zero. Desaprender para aprender. Deletar para escrever em cima. Houve um tempo em que eu pensava que, para isso, seria preciso nascer de novo, mas hoje sei que dá pra renascer várias vezes nesta mesma vida. Basta desaprender o receio de mudar.
Amores eternos
Eu acredito em amores eternos, daqueles que acompanham a gente pela vida inteira, como se tempo e amor se fundissem num só elemento, tornando-se imutáveis, indestrutíveis.
Eu acredito em amores eternos, daqueles que vão com você para qualquer lugar, não importando o quão distante você esteja, por que a pessoa amada reside em seu próprio coração.
Acredito em amores eternos e sublimes, capazes de reconsiderar tudo, com suavidade, ternura e perdão.Acredito, sim, em amores para toda a vida, e além da vida, pois seria um tipo de amor unido à própria alma, e sem alma a vida não tem razão...
Amores eternos existem sim, e superam qualquer coisa, mesmo quando ninguém mais acredita neles, eles continuam sempre à espreita, esperando apenas um olhar, um retorno, uma reconciliação.
Por um instante quis sentir falta de alguém, mas não consegui me lembrar de ninguém. Por outro instante quis inventar uma pessoa, mas eu era tão de verdade naquele momento que me faltou capacidade para ser enganada. Na cidade mais romântica do mundo amei meu medo, meu quarto, minha cama, meu banheiro, minha coragem, minhas próximas horas pelo resto da vida, minha quase morte que agora me enchia de novidades, meu silêncio, a extensão do meu pânico curioso que iluminava toda a cidade, minha tranquilidade madura, toda a bagunça da minha cabeça. Sim, a garotinha magrinha, branquelinha, assustada, sensível, cheia de ódios, cheias de erros e cheia de si, agora apenas recomeçava no corpo de uma mulher invisível. Amei que o mundo estava em festa e meu convite dava direito apenas a uma pessoa.
DA CHEGADA DO AMOR
Sempre quis um amor
que falasse
que soubesse o que sentisse.
Sempre quis uma amor que elaborasse
Que quando dormisse
ressonasse confiança
no sopro do sono
e trouxesse beijo
no clarão da amanhecice.
Sempre quis um amor
que coubesse no que me disse.
Sempre quis uma meninice
entre menino e senhor
uma cachorrice
onde tanto pudesse a sem-vergonhice
do macho
quanto a sabedoria do sabedor.
Sempre quis um amor cujo
BOM DIA!
morasse na eternidade de encadear os tempos:
passado presente futuro
coisa da mesma embocadura
sabor da mesma golada.
Sempre quis um amor de goleadas
cuja rede complexa
do pano de fundo dos seres
não assustasse.
Sempre quis um amor
que não se incomodasse
quando a poesia da cama me levasse.
Sempre quis uma amor
que não se chateasse
diante das diferenças.
Agora, diante da encomenda
metade de mim rasga afoita
o embrulho
e a outra metade é o
futuro de saber o segredo
que enrola o laço,
é observar
o desenho
do invólucro e compará-lo
com a calma da alma
o seu conteúdo.
Contudo
sempre quis um amor
que me coubesse futuro
e me alternasse em menina e adulto
que ora eu fosse o fácil, o sério
e ora um doce mistério
que ora eu fosse medo-asneira
e ora eu fosse brincadeira
ultra-sonografia do furor,
sempre quis um amor
que sem tensa-corrida-de ocorresse.
Sempre quis um amor
que acontecesse
sem esforço
sem medo da inspiração
por ele acabar.
Sempre quis um amor
de abafar,
(não o caso)
mas cuja demora de ocaso
estivesse imensamente
nas nossas mãos.
Sem senãos.
Sempre quis um amor
com definição de quero
sem o lero-lero da falsa sedução.
Eu sempre disse não
à constituição dos séculos
que diz que o "garantido" amor
é a sua negação.
Sempre quis um amor
que gozasse
e que pouco antes
de chegar a esse céu
se anunciasse.
Sempre quis um amor
que vivesse a felicidade
sem reclamar dela ou disso.
Sempre quis um amor não omisso
e que suas estórias me contasse.
Ah, eu sempre quis uma amor que amasse.
Poesia extraída do livro "Euteamo e suas estréias", Editora Record - Rio de Janeiro, 1999,
O Fantasma da Ex
Dificilmente você namora ou está enrolado com uma pessoa 0km. Seu grande amor provavelmente já teve um outro grande amor antes de você, assim como você tem alguma quilometragem percorrida também. Normal. O problema é quando o ex do seu amor não ficou no passado: ainda ronda o presente.
Você achava que ele estava morto e enterrado, mas que nada, o fantasma ainda assombra. Manda e-mails pro seu amor, telefona de vez em quando, surge nos mesmos lugares em que vocês estão. Uma praga. Vocês construíram uma relação supersólida, está tudo indo mais do que bem, não há motivo para desconfiança ou insegurança. Mas até quando? O ser humano é saudosista por natureza. De repente, num momento de carência, você pode não estar por perto e o seu amor se deixar levar por uma sessão nostalgia. Quem garante que não?
Ninguém garante nada nesta vida. Mas não vejo muita razão para alguém se preocupar demasiadamente com os ex. Eles já tiveram sua vez. Por alguma razão, não deu certo. Eu sei, eu sei, isso não quer dizer absolutamente nada, os dois podem ter continuado a se amar mesmo assim, eles podem ter deixado arestas por apontar, eles podem ter coisas entaladas na garganta para dizer um ao outro. Brrrrr. Assustador. Mas também é muito provável que, se eles tentarem de novo, vão esbarrar nos mesmos problemas que os fizeram separar. Ex é prato requentado. Quase um parente.
Eu não tenho fobia com ex, ao menos não com uma ex que tenha sido bem vivida, bem curtida. Fico mais apreensiva em relação àquelas que podem vir a ser casos passageiros, aventurazinhas bobas, mas que podem surpreender. Não temo fantasmas, temo gente bem viva, bem acordada, oferecendo novidades, fantasias. Ex é um direito adquirido. Chegou antes. Tem privilégios. Merece respeito. E se seu grande amor cair nessa armadilha, terminar com você e voltar para o passado, relaxe, não se apavore. Será sua vez de assombrar. A ex agora é você.
Dos ficantes aos namoridos
Se você é deste século, já sabe que há duas tribos que definem o que é um relacionamento moderno.
Uma é a tribo dos ficantes. O ficante é o cara que te namora por duas horas numa festa, se não tiver se inscrito no campeonato “Quem pega mais numa única noite”, quando então ele será seu ficante por bem menos tempo — dois minutos — e irá à procura de outra para bater o próprio recorde. É natural que garotos e garotas queiram conhecer pessoas, ter uma história, um romance, uma ficada, duas ficadas, três ficadas, quatro ficadas... Esquece, não acho natural coisa nenhuma. Considero um desperdício de energia.
Pegar sete caras. Pegar nove “mina”. A gente está falando de quê, de catadores de lixo? Pegar, pega-se uma caneta, um táxi, uma gripe. Não pessoas. Pegue-e-leve, pegue-e-largue, pegueeuse, pegue-e-chute, pegue-e-conte-para-os-amigos.
Pegar, cá pra nós, é um verbo meio cafajeste. Em vez de pegar, poderíamos adotar algum outro verbo menos frio. Porque, quando duas bocas se unem, nada é assim tão frio, na maioria das vezes esse “não estou nem aí” é jogo de cena. Vão todos para a balada fingindo que deixaram o coração em casa, mas deixaram nada. Deixaram a personalidade em casa, isso sim.
No entanto, quem pode contra o avanço (???) dos costumes e contra a vulgarização do vocabulário? Falando nisso, a segunda tribo a que me referia é a dos namoridos, a palavra mais medonha que já inventaram. Trata-se de um homem híbrido, transgênico.
Em tese, ele vale mais do que um namorado e menos que um marido. Assim que a relação começa, juntam-se os trapos e parte-se para um casamento informal, sem papel passado, sem compromisso de estabilidade, sem planos de uma velhice compartilhada — namoridos não foram escolhidos para serem parceiros de artrite, reumatismo e pressão alta, era só o que faltava.
Pois então. A ideia é boa e prática. Só que o índice de príncipes e princesas virando sapo é alta, não se evita o tédio conjugal (comum a qualquer tipo de acasalamento sob o mesmo teto) e pula-se uma etapa quentíssima, a melhor que há.
Trata-se do namoro, alguns já ouviram falar. É quando cada um mora na sua casa e tem rotinas distintas e poucos horários para se encontrar, e esse pouco ganha a importância de uma celebração.
Namoro é quando não se tem certeza absoluta de nada, a cada dia um segredo é revelado, brotam informações novas de onde menos se espera. De manhã, um silêncio inquietante. À tarde, um mal-entendido. À noite, um torpedo reconciliador e uma declaração de amor.
Namoro é teste, é amostra, é ensaio, e por isso a dedicação é intensa, a sedução é ininterrupta, os minutos são contados, os meses são comemorados, a vontade de surpreender não cessa — e é a única relação que dá o devido espaço para a saudade, que é fermento e afrodisíaco. Depois de passar os dias se vendo só de vez em quando, viajar para um fim de semana juntos vira o céu na Terra: nunca uma sexta-feira nasce tão aguardada, nunca uma segunda-feira é enfrentada com tanta leveza.
Namoro é como o disco “Sgt. Peppers”, dos Beatles: parece antigo e, no entanto, não há nada mais novo e revolucionário. O poeta Carlos Drummond de Andrade também é de outro tempo e é para sempre. É ele quem encerra esta crônica, dando-nos uma ordem para a vida: “Cumpra sua obrigação de namorar, sob pena de viver apenas na aparência. De ser o seu cadáver itinerante".
Sempre desprezei as coisas mornas, as coisas que não provocam ódio nem paixão, as coisas definidas como mais ou menos. Um filme mais ou menos, um livro mais ou menos. Tudo perda de tempo. Viver tem que ser perturbador, é preciso que nossos anjos e demônios sejam despertados, e com eles sua raiva, seu orgulho, seu acaso, sua adoração ou seu desprezo. O que não faz você mover um músculo, o que não faz você estremecer, suar, desatinar, não merece fazer parte da sua biografia.