Coleção pessoal de noi_soul
Saudade de me enroscar no mato
me confundir com as flores
brincar de ser raiz
sentindo a vida em mim
saudade da ousadia
de me conectar com a terra
e ser apenas sua passagem para o tempo fluir
O tempo esquece do tempo e meio sem tempo distorce do tempo que há em mim
Sem tempo não temo o tempo e o tempo se ilude enquanto o tempo não chega ao fim
nada mudou e tudo mudou
que estranho vazio
que me preenche o ninho
prenhe de novos saberes
e sabores que nunca provei
mas que sempre gostei
mesmo não tendo língua
nem mesmo carne em mim
Amar a si mesma
Não é fácil
Quando os dedos apontam a outra direção
Dizem "seu cabelo é ruim"
"Seus dentes são tortos"
"Sua altura é pouca"
Tiram sua roupa
Só pra te lembrar
Que você não é nada
Além de uma imitação
Amar a si mesma
No mundo da réplica
É aguentar a tréplica
Da repartição
Hoje você dança
Hoje você casa
Hoje você engravida
Hoje você separa
Hoje você faz pose
Hoje você escancara
Hoje você morre
Amanhã você repara...
Se o dia não estiver bonito
Que eu o embeleze
Se a mente esquecer a oração
Que minha boca reze
Se a fagulha não insistir
Que meu fogo eleve
Se o tempo acordar ruim
Que meu corpo, greve!
Sou uma religiosa
Sem religião
Sou uma ateia
Cercada de deuses
Sou uma peregrina
Parada no tempo
Sou uma profana
Que embeleza o templo
Sou o riso puro
Na sordidez desmedida
Sou a palavra dada
No silêncio da noite
Sou a ternura plena
Na entranha do vil
Sou a estranha imagem
Do meu próprio desvario
um avião passou pelo céu
barulhento
arranhando meus ouvidos sensíveis
as mãos encontraram os lóbulos
os olhos fitaram as nuvens
o ruído causa perturbação
a imagem gera inspiração
é que parece surreal
seres tão pequeninos como nós
criarmos asas prateadas
e descobrirmos
também ser possível
voar...
desliza etéreo o visgo
camada a camada
desnuda
fulgura o espelho da vida
derrama em doce ventura
cristal se faz melodia
na pluma do intenso querer
as vestes que antes cobria
revelam a cor do prazer
o toque suave dos lábios
serenos, intensos, lavanda
pregada no céu de outros braços
a língua desvenda segredos
e no dedilhar desse espaço
entrego-me livre dos medos.
Amar uma mulher
Não é tão fácil assim
Conquistá-la
Amar uma mulher é vestir-se dos melhores cortejos
E das maiores verdades
Amar uma mulher é interpretar
Mundos secretos e extraordinários
Num único toque
Num único instante
Amar uma mulher é deliciar-se
Da doce presença
De um quê inconstante
Amar é uma mulher
a entregar-se à vida
à morte
ao inteiro prazer
de apenas se permitir ser
amado completamente...
Afrodite
Eros não vive sem ela
Ela é o que falta a Eros
As suas sublimes estrelas
Enfeitam o arco de Eros
E Eros somente existe
Nos braços da deusa mais bela.
Entre a lua e o mar
Encontro teus olhos mansos
flamejantes
a queimar-me a face ruborizada
de espanto e fascínio
da forma que só
- E apenas!
teus olhos conseguem fazer.
Entre a lua e o mar
encontro a vida
o perfume
a realização
de deixar-me ser...
Visita para tuas andanças
Estrada para tuas mãos
Envoltório para teu corpo
Calmo
Resplandecente
a queimar-me a derme
Sinto-me inteira tua
Entre o mar e a lua...
É por mero capricho
Que não entrego-me aos teus braços
Efervescentes e ânsios da minha paixão
É por mero capricho
Que não escondo o deleite
Da janela vazia embrulhada em pedaços
Entorpecentes enganos em vão
É por mero capricho
Que esgueiro-me inteira na senda intocável
Da tua falange
Prementes encantos do não
É por mero capricho
Que espero-te às noites ensolaradas
De gasta poeira no teto, arruinada
Inclementes das cinzas do chão.
No chão
Paixão
Em vão
Não...
Meus braços querem abraços
Querem enlaços
Querem espaços
Completamente preenchidos
Envoltos por outros braços
Tão descalços
Livres de embaraços
Quanto os meus abraços
Envoltos
Perpetuamente entregues
Ao instante
Ao relento
Ao intento
De apenas ser vazio
Do vazio de outro alguém
Meus braços querem abraços
Sem percalços
No encalço
Do espaço
Mesmo passo
Firme laço
De outro alguém
Meus braços apenas querem abraços...
Sinceros
Intensos
Inteiros
Da plenitude de alguém.
Tenho frio nesta madrugada
Não encontro quem me coloque o cobertor nos pés descalços
Os gritos não ardem
Se espargem na estrada
Da riqueza que abandonei
Quando quis crer na tua lembrança
Eu queria ter sonhos maiores
Queria ter sonhos melhores
Pular de muros infindos
Abrir caminhos desconhecidos
Rezar a deuses antigos
Ser apenas um entre os inícios
Cada vez que olho nos olhos do céu
Eu vejo que ainda estou aqui
Uma parte de mim ainda resiste
Ainda existe
Ainda é
Eu sinto o cálido torpor do vendaval
Levando meus braços para longe
De alguma ação
De algum chão
De mim...
Quando vivo o presente não ignoro o passado nem menosprezo o futuro.
Pelo contrário, eu honro meu passado, honro aquela que fui. Honro os medos, as dores, as perdas, os “fracassos” (odeio quem divide o mundo entre fracassados e bem-sucedidos, aliás. Mas isso é assunto para outro momento).
E, ao mesmo tempo que honro meu passado, amo meu futuro. Estar no presente de verdade me dá estas chaves: honra e amor.
O que mais eu poderia querer? Mas eu sei que não é fácil. Não tanto como gostaríamos. Nossa mente gosta de uma certa facilidade… Dizem que é questão evolutiva.
Apesar disso eu posso dizer: é uma escolha. Você escolhe estar presente em um momento. E no próximo momento você escolhe de novo. E no próximo você escolhe de novo.