Coleção pessoal de marcellaprado
Sou em quem grita e chora. Sou eu. Sempre foi. No fim, eu te amei mais, muita mais que a mim, muito mais do que pensei ter sido amada. Eram sempre as minhas mãos que buscavam as tuas mornas, era sempre a tua cabeça deitada no meu colo, era sempre a minha boca que caçava a tua e por você eu fiz até torta! Eu, que acho tão complicado pilotar um fogão, eu que não entendo nada e que não sei ligar nem forno me arrisquei e descasquei quilos e quilos de maça, só para te agradar e ver iluminar no teu rosto jambo aquele sorriso de agradecimento tão compensador. Agradar-te me agradava.
Se a sua vida continua feliz sem mim, que bom. Acho justo. Quando o amor termina só um fica desesperado. Pois bem, fui a escolhida.
Deus me livre escrever como sinônimo para holofote da minha dor. É que não da pra guardar, eu não agüento sozinha. Se eu não vomitasse tudo isso eu enlouqueceria, me tacaria da janela. Ou quem sabe tacaria os outros que insistem nos conselhos clichês.
Sempre sofri quase em silêncio. Escrevo, mas a leitura do que deixo para sempre marcado é baixinha ou silenciosa. Fica na mente, quem sabe na tua. Na minha está tudo tão marcado.
Pois se tinha que ser assim, foi. Aceitei. Nunca gritei, esperneei e tampouco me joguei na tua frente pedindo socorro.
Se agora sofro, choro e tenho saudades é porque aprendo dia a pós dia que o tempo não cura, não ameniza, não ajuda. O tempo só esmaga minhas lembranças e faz minha memória trair aquela imagem antiga que guardo aconchegada no fundo dos meus olhos.
Penso que, se acabou, era porque tinha que terminar. Se não durou foi porque não era pra durar. Se eu fui a escolhida para amar sem limites, era porque tinha que ser assim.
Recordo que quase perdi a voz, e murmurava baixinho que eu ainda o amava de todo o coração e pedia pra que alguém me acalentasse os cabelos, enquanto eu tremia e espumava de tanto nervoso.
Tenho essa mania infeliz da cultura católica de sempre achar o mandante da atrocidade, o ser perverso capaz de cometer o crime.
Deixem-me rebobinar a memória já suja e gasta pelo tempo, que me trai e que luta contra todo meu amor, que agora tem uns pontinhos brancos de mofo. Vou colocá-lo na geladeira – quem sabe não dura mais um pouco? Se eu ficar em silêncio posso tentar ressuscitar as lembranças quase apagadas e te ver assim, um pouquinho, desde o dia que te conheci até o dia que você me mandou embora. É você me mandou ser feliz, se lembra? Pois eu me recordo. Recordo quase que diariamente o dia do fim.
Não quero palavras de consolo, não quero tapa nas costas, não quero chá quente, não quero telefonemas de socorro. Não quero nada. Quero solidão. O silêncio no meu interior é dominador, e não me deixa pronunciar uma palavra se quer, não me movo e não reclamo. Calo-me para o mundo. O oco é meu conforto e minha cama é o meu abraço. Deixa-me quieta, deitada nos braços de Morfeu, sonhando com o dia que te conheci e tentando resgatar a sensação de felicidade que eu tive ao teu lado.
Meio sorriso, noite meio dormida, coração meio partido. Nada me faz contente, por vezes me deixo esquecer que ainda sou gente. E se sou gente por que não consigo viver e entender que o que passa comigo passa com todo mundo? Qual é a razão oculta entre as minhas perturbações que me atrapalham a rotina e me fazem ver apenas a mediocridade da vida? Está tudo cortado, dilacerado. Vou largando os restos pelo caminho. Deixo os meios, quero o fim. Quero logo a solução e a calmaria de Agosto. Julho mal começou e já me cansam esses dias longos, essas noites lentas e as horas emperradas. Que agosto venha mais alegre, menos frio e não tão quente. Pra combinar com tudo que é partido na minha vida, parto também o texto, que hoje fica com meio corpo. Sem começo nem fim. Acho que me acostumei com a falta de ordem, pois que seja assim. Que seja meio. Completa não posso ser.
Como adestrar a memória teimosa que insiste em associar o cheiro do perfume com o dele? Não é possível. As peculiaridades de cada um são únicas, são eternas. Não se pode esquecer. Não se pode lutar contra a vontade de resgatar o amor perdido, a ilusão da felicidade sem fim. Não se pode brecar o riso que invade os olhos úmidos quando falamos daquele que um dia prometeu felicidade e lealdade utopicamente eternas. É preciso aprender a conviver com as mãos soltas, com o olhar ausente, com a cadeira vazia, com o unitário. O amor não é eterno, só as saudades, só a assombração das lembranças. Isso permanece, até o fim, até o último dia, até o último suspiro. Convenhamos – vai-se o amado, fica-se o coração partido.
Tudo passa a ser saudades e um martírio sem fim. Cada coisa toma um significado gigantesco. Ás vezes é melhor não colecionar esses restos. No fim, que fazer com as fotos? Queima-se? Joga-se no lixo em meio ás sobras de comida? Rasgam-se as camisas? Que se há de fazer? Nunca mais visitar aquele restaurante japonês que ele tanto gostava, ou quem sabe evitar aquele filme que a fazia rir feito uma louca esganada? Que se pode lutar contra esse monte de coisa que se torna quase palpável quando o coração é dilacerado em alguns momentos de desespero, em que se procura o outro loucamente, em momentos de saudades absurdas, que a gente invade qualquer buraco, escuta qualquer música que faça lembrar o ser incondicionalmente amado. Como frear as lágrimas diante de um CD que o parceiro tanto apreciava e que dançava desengonçadamente para provocar o riso desenfreado?
É cruel a forma que a memória martiriza aqueles que foram abandonados. Deus do céu, como dói. Tudo fica marcado a ferro e fogo. Tudo ganha um significado incrível, uma dimensão absurda. É duro. É desumano o peso de tudo aquilo que fica sendo sobra de relacionamento.
Eu sinto medo de todos esses resquícios de relacionamento. Apavoram-me todas essas possíveis provas do crime. As fotos, os lugares, os cheiros, as roupas, os paladares. É melhor deletar os vestígios assim que o amor terminar.
Eu costumava ser doce. Não muito delicada, mas ainda restava um pouco de felicidade no meu olhar. Eu era mais gentil e mais bem humorada. De-vez-em-sempre tinha uns perrengues, umas chatices, uns choros, uns sofrimentos, umas paixões mal-curadas, mas era tudo tão pequeno e sem importância. Eu acreditava no amor como em um conto de fadas e vivia bem sem ele. Eu convivia em perfeita harmonia com os amigos bem-resolvidos e não me importava muito em manter um relacionamento sério apenas com a minha cerveja e as minhas noitadas. Eu andava despreocupada e distraída, com a esperança de ser resgatada ou descoberta por um cara bem foda que fosse capaz de me amar como eu mereço. Eu tinha jogado minha sorte no vento e no destino, que acredito pouco, mas eu estava feliz, evoluindo, cuidando da minha vida, dos meus fins de semana com as amigas e cara! Estava tudo bem mesmo. Eu ainda via adiante. Você me pegou na minha fase mais feliz da vida.