Coleção pessoal de Nanevs
DE CASA NOVA
Instala-se a poesia
No bailar dos dedos
Frenéticos e sem freios
No tamborilar das teclas
Já não tem mais a tinta
À borrar a folha branca
No pingar das lágrimas
Que reveste a poesia
Já não enche o cesto
O papel escrito e reescrito
Amassado e embolado
Para depois ser descartado
Basta o toque do dedo
Sem a nostalgia do escritor
Para na tela fria colar
Seus sentimentos em versos
Ainda tenho guardado
Um caderno velho amarelado
Literalmente rabiscado
Com meus garranchos indecifrados
Restou a fumaça do cigarro
E o copo sempre cheio
Enquanto a poesia experimenta
Sua nova moradia
(Nane - 13/04/2015)
SONHANDO EM SER CRIANÇA
Fizeram-me homem
De fuzil nas mãos
Precocemente empedernado
Na sobrevivência
Lacraram num ataúde
As quimeras e fantasias
Dos meus sonhos de menino
Brutalmente emancipado
A tal maioridade
Cospe fogo e mata
Para que eu não morra
E sucumba com a infância
Na solitude de um descanso
O tremor de um ruflar insiste
Em me elevar por sobre a miséria humana
Nas asas da esperança de criança
Sobrevoo inerente de segundos
Sustentado pelas asas da liberdade
Abertas em meio à podridão
De uma guerra dita santa
Vislumbro brincadeiras e cirandas
E outras crianças de etnias
Diversas e tão afins
No sorriso ímpar infantil
O ranger da tampa do ataúde
Recolhe minhas asas podadas
No estampido seco de um rifle
E o menino vira homem de matar
(Nane-08/04/2015)
PENSAMENTOS CONFUSOS
Já não esconde mais seu lamento
Que chora e grita em meus ouvidos
Quando deito a cabeça no travesseiro
Em busca do sono perdido
Embriagada pelo não adormecer
A cabeça não pensa direito
Os sentimentos se misturam
Num limiar de portais inebriantes
Uma culpa em dissonância
Faz de mim Iscariotes
Em sábado de aleluia
De chibatadas e pedradas
Um adeus inevitável
Entre lágrimas e sorrisos
Se confundem num alívio
Entre o bem e o mal
Uma menina chora a sua falta
Uma mulher te quer ver livre
Um médico e um monstro
Numa só carcaça
O cansaço alucinógeno
Corrompendo a sanidade
Na pergunta que não quer calar
Do que é certo ou errado
Deus do céu ou do inferno
E eu tenho que ter fé
Me destes um cobertor
Mas eu morro de frio
Não sei mais o que fazer
Na angústia dos lamentos
Das dores sem refresco
Que escuto noite e dia
As vezes uma vontade
Bate forte e sem sentido
De correr sem direção
Para lugar nenhum
E nesse desespero
A loucura me assedia
Feito uma bala perdida
No alvo certeiro
A sua incoerência
A minha incongruência
Vidas entrelaçadas
Num adeus
(Nane-05/04/2015)
UMA BREVE DESPEDIDA
Sorriu um sorriso maroto
Disse um até breve
E se foi...
Sabia que no dia seguinte
Era inevitável o reencontro
Seus olhos também sorriram
Num apertar acompanhado
Do alargar dos lábios
Como fazia todos os dias
Quando se despedia
Me acostumei tanto à cena
Que já nem mais aplaudia
Simplesmente devolvia o sorriso
No balançar da cabeça
Firmando um compromisso
Quando o sol surgiu na alvorada
Acordei com os trinados da passarada
E aguardei como todo dia
A sua chegada no quintal
Para o rotineiro bom dia
As nuvens esconderam o sol
E a chuva não tardou a cair
Pensei com meus "botões"
Que o frio outonal era o culpado
Pelo atraso no seu chegar
O dia se arrastou fechado
Tristonho e melancólico
E sem me dizer o motivo
Ao nosso encontro faltou
Pela primeira vez
Eu, sem saber o que fazer
Pude perceber a importância
Na falta do seu bom dia
E da monótona rotina
Me vi conservadora
Já ao anoitecer veio a notícia
De que o seu sorriso se fechou
E o seu bom dia se calou
Seu até breve se fez longo
E o dia seguinte...aguarda
(Nane-02/04/2015)
NARCÓTICO
A saudade aperta
Sem dizer de quem
Talvez de mim mesma
Em outra época
Quando eu era mais eu
Sem nenhuma dependência
Dos vícios adquiridos
O fumo e a bebida
Matando aos poucos
Mas nada comparado
À pressa de morrer
Pela falta de você
Amor unilateral
Jogado no despenhadeiro
Subjugado e escravizado
Restrito a imaginação
Que faz pulsar ainda o coração
Friamente executado
Crack na alma alojada
Impulsionando o pouco da vida
Num bem de um mal constante
Na eterna espera da hora
Em que se fará presente
O maior de todos os meus vícios
O tom de cinza nos dias
De tantas cores alheias
Fogem ao meu sentido visor
Lavado e levado nas águas
Que escorrem na surdina
Do meu delírium tremens
(Nane - 01/04/2015)
A MORTE DE UM SONHO
Meu sonho adormeceu
No seu silêncio devastador
E entorpecido liberou
A realidade que me compete
Pede coragem a vida
E outros sonhos vislumbram
Enquanto no limiar da loucura
Descansa o principal
Pedem passagem os novos
Para alimentar a vida
Enquanto adormecido o fatal
Não liquida com a mesma
É briga de foice
Da ilusão com a realidade
E não só adormecer
Um é preciso morrer
Ou o sonho mata a vida
Ou a vida mata o sonho
Deixá-lo apenas adormecido
É transformá-lo em pesadelo
E sonho que não pode ser sonhado
Pede adaga afilada
Cravada com força nas entranhas
Enquanto entorpecido
(Nane-31/03/2015)
ALUCINAÇÃO
Cheira a morte o recinto
Num odor agridoce agradável
Seduz meu olfato já pouco apurado
Pelo vício da fumaça inalada
Embriaga meus sentidos já embriagados
Pela cevada gélida na garganta
Rompendo sinapses no corpo inteiro
Relegado ao estado entorpecido
As paredes borradas de cores
Confundem e atraem os meus olhos
Num redemoinho em espiral
Num mergulho perene...caindo
Paulatinamente figuras
Se formam na minha mente
Vou mais fundo na embriaguez
Quase num êxtase lacônico
Nada me é conhecido
Além do cheiro inebriante
Dançam espectros sombrios
Como num ritual fúnebre
A escuridão se confunde com a luz
Que cega do mesmo jeito
O estrondo ensurdecedor se faz
E o suor frio escorre molhando a cama
Por hoje acabou o mergulho
Os olhos esbugalhados revelam
Que o pesadelo não tem fim
Foi só mais um capítulo...
(Nane-28/03/2015)
PASSAPORTE PARA A ETERNIDADE
Ah, se tivesses noção
Do estrago causado
Pela ausência tua
Virias à mim
Ah, se tivesses
A noção da dor
Que esmaga o peito
E escorre nos olhos
Ah, se sentisses
Um mínimo que fosse
Da saudade opressora
Que sufoca o ar
Ah, se pudesses
Me ver agora
Entenderias melhor
O que fizestes
Ah se entendesses
Do amor verdadeiro
Saberias que a morte
Não me mete medo
Ah, se tivesse sobrado
Só um pouco de verdade
Entenderias que a eternidade
Sou eu e é você...
(Nane-27/03/2015)
DANÇA CONTURBADA
Toca Pearl Jam
Enquanto eu olho o céu
Danço
Conforme a música
Envolta no branco
Da folha vazia
A alma tatuada
Traz lavas cuspidas
E cinzas espalhadas
Tapando o sol
E o céu em mim
Enegrecido
O furacão no vulcão
Faz em mim insensatez
No amálgama entupido
Disposto a explodir
E mandar tudo às favas
Num surto desequilibrado
Toca Pearl Jam
Enquanto eu escuto
E danço
A dança destilada
Que evapora de mim
Enquanto eu me acalmo
O céu ainda está negro
O amor não é brinquedo
Tem estrelas lá em cima
Não no meu céu
Mas estão lá
E eu me recolho
(Nane- 26/03/2015)
SINA DE MÃE
Rasga teu ventre ensanguentado
Cuspindo a semente germinada
Entre amnióticos líquidos
Jorrados de tuas entranhas
Beija a cabeça coroada
Pelos dejetos abençoados
No instante supremo
Do teu grito lacerante
Aconchega em teus braços
Fazendo silenciar
O choro de estranheza
Do despejado de teu ventre
Sirva-lhe ainda quente
O néctar da vida
Da glândula em flor
Desabrochada em teus seios
Cortaram-lhe o cordão
E já não mais está em ti
Paristes teu filho
Mas não o teu destino
Proteja-o sob as tuas asas
Até quando puder
Mas quando aprender a voar
Entregue-o ao Criador
E reze...
(Nane-25/03/2015)
ENTRANHAS EM DESASSOSSEGO
Quisera ser indiferente
À tua indiferença
Mas esse desassossego na alma
Incomoda...
Quisera arrancar você de mim
Como a um dente careado
Que faz falta por instantes
E depois é esquecido e substituído
Quisera tanta coisa impossível
Que já nem sei se quero mais
Já que nada mais faz sentido
Nos quereres que eu quisera
Quisera não ter um passado
E começar tudo do zero
Apagar todas as letras
E reescrever minha poesia
Resta-me apenas o ato
De amassar os meus papéis
E jogar fora minhas rimas
Nos versos que te fiz
Resta matar a poesia
Antes que ela me mate
Num surto desesperado
Das entranhas que quisera...
(Nane - 23/03/2015)
ÁRVORE
Mascaro a brandura
Na casca dura que me reveste
Por não saber me entregar
Por não querer me estragar
Cada escolha é minha
E a consequência também
O sorriso represa a lágrima
Que afoga sonhos natimortos
Quando ousei sonhar
Vi o pesadelo tomar forma
Recolhi meus sonhos
E me vesti de casca
Feito árvore cascuda
Que pinga seiva na ferida
Fincada por sobre raízes
Assumo escolhas
O fruto nem sempre é bom
E a semente nem sempre frutifica
Árvore exposta aos raios
Que a tempestade trás
Mascaro a madeira de lei
No coração forjado à canivete
Na casca grosa de um tronco
Carapaça dos meus anseios
(Nane-23/03/2015)
ACENO DO ADEUS
Caminho só
Sem o toque da sua mão
Segurando a minha
Trêmula
Mas não parei
É preciso seguir
Ainda que sem o esteio
Da sua mão
O caminho é turbulento
Cheio de pedras e espinhos
Mas caminho
Sem a sua mão
Não por querer
Mas por ser preciso
Caminhar até chegar
A hora de parar
A estrada é longa
Sem parada para o descanso
Mas agora estou calçada
E sigo andando só
Ainda sinto no tato
O calor da sua mão
Que se soltou da minha
Sem me avisar
Meus passos ainda trôpegos
Vão se firmando aos poucos
Nesse caminhar solitário
Mas preciso
Chegará o dia
Em que o meu caminhar
Não mais precisará
Da sua mão
Mas levarei comigo
A eterna gratidão
Do aprender a andar
Que começou com a sua mão
E passado todas as dores
Olharei o caminho percorrido
E acenarei com a minha mão
À sua mão deixada lá atrás...
(Nane-23/03/2015)
O PIADO DA CORUJA
Cansada no meu cansaço
Surto a cada anoitecer
Quando pia a coruja
Um piado de mau agouro
O copo ainda cheio
Espuma acima do dourado
Subindo bolinhas borbulhantes
Embora quentes, num canto
Os dedos estalados a todo instante
Dançando num teclado sem grafite
Sabendo o lugar exato de tocar
Sem ser preciso olhar
Ouvindo o lamento no quarto ao lado
Enquanto as palavras salpicam na tela
Buscando um sentido qualquer
Na cabeça aparvalhada de cerveja
A brasa consome o dorso
Enquanto os dedos seguem inquietos
Aguardando o comando
Pensante e desordenado
Misturam-se as dores
Cabeça e tronco
Na frente e atrás
Enquanto os dedos deslizam
Ditam as palavras
A cerveja e o cigarro
Interrompe o pensamento
O triste lamento
Poesia inacabada
Nascida na hora errada
Abortada no peito inflado
De tanta inquietude
Nem a merda do futebol
Dá vazão a pressão
De como acabar as estrofes
Engasgadas nos gargomilos
E esses dedos inquietos
Teclando a esmo
Tentando poetizar
O que a cabeça não consegue rimar
Cansada no meu cansaço
Sem conseguir descansar
Ouvindo a coruja piar
E tendo que ir deitar
É hora de parar...
(Nane-22/03/2015)
LINDA ME GUIA
Linda, lá vem você
Me lembrar o que esqueci
Linda, no seus trejeitos
Lindos de baiana
No céu o seu sorriso
Ilumina a noite escura
Num eclipse iluminado
De um sol da meia noite
Linda mulher de inspiração
Tão cedo recolhida
De São Salvador
Pelas mãos do criador
Linda a presença que sinto
A me cobrar entre lembranças
Um rabisco nesta data
Que me acostumei a rabiscar
Linda sem nunca te ver
E tanto te admirar
Por ser mãe e amiga
Sem nunca parir
Linda no sonho de tanto brilho
Enfeitada por teus quereres
Miçangas e balangandãs
Terços e guias
Linda me guia
Nas minhas poesias
E onde quer que esteja
Linda...sorria
(Nane - 21/03/2015)
Tigresa
Tigre enjaulado
Encarcerado e limitado
Ruge bem alto
Tentando provar
Que ainda vive
Deita e dorme
Sobre o cimento aquecido
Acomodado por seu destino
De fera presa
Presa que namora
No piscar dos olhos
Correndo livre
Tão fora do alcance
A brisa orvalhada
De outros tempos e cheiro
Agora se assemelha a sauna
Fedendo à desinfetante
Tigre enjaulado
No centro da cidade
Exposto à curiosidade
Sem mais nenhum propósito
(Nane-11/12/2014)
Lava/da/ alma
Não tenho a passividade dos que tem fé
Nem a conformidade dos que creem
Não tenho a aceitação dos que esperam
O prêmio de consolação
Por vezes até tento ter
Mas fala alto meus instintos
Explosivos e repentinos
Que me fazem blasfemar (ou cobrar)
O que a vida fez de mim
Ou o que eu fiz da vida
São paralelas tão minhas
Tenho que encarar
No despertar de todo dia
As cobranças em brasas ditas
Queimando o leito facial
Feito lavas salgadas da alma
Que tantas dívidas a serem pagas
Por estranhas criaturas
Colocadas num mesmo espaço
Confinadas num abraço
O amor é latente
As brigas presentes
A morte indigente
Os corpos...pressentem
(Nane-11/12/2014)
No meu interior
E me ofereceram de Natal uma viagem
Até para que eu relaxe um pouco
Recusei...
Maranhão, Fortaleza, Salvador
Um lugar bonito qualquer
Recusei...
Quiseram saber o porquê da recusa
Não entendem que a minha viagem é diária
E o destino...meu infinito
Passagem para lá não há
Nem de ônibus ou de navio
Muito menos de avião...
Vou no pensamento
E é bastante cansativo (a viagem)
Me ofereceram um presente
Um "refresco" pra cabeça
Mas não posso aceitar
Viajo na poesia que mora no meu interior
E vou pra onde eu quiser
Na hora em que eu quiser
Pro céu ou pro inferno
Sem bagagem nenhuma
Agradeci de coração e...
Recusei
(Nane-10/12/2014)
Saudosismo
Posso ser estranha por não gostar da vida,
por me sentir enclausurada,
Por não ter expectativas...
Vi tantas lutas por ela (vida)!
Pessoas começando a viver e já batendo
na porta do céu (?).
Gente querendo sobreviver (e não "viver") a qualquer preço
num corredor gélido que mais parece matadouro.
Vi crianças esfaceladas, sorrindo e chorando.
Mães inconformadas e até uma índia rezando
para que Tupã a livrasse do filho doente e "estragado".
Não vejo a morte como o fim, mas uma volta
ao seu verdadeiro lar.
Sofro sim a falta dos meus que me antecederam
nessa viagem repleta de mistérios, mas aguardo,
sem pressa a minha hora de também ir (de preferência
sem despedidas). Sei também e tento me preparar
(mesmo sabendo que de nada adianta) para o dia
que minha mãe se for (e torço muito para que seja
antes de mim).
Posso ser estranha por não gostar dessa vida aqui,
mas não me tomem por louca.
Sou apenas alguém que sente saudades de casa...
Não necessariamente sou triste por não gostar
da vida aqui.
(Nane-09/12/2014)
Sem promessas
Não te prometo uma poesia
Por não poder te "escrever"
Com a mesma intensidade
Desse olhar tão expressivo
Não te prometo uma poesia
Por não ser capaz
De fazê-la tão bela
Quanto a tua beleza
Não te prometo uma poesia
Por não ser poeta
Que te tem como musa
Mas se encanta quando surges
Não te prometo uma poesia
Por só saber (um pouco) rabiscar
Quando deparo com a beleza
Estampada em teu olhar
Não te prometo mais nada
Além deste rabisco
Que se não é obra prima
Está enxertado do meu mais profundo...carinho
(Nane-09/12/2014)