Coleção pessoal de naenorocha
SAIR DE VENETA
Sair, só por sair
Não é da noção de nenhum mundo
O que farejo aqui tem o cheiro de lá
Por em prova a minha cabeça
Temo perde-la e não mais encontrar.
Sair com a convicção da ponta da estrada
Me fortalece, a minha vida ter a noção
Do que distribuem por lá
Se não estão em litígios os outros de lá
E venham a me confundir com seus desafetos
E eu não levo nenhuma arma
Nem empunho a armadura
Que me preservem dos dias.
Sair só por querer
Não releva o meu nascimento distante
E ninguém me conhece por aqui
Sugar do tempo esta revelação
Me foi doída e de nada serviu
Porque eu sou a própria imagem
De todos os dias que levo
Do que tentei e não consegui
Não para mim, nem para os outros
Comboios o que me levas
Deixas o meu nome, no livro dos sumidos
Não leva a minha razão nem os meus olhos
Não cabe nos teus surrões
Ima parte dos meus sonhos
Sair só por sair,
Sem sentir, melhor ficar por aqui.
UM DIA, DOIS DIAS
Um dia sonhamos ser
Outro dia queremos nascer
Romper a cortina que dá para o mundo
Um dia queremos ter
Um leito e um amor que vigie
Um dia queremos cifrar
A música de nosso afeto
No pentagrama que não sabemos ler.
Outro dia queremos ser astronautas
E voar muito além da lua
E nos precipitar na descida leve
Um dia sonharemos ricos
Carregados sob os ombros de outros
No comboio de desconhecidos.
Um dia aspiramos ouro em pó
Em outros dias espirramos cristais líquidos.
E nos entregamos à fraude da manipulação das horas.
Um dia sonhamos num país abastecido
Outros dias reconhecemos que nada disso
Nos interessa, que só tem valor o sonho.
Um dia queremos a passividade
E nos dispomos a não tocar em nada
Porque nada é nosso
E não podemos guardar.
Um dia, um dia, dois dias.
Dia de chuva, dia de sol
Dia de não se ver o arrebol.
E entendemos a nossa voz bemol.
INACABADO
Tudo o que pretendo feito
Fica sempre inacabado
As respostas que me dou
Algo na continuidade oco
E não será permitido
Partido de mim o maior sentimento que conheço
Ou o único dessa coleção.
Sonho e não prevejo nada
Durmo desassossegado
Olhando sem piscar
Os acontecimentos no mundo
Sonho por desatino dos pensamentos
Que alimento na conversão dos valores.
Quero ser um santo
E não provar nada do que não seja abençoado
E que eu não veja a cruz no centro.
E nesta convenção do céu com a terra.
Por força me esperam lá encima
E os meus devaneios são escadas invisíveis
Caminhos já percorridas
Não espero a alternância dos dias
Nem a permutação do batalhão em prontidão
E sempre assim como me refaço
Não lembro nas minhas visões.
Sempre é alheio o meu alimento
Todos os dias me são sacrifícios
Que, certamente iniciarei
Só começo, não terminará.
PÁSSARO
Existe dentro de mim um pássaro
De caráter improvisado
Um pássaro de uma só cor
Esverdeado quando é notado
E de uma cor alheia
Quando emudece a precaver minhas fronteiras
Neste tempo de voz calada
Não tem canto, nem tem encanto.
Eu já gosto do caráter repentino
Porque ao seu tempo
Quando quer me agradar
Ele canta as minhas infâncias e o meu mundo
Que já tive, como donatário, de papel passado.
Quando eu era criança o mundo
Era do tamanho do meu quintal
E tinha quatro fronteiras
Dos limites, astuto que nos impunha.
O pássaro cantava e me agradava
Eu tinha no meu mundo pessoas sensatas e alegres
Alegres e diplomatas.
Agora quando avisto um pássaro
Num oitão de uma casa velha cantando na minha espera
Eu fico a vislumbrar o seu canto e me inebriar
Se ele tem as penas esverdeadas.
O pássaro porém, não lembra
Que já morou no meu coração
De que já foi meu um dia
Que por ser o meu, por meu desatino
Ele pegava vôo muito acima.
Mais alto que tudo, adiante mais que as nuvens
Aquele pássaro já foi meu
Hoje adulto é das alturas.
MUNDOS
Porque me perguntastes
Que beleza eu abraço como minha
E por igual que se sugere
São da generosidade de dois mundos
Que valem o mesmo peso
E a mesma medida.
Um onde eu passo triste
Como uma árvore
Que derrama todas as suas folhas
Na estação diferente ou pelo tempo
É o mundo em que acolho
E passo dias me desviando
Das correntes de ar
Que batem em minha pele fina.
Passo para outro mundo
O mundo que em tudo muda
E me acoberto de flores amarelas
Este tempo eu fico na alegria dos ventos
Que encarecem os meus dias
E eu cultivo outros brotos
Como um pai natural
Alguém que se atém a espera da beleza
Como um tempo sorridente e próprio.
FUGIDIA
Não ultrapassei do teu nome
No caminho sem desvios
Nem pisei em tuas margens
Quando me chamavas
Pelos teus olhos
Guardarei a lembrança
De uma negrura que retive
Na minha cabeça para sempre
O teu riso, ainda me lembro
Guardei-o em os meus ouvidos
Agora te escuto quando te avisto
Do teu nome porem arrependo-me.
Antes de ver-te Aurora
Eras o nome da primeira luz
Agora és farpas nas minhas mãos.
Carências, és meu desejo
Um brilho que se ostenta na solidão
Rente ao mais alto cume
De onde grito teu nome.
És uma torre além das nuvens
Construída para os teus olhos.
Não quero agonizar o castigo
Que o teu nome me impõe
Como uma crença medieval.
E tu completas
Com os teus olhos e o teu nome.
Desabrigas a minha alma
E sais com o meu coração.
EXTRATO DE AMOR
O meu amor tem encantos que outros não tem
Tem as coxas grossas
O andar suave como o de uma bailarina
Voando sobre o linóleo
O meu amor tem os olhos lapidados na água
Com sua candura imprevisível.
Meu amor tem a fala
Que se entende pelo olhar.
Meu amor segue um caminho
Que é o mesmo meu
Antes de mim
Como um anjo cuidadoso.
Meu amor pinta as unhas da cor carmim
A cor da promessa que os outros não entendem.
Meu amor não é muito alta
Nem baixa que alguém perceba
É do tamanho da ribalta
De onde se ouve o concerto inteiro.
E do perdão que se aconselha.
Meu amor tem meus cuidados
Da forma que cuida de mim
O meu amor não é pesado
É do tanto que carrega o meu coração
Leve... E corre por todo os rios
E se abre dentro de mim
Como uma fecundação sem riscos
E da extrema felicidade.
GOLFINHOS
Não é uma por nos festejar
Que os golfinhos de Fernando de Noronha
Nos assediam, como brincam
Neles tem o medo de que nós
Desejamos num relato de bordo
Seguir como conquistaram e se impuseram
Nossa nobreza falida
Eles temem por eles por que já sabem de nós
E de nossa visão direcionada do arpão
E assim, um batalhão nos segue
Como quem quer que os desocupemos
E nos aportemos fora de suas famílias
Enquanto o mar não se findar
Já noutras terras.
Aqui é o encanto deles
A lua sorri pra eles e já são cativos
Também das estrelas
Que continuam pelas águas descobertas.
E quem protege o coração contra o feitiço
Da liberdade de bater bem como quer
Esses peixinhos são por Deus também pessoas
E por isso lutam
A ver o mar entregue.
Ali eles nasceram se amaram
Como gente comprometido
Com o amor de fazer tantos alaridos.
Chega a noite e com a mesma visão líquida
Eles se aportam na calma do mesmo mar.
CIRCUNFLEXO
Quando me chegas colada a mim
Eu te afianço os cuidados das minhas mãos
Como se fora uma ode para ti
E me esguicho frente aos teus olhos
Tornando-me rio de águas de cristais.
Para o meu infortúnio
Tu pouco me abraças
E neste desejo calado
É que eu te amo amordaçado.
Me ponho a olhar para o meu jeito
Nma postura bem comum e torturada.
Entregues a ti, os meus braços me castigam
Refreio em minha boca algum gesto
E me perguntas: como vais comer
Como vais beber do que tu gostas
Como, depois, desta besteira
Vais acariciar novos amores?
Recostado em mim na posição de escora
Um anjo dorme seu sono do céu
E quando acordas da premonição acertada
Falas o meu nome e me dá-me
Tudo o que tinha apagado de mim
E tudo o que me fazia falta.
É preciso tocar as palavras
Como quem experimenta sonhos
A que se exercite o seu sabor
Que a escrita inteira tem.
É imperativo esta harmonia
Na poesia nada se estanca.
Ou exageradamente continua
Se não temos o tamanho da palavra
E o seu sentido
Na remoção de sua fragrância.
De forçoso impacto da letra no papel
Assim se justifica o peso que nós somos
A disritmia do compasso que queremos ter
E damos a poesia a afeição da gente
E terminamos a andar ao lado dela
Que por elas já nos impulsiona amar.
É necessário amar a escrita
Para nos tornarmos íntimos do amor
Que o amor é típico das letras rimadas
Esperançosas as graças omitidas
E o que fizermos será por nossa conta
A palavra, o seu sentido
As batidas do coração
E isto povoará a nossa necessidade
De darmos nome à palavra
Amar e ao amor.
VIDA
A vida é pra ser consumida
Cada dia como se o porvir
Não nos interesse
E o passado não houvesse.
Como um vinho agradável
Que se bebe gole a gole
Sem enxertarmos nela
As sombras de outros dias
Tentando o seu sabor
De cada gole de cada dia.
Quando a alcançarmos
Já estaremos trôpegos
Vendo o tempo decadente
Por nossas lutas e sabor
Contando, e lembrando
A sua intensidade
E quão diferentes vamos ficando
Nos dias e nos goles deglutidos.
Cada gole de cada dia
Como se nada houvera acontecido
Sem sabermos que estamos
Bêbados, porque estaremos
Sob o efeito do vinho bebido
Dos dias passados um a um
Da forma como contamos
A sequência dos milímetros.
JUNTAI
Juntai-nos Senhor em um rebanho
De forma que revistes e que não corras
As distâncias separadas como um vento que nunca pare
Nós estamos todos perdidos
Na distância e na palavra
E aqui tomo a liberdade de Vos avisar
Usai da mesma ração que todos gostam
E espalhe ao chão do mesmo lugar
A que nos vicie a que todos nós pousemos lá
Porque quando não estivermos bicando a comida
Vamos estar nas redondezas esperando o dia
Juntai-nos Senhor em um mesmo pôr-do-sol
Porque criaremos o vício também do olhar
E porque como o artista criastes o sol poente
Usando todos os pincéis e tintas
Com a intenção de que nestas horas
Todos os olhos do mundo
Se ponham a contemplar a mesma beleza.
Usai desta mesma luz
Para nos encontrar ainda com raios do dia
Para depois fechares as portas
A só abrires no outro dia, que não quero prever.
Abrigai-nos todos no mesmo aprisco
A que todos nós contados e marcados
Estejamos todas as cem ovelhas
Do vosso rebanho multicor.
PRESENÇA
È necessário que se complete a saudade.
A ansiedade de perder e deixar
Ainda é uma esperança para o que esperamos
Se somos aliados do amor e dele nos nutrimos
Num frêmito negrume do teu olhar enciumado.
E temos tudo que possa chamar a saudade sentimental
E não arda tanto, não mexa nosso coração.
A saudade é uma espera aberta
Que nos ama e ama a outrem
E dorme, e acorda, e vai, e vem, conosco.
Se por acaso o amor que sentimos
For da mesma verdade de que amamos
A saudade fica como em desuso
Sem sentido.
E convém não deixarmos de lhe vigiar.
Existe o amor volátil que a gravidade imática
Que fixa no ponto do centro
Que nem a lua em mesmo o sol podem precisar.
O amor vaga além dos limites da terra e do vazio
Acima das nuvens de claras de ovo
E quando ele aporta, foi por esta desventura
De permanecer fora
Mais que o tempo disfarça.
AO OCASO À AURORA
Num abstrato sol que eu estranho
Reside a luz que emana de ti
E que me absorto por jatos de cores
Na temperatura dos teus olhos
Que se deslumbram.
Os homens preferem as noites densas
Por sobre a lua
E elas não são deles
Nem queima
Nem se origina de uma força eletromotriz
A luz avermelhada do sol
Destaca o fogo das caatingas
O maldizer de quem se amedronta e conta as horas
Face da lua toda branca e reticente
Em fases se distrai e passa
Do horizonte dividido em pedaços de estrada.
O sol tem uma estação na mesma posição
E como a velha locomotiva
Não se cansa e precisa de mais gravetos
E quem lhe alimente em sua fome voraz.
A lua renasce em partes por vezes se arremete
À terra por discos voadores.
E nós voamos também além horizontes
No dia pela amarelidão da luz
À noite pelo foco brando do luar.
UMA IDA UMA VOLTA
Buscamos um começo
Para tudo
E nos envolvemos mais
Com esses retornos
Que esquecemos o presente embrulhado
Posto debaixo da cama
Como um despertador de guizo
Que se dispara a cada volta ou a cada retorno
Tanto a volta como o retorno
Podem ser na ida para o começo
E o começo é perigoso tal como é o retorno
O retorno pode ser a ida
Como pode ser a volta.
E neste vai e vem cumulativo
Vemos as mesmas coisas que já vimos
E sentimos tudo o que á choramos.
Não é bom pretexto para rebuscar a si próprio
Não, por que há engano em tudo
E em tudo o tempo tem mexido.
Eu não posso chegar no meu começo
Usando as roupas que estou vestindo
Pois já é uma ofensa à trança da vida
O que aprendemos está incluso em nós
Portanto quando vamos ou voltamos
Não somos aceitos em mais nenhum lugar
Do mundo, que deixamos de cabeça para cima
É tal a confusão que fazemos
E por nossa própria inteligência
Saberemos mais cedo ou tarde
Que negligenciamos ao não vivermos
Cativos aos muitos presentes
Nem nos perpetuamos seguindo-o
Tanto que estamos soltos
No livre fazer, na relação
De tudo o que somos do que fomos.
REFLEXO
O rio às vezes mergulha
Nos teus olhos insaciáveis.
Queres o mar e outras conquistas
O que distingues com o teu olhar
Acedidos nas nuvens precipitadas.
O que tem pra ti no que distingues
Que não haja em mim
Todo refeito?
Meu amor revolve o meu amor
Ao teu coração mais uma vez
Por que mais sofro
Vendo os teus olhos assim
Abismados por outra coisa
Que não sejam os meus.
Eu tantas vezes procuro
O teu olhar perdido
Nas matas ribeirinhas
E lavo e me ponho com o sol
Na desistência do dia
Na enfermidade do arrebol.
Passas agoniada com teu frio
Da ausência de mim a me desfazer
E eu bem que sei ser cobertor
Meu amor volves o teu olhar pra mim
A descrença com que olhas o nada
Descrito entre mim e o cais do rio.
Que sejas teu o semblante do mundo
E que tu o guardes em teus olhos mudos
Porém abranges nesta área oca
Eu que te aceno, eu que te cerco
Eu que sou água e quero ser um inclinado
Para refletir o teu olhar tão lindo.
A NOITE
A noite tem um brilho fosco e nada pensa
Não reflete em tela que se vê
E as suas impressões digitais
Estão no céu bordado por estrelas
E de estrelas é o olhar da noite
Quando comunga com todos a vela acesa
E se expõe e a gente teme, se treme.
Quando enxergamos os contornos da noite
E já são os seus cobertores minguando.
A noite de um olhar minucioso
Em tudo capricha
Pinta da cor negrume o mundo inteiro, num segundo
E em um terço fica nem claro nem escuro
Nem o seguro no escuro é um desconforto ver
Porque em tudo se divisa nada.
A noite tem o poder de enlarquecer-se
De ninguém encontrá-la
E não cuida do seu tempo passado
Às vezes manso e de cordialidades.
De mãos vazias para se por o anel
A noite não teve infância e nem cresceu
Se construiu já grande e circunspeto
Um desapontamento órfão
Uma aventura difícil de se terminar
E nós vamos e ela ficará.
Na roda gigante marcada no chão
O único brinquedo que ela não quebrou.
ENTRA E SAI
Saindo que de dentro de ti
E entrando já em mim
Ficamos por entender o amor
E se complica a relação duradoura.
Que as estações em que se senta o amor
Termina por começar coisas de outros
E uma palavra nova dominar.
Quando sai de ti esta esperança comovida.
Desse frio de desalento
De que ainda não me vistes
E que és uma fraude sem fim.
Quando eu distraído me presto
A conquista
Permaneço ainda um tempo
Tentando saber
Se o que sentes em mim
É do mesmo tamanho que vejo
Que há amor, por todos nós
Ocupando o espaço e a distancia.
Escutar cintilar o amor e sua tortura.
Pegar algo quente dentro de ti
Um lago em mim a te sacudir.
MUDANÇA
Se acaso, abstrato até do que tenho sonhado
Ainda estou neste mundo só comigo
E, sincero ao que já não serve nada
Pelo mesmo caminho, quase à metado sigo.
Domina em mim desfeito o que já contei
Como meus sonhos aberto que falava
E muito pouco daquilo que provei
O amargo e o doce do acordo programado.
Aí me solto, abro as mãos e tudo largo
E conto o tempo, nutro a minha aparência
E me confundo se fora tudo sonhado
Ou de verdades que me dói a consciência.
Se em outros lugares a vida teme aportar
E de pequena, se fazendo, triste dormir
Se por encanto a lua e o sol ficam a desenhar
As mesmas dores, esperanças pressenti.
Por acaso lembras daquele dia inverso
Em que te amei por instantes devagar
Não buscava somente amar pelo amor
Mas durar o tempo como os astos no deserto.
Me aprofundavas com o teu jeito lutador
Tuas mãos tateavam o chão de grama
Protegidos das estrelas sem pudor
Me amavas como forte sempre me amas.
Nunca esqueci de tudo o que me dissestes
Ante a maior luz que imperava altiva
A lua a amante dos desertos dos poetas
Não tivestes cerimônia com o teu olhar cativo
Nos saímos já com o primeiro sol
E agora minha eu te contemplava inteira
O teu batom saíra de tua boca e agora
Ficaram os meus pintados de aurora.
Tenho ainda aberto em minha reminiscência
O tempo contado em todos os dialetos
Por que por todo o mundo não vi clemência
De me lembrarem mais de ti o meu afeto.