Coleção pessoal de MariadaPenhaBoina

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Luso-fusco

É tarde de final de verão
Clima ainda quente, ardente,
O dia cai numa rapidez de torrente,
Nesse crepúsculo que precede ao anoitecer.
Indago como fica a ternura nesse ocaso,
Numa intriga perene,
Literalmente, aguada.

O laço e o nó

Houve um enlace entre o laço e o nó
Triste acontecimento
O laço deve unir num desate
O nó retira a autonomia.
Que exista somente o laço
Mantendo a complacência entre seres
Mate o nó, para que exista alforria.

Sempre que entro no elevador e subo, os pensamentos voam e tenho a sensação de subir aos céus, quando desço, chego ao térreo.

Sempre que toco com a ponta do dedo indicador na água uma gota se prende. Fixo os olhos e vejo a minha vida a passar dentro dela.

Limitação

Tenho uma coisa assim, sentida,
Que não pode ser entendida
Mas causa desilusão.

É de fato coisa séria
Traz sensação deletéria
Que melhor, não professar.

Caminhando com graça, vou seguindo,
Com diadema ornando a cabeça
E os pés encaixando na estreiteza,
Entre as valas do caminho.

Verdugo

Foram tantas as injurias
Foram tormentas ensurdecedoras
Que matou o prazer
Em que se deliciava
O imolado morreu,
Gritar, não é mais preciso.
Por certo, sente um vazio,
Escapou entre os seus dedos
A sua sensação mais deleitosa.
Não sofra por essa perda
Novos caminhos sempre se abrem
Para outros desatinados.
Viver de rancor é a sua bravura.
Portanto, não fique abatido,
Sua caça não será debalde.
Para os seus gritos
Outros ouvidos
Entrarão em dissabores.
E como carrasco que é
Deliciar-se-á certamente
Na perversidade que irás causar
No próximo desavisado.

Segregada

Por estar sentada, trabalhar, construir e pensar
Escrever e exaltar sentimentos inerentes ao meu ser
Decidir, externar, incomoda?
Sim, torno-me inoportuna.
Sei que sou pouco, quase nada,
Diante de tudo que me circunda.
Mas ser capaz de corroer minha essência
Através da inveja e críticas infundadas
Pela fala que fere mais que bala.
Não, assim não vale nada,
Não poderei tirar proveito desse juízo
É ironia impensada
De quem julga livros pela lombada.
Diante de tão pequeno discernimento
Dou imenso valor em estar segregada.

Monstro

Homem que possui o domínio
Eleva-se de formosa ternura
Com palavras simples e agradáveis
Emana a delicadeza das plumas,
Olhos claros, límpidos,
Que encanta o feminino
Com os louvores da doçura.

Homem que o domínio perde
No cume do ciúme enraivece
Como fera ferida enlouquece.
As paredes ressoam sons monstruosos,
Torna-se pétreo à doçura
E olhos matam as pessoas que mirar.
Mentecapto na humanidade já insana.

Maria

Desistiu do teu jeito empertigado
Tudo toca no teu íntimo
Desse mundo conturbado
Amarrotado, desconcertado
Intricado e mal amado
Que não há quem possa conduzir.
Ah! Maria, Maria
Sempre esteve no teu âmago
Sem contrariedades
Que sempre foras
Especificamente cosmopolita.

Sem analogia de almas

Sou puro sentimento, sou mulher,
É na constância sentimental que alimento a minha alma,
Os céticos que a lê, dizem que em mim não existe.

Digo com solidez que a vida não é arbitrária,
Tenho como princípio o antagonismo,
Para alimentar o meu sentimento, ajo com a razão.

Sou uma imperfeição de pessoa
Tenho como causa primária às exceções
Profano as regras capazes de eliminar a minha abstração.

Quem comigo conjumina, leva-me a uma triste impressão,
De tirar-me o privilégio do desvio, do habitual.
Quem clarividência minha alma, elimina a minha consciência sutil.

Não aceito esse dogmatismo que dissimula a minha regalia
Sou uma semideusa, assim, onipotente,
Tenho uma alma conceitual sem similitude.

Arlindo Vida’Boa

Arlindo Vida’Boa fugiu da crise econômica de seu país,
Veio tentar, outra vida boa, aqui pelo Brasil.
Fincou pé numa metrópole, de águas quentes e boa brisa,
Esqueceu-se de se abstrair da realidade convincente, das grandes capitais.
Os arredores são cruéis, não são pintados a pincéis.
Arlindo Vida’Boa!
Não é de brisa que se vive em terras de coronéis.

Espírito Santo

Espírito Santo, Estado da região sudeste,
Que no mapa do Brasil quase não aparece,
E que deve mesmo ter o “espírito santo”
Para não ser engolido pelo Atlântico.
Tem por capital o nome de rainha
Vitória, vulgarmente, Vitorinha,
Menininha lindinha
Misteriosa, uma ilha.
Aqui nascidos, somos tupiniquins,
Capixabas do roçado para milho e mandioca.
Os nativos com os imigrantes se entrelaçaram
Formando uma raça compatriota.
Dos imigrantes, o quê dizer?
Português a procriar
Formando a etnia popular.
Raças puras... Os alemães a labutar
A beleza italiana
Para o mundo se encantar.
Têm as praias, que lindeza!
A Bacutia, com a sua elegância,
É das pessoas belas da nobreza
É de entusiasmar.
Quem aqui vem, nunca mais volta,
Porque aqui, Deus não escreve por linhas tortas,
É o “espírito santo” a comandar.

Criticidade

Aos tolos e iletrados
Falsos leitores de poesias
Julgam-se interpretes inatos
Na sua horrenda analogia.

As artes nascem de esforços hercúleos
Da solidão à perseverança
Engaiolada num verão de janeiro
Desabrocha a criação.

Muitas vezes vivo o que escrevo
Momentos que trago à clausura
Outras vezes do nada sai o pensamento
São palavras que se amoldam com formosura.

Os asnáticos nunca saberão
O que escrevo é somente à minha interpretação
O que eles leem...
Não é mais a minha poesia.

Corrupto

No mais nobre terno de linho branco
Caminhando no deserto vazio
Cabeça alucinada
A duna era um palco.
No seu topo e decentemente
A boca seca como depois de um porre
De aguardente
Declamou versos de Bandeira
Às areias infinitas.
Testamento era o poema
Sentimento agonizante da vida
Malfadado, desventurado
Calamitosa sina.
Reina o condenado
Com acabrunhada colheita
Dum monólogo terminado
Sem aclamação.

Silêncio perverso

Ações são acontecimentos naturais,
São as previsibilidades conforme as assimetrias
Que quando passados algum tempo
Tornam-se plausíveis.

Quando a fala articula argumentos
Extravasam-se inquietudes perturbadoras
Entra-se ao final em cooperação mental
Num entendimento consensual.

A voz deve dizer o que não se quer escutar
Ao anunciar muitos dissabores
Mas, pior é o mistério e inação,
Que prepara golpes aniquiladores.

Atormenta muito, o mundano silêncio,
Feito, integro por perversão,
Porque quem cala, consente a alguém imaginação,
E nessa calada, escuta-se golfadas de intenção.

Amor II

Seu amor, amor!
É amor frágil
Amor possessivo
Amor pequeno demais.

Seu amor, amor!
Não é amor de luta
Amor consistente
É amor de pouca labuta.

Seu amor, amor!
É amor para as "Helenas"
Pessoas pequenas
Com pequenos dotes que lhes interessam.

Seu amor, amor!
É amor arranjado
Amor dependente
Amor de boteco.

Seu amor, amor!
É amor passageiro
Amor de agradecimentos
Não é amor das Marias

Meu amor, amor!
É amor que suplanta as suas baixas ideologias
Que perdoa a sua insignificância
É amor cá de dentro.

Para o seu futuro amor, amor!
Não serão os haveres aos quais pertence
Que superarão as suas dores
Sempre serei eu, que estarei aí dentro.

Amor I

Sinto por ti, amor sobre-humano,
Amor que estas palavras não descrevem
Amor de sentimento mais que profundo
Amor que o próprio Deus desconhece.

Sinto por ti, amor!
Amor cá de dentro...
Amor de loucura e sofrimento
Num campo de força intransponível.

É tão grande o meu amor, amor!
Que não admite o teu sofrimento
Amor que fala tão alto e sem orgulho
Que é incapaz de deixar-te sem alimento.

Sinto por ti, amor!
Amor acima do meu tormento
Acima da dor que o meu corpo recente
Sinto por ti, amor! Amor cá de dentro...

Pano de fundo

Saltei da tristeza à alegria
Qual foi a magia?
Foi o meu blefe à cilada.
Resgatei a variável
Do modelo, já descartada.
Foi no aguçar do pensamento
Que reformulei todo o problema
Com interações complexas do esquema
Simulei a resposta mais convicta
De não mais dar o próximo passo.
Deixei o estratagema intacto
Devolvi sutilmente o drama ao íntimo
Do infeliz criador do artifício,
Ficando por inteiro enredado.

Perturbação

Eis que se abriu a primeira cortina
Nada vi naquele palco
Fiquei a espera e observando
O velho tecido que não sacudia.

Eis que se abriu a outra cortina
E nada vi naquele palco
Escutava a música de fundo
Inalando o mofo que ali envolvia.

Eis que se abriu a terceira cortina
Nada vi naquele palco
Um zum zum zum acontecia na plateia,
Reduzi-me a ler o encarte da peça de teatro.

Eis que se abriu a última cortina
Novamente, nada vi naquele palco,
Agora havia um silêncio aterrorizante
Mas era esta, a peça no teatro.

Retrocesso

Relembro
Recapitulo
Resmungo
Retenho

Recomeço
Retorno
Regenero
Renego

Reconstituo
Reviso
Repito
Recuo

Rebroto
Remonto
Reanimo
Rememoro

Peinha

Muito prazer sou Penha
Intitularam-me Peinha
Uma coisinha sem senha
Que não se embrenha.

Muito prazer
Sou quem equilibra a barrenha
Na péinha
Não tem quem detenha.

Muito prazer
Gosto da sombra da carrasquenha,
Tampouco me importo
De vestir-me com estamenha.

Muito prazer
Sou pequenininha
Se contenha...
Que não sou inhenha.