Coleção pessoal de marcossiqueira
LUÍZA, A MULHER QUE NOS ENSINA
Luíza é o seu nome. A dor que sente não tem nome. Brota das razões mais secretas da alma. Coisa de mãe, coisa de gente que soube recriar o mundo a partir do próprio ventre. A maternidade coloca as mulheres numa parceria invejável com Deus!
Luíza contou-me rapidamente sobre sua dor. Eu não pude ver os seus olhos, mas pude escutar sua alma.
O seu filho de 30 anos, médico, oficial da marinha estava morto. Vítima de uma fatalidade, perdeu a vida ao atravessar um cruzamento em Florianópolis.
Depois que ouvi Luíza eu fiquei pensando no mistérios das perguntas que nos rondam, toda vez que a dor vem nos visitar.
Fiquei tentando entender o quanto deve ser difícil para uma mulher ter que protagonizar a imagem da Pietá, a virgem que segura o filho morto nos braços, aos pés do calvário.
Recolher o filho do chão, aconchegá-lo ao colo e despedir-se dele definitivamente.
A crueza da cena é uma proposta ao silêncio. Arranca-me do mundo das palavras, das respostas prontas e faz-me sentar ao chão, ao lado da mãe, para que eu possa ouvir sua respiração ofegante de dor.
Arranca-me dos meus livros, da minha Teologia sistematizada e convida-me a sujar-me na terra do calvário, onde o sangue do filho mistura-se às lágrimas da mãe.
Mistura diferente daquela que o trouxe à vida, quando o seu sangue circulava dependente do sangue da sua primeira mulher.
Lágrimas diferentes de tantas outras já derramadas. Lágrimas de alegria por ver o filho dar os primeiros passos; lágrimas de preocupação em noites em que ele demorava voltar pra casa. Lágrimas de vitória, quando em noite especial e de gala, aquele garoto crescido, que até tão pouco tempo lhe confiava os joelhos esfolados de futebol, de quedas de bicicleta, agora estava pronto para medicar as dores do mundo.
Um filho especial, como ela mesma me confiara.
Luíza e sua dor. Luíza e suas saudades. Luíza e suas lições.
Fiquei pensando nas minhas pequenas reclamações. Nos cansaços diários que me desiludem e que me despregam da alegria. Pensei no coração de Luíza e quis deixar de reclamar da vida.
O meu sofrimento perde a sua força quando eu o coloco ao lado dessa mulher. E nisso já está a ressurreição do seu filho. Esta dor nos ensina e nos coloca no rumo da sabedoria. Da mesma forma que Maria nos aponta para o sofrimento de Jesus, para que entendamos o nosso sofrimento.
Maria e Luíza são mulheres parecidas nesta hora. Ambas embalaram o filho morto nos braços. Canções de ninar secretas foram entoadas nos silêncios dos lábios. O choro de mãe é oração que tem o poder de mudar o mundo. Só precisamos parar para ouvir...
Hoje, no silêncio de sua dor, pare pra pensar no sofrimento de Luíza. Exercite-se na proeza de esquecer o que lhe aflige, e recorde-se dessa mulher que desconhecemos o rosto, mas conhecemos a dor. Ela tem muito a nos ensinar. Ela é um livro que pode ser lido sem palavras. Ela é um testemunho vivo de que na vida, mesmo nas perguntas mais doídas, há sempre uma esquina que pode nos dar outras opções, além da morte.
Na prece silenciosa que essa mãe nos desperta, permaneçamos.
Amém.
SER PESSOA: PROCESSO DE DEVOLUÇÃO
'O desafio de ser pessoa'. O termo 'pessoa' sempre foi muito usado, principalmente pelos gregos. 'Pessoa', no contexto grego, significa a máscara que o ator usava para interpretar no teatro.
Eu tenho que ser eu. Uma pessoa só pode ser pessoa, se ela é dona de si. Nós temos que tomar posse do que somos. Quantas coisas você possui e ainda não tomou posse? O amor é a capacidade de descobrir no outro o que ele ainda não viu que tem. É como se você tivesse uma grande propriedade e não tivesse a capacidade de andar por ela para demarcá-la, e não a conhece na totalidade. Mas aos poucos vai sendo dono daquilo que já é seu.
Ser pessoa é ser dono de você mesmo, e saber lidar com seu jeito de ser, de amar, de sentir, de pensar, de ter suas limitações e saber o que você pode. Quantas vezes você se dispôs a ser o que não era, dizendo 'sim' onde era para dizer 'não'? Você não teve consciência do que não podia. É o que Jesus sempre fez com as pessoas. Fazendo-as tomarem posse do próprio território, de si mesmas. 'Eu sou dono de mim, e não abro mão'.
Quem é o 'prefeito' de sua 'cidade'? Tenha coragem de dizer aos inimigos: 'Aqui nesta cidade tem prefeito (eu), e aqui não tem lugar para os bandidos. Eu não abro mão do meu território'. E é aqui que Deus trabalha em nós para celebrar a Eucaristia, é para Deus que nos entregamos de novo. Eu sou pessoa, e me recebo de Deus o tempo todo. E Ele diz: "Cuide do que você é. Você não tem o direito de deixar as pessoas lhe roubar". E tem pessoas que te 'devolvem'. A experiência com Deus sempre diz: "Eu lhe devolvo".
Não tenha preguiça de conhecer seu 'território' e saber quem você é realmente. O total desconhecimento de si, não pode acontecer. A pessoa que não é 'pessoa', não tem assunto e sabe tudo o que acontece na vida do outro, mas não sabe de si mesma.
As pessoas que vivem preocupadas com as novelas da vida, se desgastam com pessoas que nem conhecem. Não é fácil compreender o território humano. Se investigar e conhecer o 'porquê' de algumas reações, o 'porquê' aquela raiva foi tão grande naquela hora, o 'porquê' eu explodi com aquela pessoa... É descobrir o 'porque' do afeto que tenho dentro de mim. Você deixa de ser explosiva demais quando toma posse do que é. Tudo isso porque você está em processo de construção. Deveríamos estar com placas dizendo: 'Estamos em obra, cuidado!' É o seu processo de 'feitura' de ser pessoa.
'Não tenha preguiça de conhecer seu ‘território’ e saber quem você é realmente'
Enquanto você viver haverá partes deste 'território' para conhecer. Tantas coisas nos foram entregues, mas se elas não vêm à tona, e nem as investigarmos, tudo o que temos dentro de nós fica sem uso. Quanta coisa preciosa você tem dentro de você e não sabe por quê fica só na superficialidade do conhecimento de si? Quando é que você sabe que uma pessoa se ama? Você só sabe que ela se ama quando ela se cuida, quando tem disciplina.
Que você não morra com seus valores ‘engavetados’, pois Deus lhe dá talentos para que você os use, e não para deixar guardado.
'Eu sou um dom de Deus'. Todos os dias há alguma coisa para você ir atrás e descobrir. Você se recebe de Deus, Ele que me deu esta obra todos os dias. Temos que ser bom naquilo que a gente faz para nos colocarmos à serviço dos que necessitam. Uma pessoa só é pessoa quando se disponibiliza aos outros. Aquilo que recebo de Deus coloco à disposição dos outros. E nisso temos a integração de uma personalidade saudável.
Ser pessoa não é só contemplar o que sou e tenho de melhor, mas ser pessoa é descobrir e cultivar o que tenho de melhor para que outros sejam beneficiados. Como Jesus fazia o tempo todo em sua capacidade de se doar e ensinar, é preciso se doar também. É necessário tomar cuidado para outra pessoa não tomar posse do que você é, pois a partir daí você não terá mais domínio sobre o que é seu. Se não sou capaz de tomar conta de mim, perco meus talentos e não me possuo mais. Quantas vezes você foi machucado nesta vida e pessoas lhe roubaram? Quando não me possuo, tenho dificuldade de ser para o outro, e corro o risco de não ser o que devo ser.
Estabeleça o seu limite. Seja firme!
Hoje é tempo de ser feliz!
A vida é fruto da decisão de cada momento. Talvez seja por isso, que a ideia de plantio seja tão reveladora sobre a arte de viver.
Viver é plantar. É atitude de constante semeadura, de deixar cair na terra de nossa existência as mais diversas formas de sementes.
Cada escolha, por menor que seja, é uma forma de semente que lançamos sobre o canteiro que somos. Um dia, tudo o que agora silenciosamente plantamos, ou deixamos plantar em nós, será plantação que poderá ser vista de longe...
Para cada dia, o seu empenho. A sabedoria bíblica nos confirma isso, quando nos diz que "debaixo do céu há um tempo para cada coisa!".
Hoje, neste tempo que é seu, o futuro está sendo plantado. As escolhas que você procura, os amigos que você cultiva, as leituras que você faz, os valores que você abraça, os amores que você ama, tudo será determinante para a colheita futura.
Felicidade talvez seja isso: alegria de recolher da terra que somos, frutos que sejam agradáveis aos olhos!
Infelicidade, talvez seja o contrário.
O que não podemos perder de vista é que a vida não é real fora do cultivo. Sempre é tempo de lançar sementes... Sempre é tempo de recolher frutos. Tudo ao mesmo tempo. Sementes de ontem, frutos de hoje, sementes de hoje, frutos de amanhã!
Por isso, não perca de vista o que você anda escolhendo para deixar cair na sua terra. Cuidado com os semeadores que não lhe amam. Eles têm o poder de estragar o resultado de muitas coisas.
Cuidado com os semeadores que você não conhece. Há muita maldade escondida em sorrisos sedutores...
Cuidado com aqueles que deixam cair qualquer coisa sobre você, afinal, você merece muito mais que qualquer coisa.
Cuidado com os amores passageiros... eles costumam deixar marcas dolorosas que não passam...
Cuidado com os invasores do seu corpo... eles não costumam voltar para ajudar a consertar a desordem...
Cuidado com os olhares de quem não sabe lhe amar... eles costumam lhe fazer esquecer que você vale à pena...
Cuidado com as palavras mentirosas que esparramam por aí... elas costumam estragar o nosso referencial da verdade...
Cuidado com as vozes que insistem em lhe recordar os seus defeitos... elas costumam prejudicar a sua visão sobre si mesmo.
Não tenha medo de se olhar no espelho. É nessa cara safada que você tem, que Deus resolveu expressar mais uma vez, o amor que Ele tem pelo mundo.
Não desanime de você, ainda que a colheita de hoje não seja muito feliz.
Não coloque um ponto final nas suas esperanças. Ainda há muito o que fazer, ainda há muito o que plantar, e o que amar nessa vida.
Ao invés de ficar parado no que você fez de errado, olhe para frente, e veja o que ainda pode ser feito...
A vida ainda não terminou. E já dizia o poeta "que os sonhos não envelhecem...".
Vai em frente. Sorriso no rosto e firmeza nas decisões.
Deus resolveu reformar o mundo, e escolheu o seu coração para iniciar a reforma.
Isso prova que Ele ainda acredita em você. E se Ele ainda acredita, quem sou eu para duvidar...
A maior prisão que podemos ter na vida é aquela quando a gente descobre que estamos sendo não aquilo que somos, mas o que o outro gostaria que fôssemos.
Geralmente quando a gente começa a viver muito em torno do que o outro gostaria que a gente fosse, é que a gente tá muito mais preocupado com o que o outro acha sobre nós, do que necessariamente nós sabemos sobre nós mesmos.
O que me seduz em Jesus é quando eu descubro que n'Ele havia uma capacidade imensa de olhar dentro dos olhos e fazer que aquele que era olhado reconhecer-se plenamente e olhar-se com sinceridade.
Durante muito tempo eu fiquei preocupado com o que os outros achavam ao meu respeito. Mas hoje, o que os outros acham de mim muito pouco me importa [a não ser que sejam pessoas que me amam], porque a minha salvação não depende do que os outros acham de mim, mas do que Deus sabe ao meu respeito.
Eu sempre acho que às vezes na vida, a gente vive tão mal, às vezes a gente precisa perder as pessoas para descobrir o valor que elas têm. Às vezes as pessoas precisam morrer para gente saber a importância que elas tinham, e isso uma vez na minha vida isso aconteceu. Estava eu na minha casa de manhã, quando recebi um telefonema que minha irmã estava morta, minha irmã mais nova, cheia de vida de repente não existe mais.
Fico pensando assim, que às vezes na vida o ensinamento mais doído seja esse, quando na vida nos já não temos mais a oportunidade de fazer alguma coisa, e o inferno talvez seja isso, a impossibilidade de mudar alguma situação.
E quando as pessoas morrem já não á mais o que dizer, porque mortos não podem perdoar, mortos não podem sorrir, mortos não podem amar, nem tão pouco ouvir de nos que nos os amamos.
Eu me lembro que uma semana antes de minha irmã morrer, ela havia me ligado, foi à última vez que eu falei com ela e eu me recordo que naquele dia, eu estava apressado muita coisa para fazer, e fiz questão de desligar o telefone rápido, sabe quando você fala, mas fala na correria porque você tem muita coisa pra fazer? E foi assim, se eu soubesse que aquela era a última oportunidade de ver minha irmã, de olhar nos olhos dela, de falar com ela, eu certamente teria esquecido toda a pressa, porque quando a vida é assim, e você sabe que é a ultima oportunidade, você não tem pressa pra mais nada, já não há mais o que eu fazer, e essa é a beleza da última ceia de Jesus.
Não há pressa, o momento é feito para celebrar, a mística da última ceia está ali, Jesus reúne aqueles que pra ele tinha um valor especial, inclusive o traidor estava lá.
E eu descobrir com isso, com a morte da minha irmã, q eu não tenho o direito de esperar amanhã pra dizer que amo, pra perdoar, para abraçar, dizer que é importante que é especial.
Não! O amanhã eu não sei se existe, mas o agora eu sei que existe, e às vezes na vida nos perdemos... Eu me lembro quantas vezes na minha vida de irmão com ela, nos passávamos uma semana sem nos falarmos, por que ouve uma briga uma confusão, a gente se dava o luxo de passar uma semana sem se falar, e hoje eu ano tenho mais nem 5 minutos pra conversar com alguém que foi importante, que foi parte de mim.
Não espere as pessoas morrerem, irem embora, não espere o definitivo bater na sua porta, nos não conhecemos a vida e não sabemos o que virá amanhã, viva como se fosse o último dia da sua história, se hoje você tivesse que realizar a sua última ceia, porque é conhecedor que hoje é o último de sua vida, certamente você não teria tempo pra pressa. Você celebraria até o fim e gostaria de ficar no lado de quem você ama. Viver o cristianismo, é fazer a dinâmica da última ceia todos os dias, viva como se fosse o ultimo dia da sua vida, viva como se fosse a ultima oportunidade de amar quem você ama, de olhar nos olhos de quem pra você é especial.
E depois que minha irmã morreu um tempo bem passado, eu descobrir porque eu gostava tanto dessa musica que vou cantar agora, ela não fala de um amor que foi embora, o compositor fez para a filha que morreu em um acidente, então, fica muito mais especial cantá-la e descobrir o cristianismo que está no meio das palavras, por que é assim, quando o outro vai embora é que a gente descobre o tamanho do espaço que ele ocupava.
“Não sei por que você se foi
Quantas saudades eu senti
E de tristezas vou viver
E aquele adeus não pude dar...
Você marcou na minha vida
Viveu, morreu
Na minha história
Chego a ter medo do futuro
E da solidão
Que em minha porta bate...
E eu!
Gostava tanto de você
Gostava tanto de você...
Eu corro, fujo desta sombra
Em sonho vejo este passado
E na parede do meu quarto
Ainda está o seu retrato
Não quero ver prá não lembrar
Pensei até em me mudar
Lugar qualquer que não exista
O pensamento em você...
E eu!
Gostava tanto de você
Gostava tanto de você...
Não sei por que você se foi
Quantas saudades eu senti
E de tristezas vou viver
E aquele adeus não pude dar...
Você marcou em minha vida
Viveu, morreu
Na minha história
Chego a ter medo do futuro
E da solidão
Que em minha porta bate...
E eu!
Gostava tanto de você
Gostava tanto de você...
Eu corro, fujo desta sombra
Em sonho vejo este passado
E na parede do meu quarto
Ainda está o seu retrato
Não quero ver prá não lembrar
Pensei até em me mudar
Lugar qualquer que não exista
O pensamento em você...
E eu!
Gostava tanto de você
Gostava tanto de você...
Eu gostava tanto de você!
Eu gostava tanto de você!
Eu gostava tanto de você!
Eu gostava tanto de você!
Agora o triste da música é que a gente precisa conjugar o verbo no passado, a pessoa já morreu, já não a mais o que fazer, mas não tem nenhum sofrimento nessa vida que passe por nos sem deixar nenhum ensinamento,...tem que nos ensinar, não dá pra sofrer em vão, alguma coisa a gente tem que extrair...extraia o sofrimento e descubra o ensinamento. Se ele algum dia me tocou e me deixou algum ensinamento eu faço questão de partilhá-lo com você agora. Depois da morte da minha irmã eu faço questão de viver a vida como se fosse o ultimo dia.
Já que o passado é coisa do inferno e a gente não ta no passado, muito menos no inferno...resta a possibilidade de mudar o verbo de trazê-lo para o presente e de cantá-lo olhando para as pessoas que são especiais, quem sabe cantando pra ela nesse momento...se ela ta do seu lado, se você tem algum amigo que mereça ouvir isso de você, alguém que faz diferença na sua história...ao invés de você dizer que gostava, você diz que gosta!
Vamos mudar o verbo! Vamos amar a vida! Vamos amar as pessoas antes que elas vão embora!
E eu...Eu gosto tanto de você! Eu gosto tanto de você!
O que da vida não se descreve...
Eu me recordo daquele dia. O professor de redação me desafiou a descrever o sabor da laranja. Era dia de prova e o desafio valeria como avaliação final. Eu fiquei paralisado por um bom tempo, sem que nada fosse registrado no papel. Tudo o que eu sabia sobre o gosto da laranja não podia ser traduzido para o universo das palavras. Era um sabor sem saber, como se o aprimorado do gosto não pertencesse ao tortuoso discurso da epistemologia e suas definições tão exatas. Diante da página em branco eu visitava minhas lembranças felizes, quando na mais tenra infância eu via meu pai chegar em sua bicicleta Monark, trazendo na garupa um imenso saco de laranjas. A cena era tão concreta dentro de mim, que eu podia sentir a felicidade em seu odor cítrico e nuanças alaranjadas. A vida feliz, parte miúda de um tempo imenso; alegrias alojadas em gomos caudalosos, abraçados como se fossem grandes amigos, filhos gerados em movimento único de nascer. Tudo era meu; tudo já era sabido, porque já sentido. Mas como transpor esta distância entre o que sei, porque senti, para o que ainda não sei dizer do que já senti? Como falar do sabor da laranja, mas sem com ele ser injusto, tornando-o menor, esmagando-o, reduzindo-o ao bagaço de minha parca literatura?
Não hesitei. Na imensa folha em branco registrei uma única frase. "Sobre o sabor eu não sei dizer. Eu só sei sentir!"
Eu nunca mais pude esquecer aquele dia. A experiência foi reveladora. Eu gosto de laranja, mas até hoje ainda me sinto inapto para descrever o seu gosto. O que dele experimento pertence à ordem das coisas inatingíveis. Metafísica dos sabores? Pode ser...
O interessante é que a laranja se desdobra em inúmeras realidades. Vez em quando, eu me pego diante da vida sofrendo a mesma angústia daquele dia. O que posso falar sobre o que sinto? Qual é a palavra que pode alcançar, de maneira eficaz, a natureza metafísica dos meus afetos? O que posso responder ao terapeuta, no momento em que me pede para descrever o que estou sentindo? Há palavras que possam alcançar as raízes de nossas angústias?
Não sei. Prefiro permanecer no silêncio da contemplação. É sacral o que sinto, assim como também está revestido de sacralidade o sabor que experimento. Sabores e saberes são rimas preciosas, mas não são realidades que sobrevivem à superfície.
Querer a profundidade das coisas é um jeito sábio de resolver os conflitos. Muitos sofrimentos nascem e são alimentados a partir de perguntas idiotas.
Quero aprender a perguntar menos. Eu espero ansioso por este dia. Quero descobrir a graça de sorrir diante de tudo o que ainda não sei. Quero que a matriz de minhas alegrias seja o que da vida não se descreve...
O Encanto Nosso de Cada Dia!
Ainda bem que o tempo passa! Já imaginou o desespero que tomaria conta de nós se tivéssemos que suportar uma segunda feira eterna?
A beleza de cada dia só existe porque não é duradoura. Tudo o que é belo não pode ser aprisionado, porque aprisionar a beleza é uma forma de desintegrar a sua essência. Dizem que havia uma menina que se maravilhava todas as manhãs com a presença de um pássaro encantado. Ele pousava em sua janela e a presenteava com um canto que não durava mais que cinco minutos. A beleza era tão intensa que o canto a alimentava pelo resto do dia. Certa vez, ela resolveu armar uma armadilha para o pássaro encantado. Quando ele chegou, ela o capturou e o deixou preso na gaiola para que pudesse ouvir por mais tempo o seu canto.
O grande problema é que a gaiola o entristeceu, e triste, deixou de cantar.
Foi então que a menina descobriu que, o canto do pássaro só existia, porque ele era livre. O encanto estava justamente no fato de não o possuir. Livre, ele conseguia derramar na janela do quarto, a parcela de encanto que seria necessário, para que a menina pudesse suportar a vida. O encanto alivia a existência...Aprisionado, ela o possuia, mas não recebia dele o que ela considerava ser a sua maior riqueza: o canto!
Fico pensando que nem sempre sabemos recolher só encanto... Por vezes, insistimos em capturar o encantador, e então o matamos de tristeza.
Amar talvez seja isso: Ficar ao lado, mas sem possuir. Viver também.
Precisamos descobrir, que há um encanto nosso de cada dia que só poderá ser descoberto, à medida em que nos empenharmos em não reter a vida.
Viver é exercício de desprendimento. É aventura de deixar que o tempo leve o que é dele, e que fique só o necessário para continuarmos as novas descobertas.
Há uma beleza escondida nas passagens... Vida antiga que se desdobra em novidades. Coisas velhas que se revestem de frescor. Basta que retiremos os obstáculos da passagem. Deixar a vida seguir. Não há tristeza que mereça ser eterna. Nem felicidade. Talvez seja por isso que o verbo dividir nos ajude tanto no momento em que precisamos entender o sentimento da tristeza e da alegria. Eles só são suportáveis à medida em que os dividimos...
E enquanto dividimos, eles passam, assim como tudo precisa passar.
Não se prenda ao acontecimento que agora parece ser definitivo. O tempo está passando... Uma redenção está sendo nutrida nessa hora...
Abra os olhos. Há encantos escondidos por toda parte. Presta atenção. São miúdos, mas constantes. Olhe para a janela de sua vida e perceba o pássaro encantado na sua história. Escute o que ele canta, mas não caia na tentação de querê-lo o tempo todo só pra você. Ele só é encantado porque você não o possui.
E nisto consiste a beleza desse instante: o tempo está passando, mas o encanto que você pode recolher será o suficiente para esperar até amanhã, quando o passaro encantado, quando você menos imaginar, voltar a pousar na sua janela.
O inacabado que há em mim
Eu me experimento inacabado. Da obra, o rascunho. Do gesto, o que não termina.
Sou como o rio em processo de vir a ser. A confluência de outras águas e o encontro com filhos de outras nascentes o tornam outro. O rio é a mistura de pequenos encontros. Eu sou feito de águas, muitas águas. Também recebo afluentes e com eles me transformo.
O que sai de mim cada vez que amo? O que em mim acontece quando me deparo com a dor que não é minha, mas que pela força do olhar que me fita vem morar em mim? Eu me transformo em outros? Eu vivo para saber. O que do outro recebo leva tempo para ser decifrado. O que sei é que a vida me afeta com seu poder de vivência. Empurra-me para reações inusitadas, tão cheias de sentidos ocultos. Cultivo em mim o acúmulo de muitos mundos.
Por vezes o cansaço me faz querer parar. Sensação de que já vivi mais do que meu coração suporta. Os encontros são muitos; as pessoas também. As chegadas e partidas se misturam e confundem o coração. É nesta hora em que me pego alimentando sonhos de cotidianos estreitos, previsíveis.
Mas quando me enxergo na perspectiva de selar o passaporte e cancelar as saídas, eis que me aproximo de uma tristeza infértil.
Melhor mesmo é continuar na esperança de confluências futuras. Viver para sorver os novos rios que virão.
Eu sou inacabado. Preciso continuar.
Se a mim for concedido o direito de pausas repositoras, então já anuncio que eu continuo na vida. A trama de minha criatividade depende deste contraste, deste inacabado que há em mim. Um dia sou multidão; no outro sou solidão. Não quero ser multidão todo dia. Num dia experimento o frescor da amizade; no outro a febre que me faz querer ser só. Eu sou assim. Sem culpas.
NÃO PENSE DUAS VEZES...
A felicidade é um susto. Chega na calada da noite, na fala do dia, no improviso das horas. Chega sem chegar, insinua mais que propõe... Felicidade é animal arisco. Tem que ser adimirada à distância porque não aceita a jaula que preparamos para ela. Vê-la solta e livre no campo, correndo com sua velocidade tão elegante é uma sublime forma de possuí-la.
Felicidade é chuva que cai na madrugada, quando dormimos. O que vemos é a terra agradecida, pronta para fecundar o que nela está sepultado, aguardando a hora da ressurreição.
Felicidade é coisa que não tem nome. É silêncio que perpassa os dias tornando-os mais belos e falantes. Felicidade é carinho de mãe em situação de desespero. É olhar de amigo em horas de abandono. É fala calmante em instantes de desconsolo.
Felicidade é palavra pouca que diz muito. É frase dita na hora certa e que vale por livros inteiros.
Eu busco a frase de cada dia, o poema que me espera na esquina, o recado de Deus escrito na minha geladeira... Eu vivo assim... Sem doma, sem dona, sem porteiras, porque a felicidade é meu destino de honra, meu brasão e minha bandeira. Eu quero a felicidade de toda hora. Não quero o rancor, não quero o alarde dos artifícios das palavras comuns, nem tampouco o amor que deseja aprisionar meu sonho em suas gaiolas tão mesquinhas.
O que quero é o olhar de Jesus refletido no olhar de quem amo. Isso sim é felicidade sem medidas. O café quente na tarde fria, a conversa tão cheia de humor, o choro vez em quando.
Felicidades pequenas... O olhar da criança que me acompanha do colo da mãe, e que depois, à distância ,sorri segura, porque sabe que eu não a levarei de seu lugar preferido.
A felicidade é coisa sem jeito, mas com ela eu me ajeito. Não forço para que seja como quero, apenas acolho sua chegada, quando menos espero.
E então sorrio, como quem sabe,que quando ela chega, o melhor é não dispersar as forças... E aí sou feliz por inteiro na pequena parte que me cabe.
O que hoje você tem diante dos olhos? Merece um sorriso? Não pense duas vezes...