Coleção pessoal de natyparreiras
À NOITECE
Trêmula minha noite se rasga
E compõe - se em manto teu.
Não se parte
Se agrega
Numa simetria cega
Num reparo que anoiteceu.
Teceu ...
A púrpura poente
Dos entre - olhos luminosos
Nas entre - nuvens recorrentes
Viram- se tristes raios olhos.
Estrelas têm as noites
Noites sempre telhas
Ainda que sem tê - las
Às centenas posso vê - las
Tão estrelas.
E trelas as trevas torpes tão
Inteiras
E treme os tórridos tormentos
Na fogueira
Fagueira
A noite foge - me às teias
Ao torpor teu
De cadeia
Incendeia
Queima a areia...
À noite teceu
Anoiteceu
A nós teceu
Tão seu
O sonho
Maré cheia.
Escureceu...
Lindo noite uivo
Bravo raio ruivo
Breve manto teu.
Manhãs de Quinta
Solta o teu sol no meu seio
Senta meu mar no teu meio
Meio-alma
Meio-carne
Língua Lânguida
Espalme
O ininterrupto curto-circuito do teu charme
Me dispõe no intuito de disparar-me
Corpo
Sangue
Vinho
Sempre carne.
E me agarre
Faz-me à parte
Pronta a ti
Bem te fiz
Bem-te alarme.
E ainda
Me Suga, me salga e sinta
A pele
Seda-limpa
Encher-se de tua quinta
Me excita
Me faz, me grita
Me grava na tua ímpar
Manhã
Entre insanas
Tão sãs
Tão lindas
Me infinda
Ainda que não seja quinta
Ainda que não veja, sinta.
Pôr-do-Céu
O emblema tom pastel me emudece
No sereno do teu céu, a lua-prece
Vai se pondo no papel e não merece
Não mereces
Um papel
Não mereces
No inverno do teu céu
A chuva desce
E me abraça no teu véu
Embaça o vidro, ver-te réu
Não te apresse
Só te veste
Tom pastel
Do teu leste
Me emudece e com teu véu
Fluido-uivo faz corcel
E me merece...
Se me vires no papel faça prece
Posso vir vinda do céu
Mas o inferno me morreu
Não te esquece.
Acorde
Acordo dos 62 dias em que me abstive de ti. Obstinada a consumir-te um tanto... Despertar-me.
Poetas nunca acordam o suficiente, preferem as acrobáticas manobras do devaneio, sublimes tais como a inspiração em que se consuma sua prosa, sua rebeldia.
Alaridos não mais me comovem... Rasgos de candura já não limam meu pão-de-açúcar, meus intocáveis recortes de divino.
Melindra-se o tom do “acordeom”, ainda que nada mais me acorde ou me ponha pra dormir... Nem o drama, nem o som, nem a fraude...
Nem te ouvir.
São Nunca
A metáfora do fim aproxima a véspera
Ainda que esta relute na omissão literária do tempo nunca
Agora é nunca...
Nunca lembrar
Nem arrepender
A véspera
Exaspera o tempo corrente
Iludido
Elodido...
Doído sempre...
Interpreta a eminência do finito
Se abriga amanhã no amanhecido
No fatídico grito de ontem
Que larguei ainda agora
Enquanto passeava pelo nosso enquanto
Tão contínuo e acreditado da véspera
Desse dia que ainda virá em tempo algum.
Verborragia
Sangra
Em ritmo de samba
A minha poesia
Samba
Logaritmo que sangra
Lograr o ritmo que samba
Largar o vício de alforria
(Sangra... Sangria).
Versificado
Na abstrata caligrafia dos poetas não se inscrevem mesuras de direito, espasmos de amargura ou indulgentes sopros de discórdia, apenas jorra-se ímpeto, delírio, fruição. Mas o que dizer-te então, diante da afronta santa de tua astuta rejeição?
...
Entre mortos e feridos versificaram-se todos os tolos frágeis deste duelo, eram eu e meu martelo ponta-de-prego, martelando, martelando, uns poemas brandos ou uma centena!
Sentenças e mais se pensas na dor intensa do cotovelo...
Cotovias vaiam nossas avarias
Todavia repousam seu zelo em alardeadas notas, notaria
Não fossem tantos versos verificados de apatia, quem diria
Não fosse tantos restos esgoelados do que eu vivia.
Fuga de Ases (Fugazes)
Exilado em sua caixa mágica, travava diálogos improváveis e reproduzia assim a impossibilidade de tê-la sua, pura e imaculada de seus mesmos pecados de poesia.
Num mantra expurgava sua alegoria e numa outra casa abrigava aquela outra, implícita nos mesmos traumas em que jazia.
Sentada no meio-termo de uma avenida qualquer tumultuada de seu esquecimento, ela apalpava seu desapego... Sofria o silêncio de sua desistência alada, dessa capaz de transportá-la à paz dos justos. No olho, aquele grito acordado que brilhava toda uma nova era de sonho. Ela seria livre e aquela rua (a dor) enfim, atravessada.
Mas quando o tempo se fez hora exata, olhos entreolharam-se estranhos, abdicados da premeditação da cena... Estancados e estrangulados em odes raros ao poema.
Erraram-se exatos
Erraram-se apenas
No instante exato
E erradicaram-se apenas.
Contracepção
O olho versou o pecado da recíproca
No mesmo suspiro confundido de adeus
E lá se foi a dor e a poesia
Sem ao menos virar possibilidade.
Suprema
A palavra perpetua o efêmero da calma que me assume agora
Acalma... A palavra acalma.
A palavra perpetua o efêmero do meu afeto que se some agora
Afeto... A palavra afeiçoa.
A palavra perpetua o grito de socorro que me escapa agora
Grita... A palavra grita: Me socorra!
A palavra evita o silêncio efêmero que me forja agora
(a glória)
Cala... A palavra cala
A palavra basta
Posto que ressoa.
Execução
Queria mastigar meu ventre
Coibi-lo de gerar (e gerir)
O metabolismo de meus vocábulos
Queria arrastá-los desfigurados
Em praça pudica
Pública
Alastrados
Devastados
No cumprimento de minha tão solene e solícita pena
Em plena agonia que ojeriza minha cria extrema
E minha quarentena!
Queria esganar-te e não escrever-te um poema!
Queria entranhar-te o corpo estranho
Que irriga - que irrita – o teu olho castanho!
Mas é de fato uma pena
A pena verteu-se em meu lema
Há pena não mais que eu a tema
Apenas não mais que poemas!
Ex-quadros
Nos quatro cantos das paredes do teu quarto
Desfez-se o relapso ápice de nossos gatos por lebre
Refez-se a célebre solidão que nos persegue
Em presença contínua e desacreditada.
Verteu-se o teu luto ao consumir-me no vulto
De teus repetecos já enfadados da mesma cor desbotada
Ou da tez de minha blusa desabotoada
Amarrotada
Arrependida
De nosso prazer discreto e efêmero
Que agora vela esse meu sono noutras paredes
E em tantos quartos de horas mal resolvidas.
Unilateral
Triste o fazer do poeta
Quando a dor se projeta
Para aquém da poesia...
Não alcança
Não seduz
nem mantra
Não varre a luz que arde em cria.
Triste o fazer do poeta que jaz no vão em que alumia.
Submersão
O olho requer um tanto de desacato para beirar o magnetismo de sua limitação profunda.
O olho requer a esquizofrênica sensação de alcance alheio, para regozijar sua própria inoperância aguda.
O olho requer o eco daquela mesma fábula que dita sua obscura relatividade
O olho requer amparo cego
E se beirar o caos da lágrima
Que é expulsa
Verte
Verte
Mas não emerge
O olho afunda.
Expresso
Eu recito e tu me receitas
Uma xícara de café e meia
Ou uma dose alheia
Do teu mau-olhado.
E eu te olho nu – olho
E eu te decoro no olho
Mas eu te vejo é no cheiro
Eu te sinto é no trago
Mas eu te quero de lado
De perfil
Não hostil
Ou triangulado.
Eu te recito e tu me receitas um gole de café amargo.
Dialogismo
A corrente do mar mal arrebentou
E minhas palavras já corriam livres
Era o encontro segregado com o grão
Que do vento fingiu-se o dom
A metabolizar a gênese dos castelos que eu tive.
Poema de Ninguém
Vivo um caso crônico de desuso cardíaco... E dos graves. Antes não fossem tão agudas as palpitações eminentes de pseudo-enfarte! Sinto-me um mártir qualquer que enfim descartou a catarse de prover a dor de si nos outros. Sinto-me um sopro, tanto mais e vento ainda... Sinto-me infinda, etérea, mas absurdamente alheia à massa poética que me permeia... À estratosfera de minhas veias cor de branco...
Me deu branco! No papel só um poema sem dono, o primeiro e único santo, imaculado na concepção de vocábulos tão hiatos, tão estranhos!
A quem doar, a quem doer a sangria de um poema enfermo tamanho pulso fraco, condenado ao lábaro de meu próprio esquecimento?
Aquém... Amém! Além do mais já amei demais Ninguém faz tempo.