Coleção pessoal de michelletrevisani
Tapou os ouvidos, mas não adiantava: os olhos viram os lábios apertados dele dizendo que terminara. O amor terminara. A doçura, o calor, as risadas... terminara. Os ouvidos foram poupados, mas o coração desmanchava. Ela balançava incrédula a cabeça, numa tentativa de negar o silêncio dito pelos lábios dele. Ás vezes o amor tem avessos – inexplicáveis avessos.
Algumas reticências que cabiam nas mãos. Cicatrizes que se misturavam a novos sentimentos. E apesar dos longos silêncios, apesar da espera, era só você aparecer que tudo virava sorriso. Era como se o amor fosse um cachorrinho adestrado. Se esquecia do passado, se deixava comprar com um carinho.
Não reduzi minhas expectativas. É que aprendi a direcioná-las. Por exemplo: já não espero que você cresça, e também não espero que estas babaquices terminem. Resolvi partir para outra, outro sonho, outra encrenca.
'Preciso só de você', ela dizia incansável. Quando ele insistia em colocar retalhos e outras formas de necessidades na vida dela. 'Só de você', ela repetia. E ele não entendia como uma garota conseguia viver só de amor, necessitar só de amor, e mais nada.
É que a gente comete estas besteiras ás vezes – se arrepender. Quando tomamos conta da brevidade da vida, já é tarde... e tanto arrependimento por impulsos e sentimentos ficaram guardados e enterrados nos minutos que passaram – aqueles que ninguém mais se lembra...
É que já perdi tempo demais pensando se arrisco ou não arrisco. Já perdi tempo demais imaginando nãos. E fui me desfazendo em metades que são dúvida, em metades que nunca se completam, por medo de tentar.
– num abismo de múltiplas máscaras: eu, meus sentimentos e minha vontade. Se cumprimentam, se esbarram, disfarçam.
Deixe que brilhe estas dores contidas neste pote de estrelas. Não descarregue suas lágrimas assim... não deixe que cortem teu semblante. Sorria – e se não tiver motivo, sorria pra mim.
Tenho desejos. Tenho medos. Tenho anseios. Tenho você – inteiro e a hora que quero. Mas por quanto tempo? Quanto dura a felicidade? Quanto dura a certeza? Tento ser leve, mas essa estúpida indiferença do acaso me aprisiona.
Desejo de hoje: perturbar não é legal, então Senhores Problemas, façam o favor de botar o pé na estrada e esqueçam de minha pessoa no próximo ano. Não, não inventem de dar uma passadinha rápida nem para um cafezinho.
Senhores sentimentos, a baderna em meu coração está imensa. Favor pararem imediatamente com essa barulheira, pois: não estou conseguindo dormir – olheiras passaram a ser companheiras cotidianas; já não consigo diferenciar vozes – a maioria de vocês grita muito, abafando a sanidade; quem disse que era para trazer bebida alcoólica?; meu estômago vive embrulhado e já não sei se é pelo espaço que vocês tomam – acabam ultrapassando as barreiras do coração, que já é um lugar bastante razoável e privilegiado, ou se é porque convidaram estas borboletas infernais, que estão fazendo inclusive novos casulos – multiplicam-se atrozmente as infelizes; - Temo ainda que estão fazendo a razão de refém.
De certo nunca estamos inteiramente preparados. Mas se aquele pedaço de mal caminho pega no nosso braço de jeito e fala: 'Vem comigo', eu digo: 'Vou, vou sim' – e nem pisco!
Peguei o trem da liberdade, mas ele só trouxe saudade, saudade de ter você aqui. Tentei fugir, tentei driblar as lágrimas, mas uma enxurrada de imagens suas turvou o meu olhar. E o vento tolo, agora me acaricia, como seus dedos um dia fizeram... e foi como tocar o céu num minuto de sanidade. Mas é tarde, e eu tenho que partir. É tarde pra desculpas pedir, é tarde pra nos reconstituir.
Meio-dia e uma saudade apertada. Pensei que era fome: comi. Mas não era. Tomei água, abri um doce. Ainda apertava. Afrouxei os cadarços do tênis. Me afundei no sofá. Dormi. E o sonho veio logo, me abraçando com imagens suas, imitando sua voz – quase agarrei seu cheiro e o trouxe pra perto – mas ele voou. Acordei. Algumas flores frescas esperavam sobre a mesa. Você sentado ao lado delas, me observava a dormir. Sorria. Eu retribui o riso, toda abobalhada. 'Sonhava com o que meu anjo?' - ele disse. 'Com a saudade' – concluo. E a matei num abraço longo e perfumado. Um abraço que matou a fome da vida inteira.
É assim que espalho minhas delicadezas. Beijando de vagar quando dá vontade. Abraçando o céu, mesmo tendo braços tão pequenos. Colhendo estrelas pelo caminho... esfrego-as docemente contra a pele – e brilho.
Parabéns otário. Você acabou de estragar uma roupa minha inédita com este jantar desgraçado de ruim (que mausoléu é este meu filho?... Há entendi – comida barata!), com estas furtivas olhadas no relógio, com este papo nem um pouco atraente. E ainda se oferece com o olhar mais cafajeste que já vi na vida a me acompanhar até em casa. Olho incrédula: 'Para quê?' - me pergunto. Levanto da cadeira batendo fortes os pés. Não olho para trás. Me retiro.
Não faz vista grossa para o amor que carrego. São múltiplos, bem sei. Mas quem disse que amor é só de um único jeito? Quem disse que o amor é um sujeito sossegado, que se contenta só com um beijo e que é redondamente coberto de razão? Os amores que tenho – são meus, não os nego. São diversos, são loucos, tontos, são inteiros e meios. Mas são amores – me alegram, me preenchem e, o que faz todo o sentido: me perturbam. Sou doida por esse desassossego.
'Vamos?', ele disse. Peguei em sua mão. Ele parou vacilante. Olhava fundo em meus olhos, como se buscasse alcançar estrelas. 'Espere, vá você na frente'. Perguntei confusa: 'Por que?'. Ele: 'Porque a direção é você...'
Desejo de hoje: comer aquela macarronada sem culpa. Escultar um pouco de música chula, só para mexer o corpo e extravasar. Ler um livro de piadas, sorrir um pouco e esquecer aqueles imensos problemas que me assombraram o dia todo.
Vale à pena estar aqui: por mais um dia respirando pertinho de você e sentido seu abraço solto me fazendo sorrir. Vale à pena sentir o calor do seu corpo me envolvendo e aquecendo, vale à pena estar entregue por mais alguns momentos, esquecendo os problemas cotidianos, esquecendo que sou minha...