Coleção pessoal de lucian1989
Sítio Histórico
O branco veio
explorou o índio, explorou o negro
a construir prédios
que se não prisão, não freqüentaram.
O branco veio
usou o índio, usou o negro
a servir em prédios
que se deu riqueza, não repassaram.
O branco vê
os filhos índios, os filhos negros
a bendizer prédios
que se viu nobreza, sequer pisaram.
O branco vê
que os filhos índios, que os filhos negros
se em nome de prédios
pedem trocados, é pela riqueza que edificaram.
Confissão Baixa
À branquinha,
que é idealistazinha e romantiquinha
lindinha e sensivelzinha
a ponto de saber que estas linhas
se em inhas, antes de picuinhas,
admiração minha
confessada de forma baixinha.
Método Histórico-Crítico no estudo do Inglês
Três coisas não me deixam in:
Incoerência
Injustiça
Inglês Americano
(Estes dois últimos ilustram bem as duas primeiras, mas meu curso não ensina)
Subjetivamente, sem condições
Se a TV
e a União
fazem da Copa
uma ilusão (com algum bilhão)
alguém deitado
em seu colchão
do futebol
abrirá mão (de indignação)?
Se nas igrejas
a doação
é um remédio
e expurgação (da exploração)
alguém que reza
sua oração
será capaz de esquecer o céu
e olhar pro chão (pro seu irmão)?
Se o shopping center
em liquidação
finge fazer
uma inclusão (com um cartão)
alguém dirá
que é ilusão
o poder de quem
compra o seu pão (a prestação)?
Domingo à tarde
de uma nação:
alguém arrisca
revolução?
Olhar justificado
Sempre que há nessa aula Mirela,
obedeço a uma ordem,
pois no quando de sua chamada
o que escuto: “Mire ela”.
Papo cabeça
Minha querida Andressa,
falastes coisas lindas
e se eles acharam feias,
não te esqueças:
o mundo andas às avessas.
Soberania Humana
O Brasil adentra sem licença pedir
ao Haiti que não cabe recusar,
mas ao país cabe restringir
se o Haiti quiser aqui adentrar?
O Haiti vem em paz ao Brasil,
ao Brasil que vai com armas ao Haiti,
mas que humanitária, esta ajuda à sangue frio
se o que se limita é a paz que está aqui?
Pois se há cá, um lugar nesta terra
que a miséria, doença, degradação
antes de haitianos, humanos enterra;
não há pátria, Brasil, Haiti, migração.
Parada pro ir e vir
Os empresários (coitados)
provaram não ter culpa
já que encaram um direito
como algo do “mercado”:
Quanto mais usuários,
menor é a oferta,
aumenta-se o lucro
e o bilhete mais caro.
Mas se ficarmos calados
nós a maioria
aceitamos diminuírem
o ir e vir já limitado?
Estará tudo parado
se o governo não aprendeu
que um direito dito público
não se rende ao que é privado.
Pois sejamos indomados
se aqueles um por cento
decidirem contra nós
os rumos desse estado.
Pelo passe livre
Contra o aumento
Pelo ir e vir
i-limitado!
Alivia-me
Para Lívia Gonçalves
Naquelas manhãs
que eu ia com sono
mecanicamente jornalismo estudar,
alivia-me saber
que aprendia num sonho
o que é fato importante, somente ao te olhar.
Esta mercadoria
Arte escrava,
artista temporal
o que faz o mercado?
Prostitui a ele
pelo capital.
Ontem, hoje não
tocava João Gilberto.
Atingiram a meta
venderam violão
será que isso é certo?
Certo na cultura
que mata o vivo.
E se dá vida ao morto
é pra subitamente
matá-lo de novo.
Pois querem vender
a matéria, o corpo, aparência.
Suprime o espírito,
forja o “não é”,
pra que a essência?
Mas que incompatíveis
matar é pecado.
Matar duas vezes:
moda passageira,
a cultura em mercado.
Este próprio poema (paradoxo eterno),
mercadoria cultural.
Será seu refém
caso no mercado
gerar capital.
Pra Clara
Não liguemos se cá,
entre nós no escuro do bar
a noite vara.
Liguemos se cá no escuro do bar
não estiver entre nós
aquela que é Clara.
Cacique de Guaiviry
Foss’eu levar um adulto,
velho ou criança
me afamaria canibal,
se o homem branco é quem leva
sequer há condição
de julgá-lo cultural.
Foss’eu matar um presidente,
prefeito ou governador
gritariam por “justiça”,
se matam eu mesmo, um cacique
calam-se jornais, políticos:
os índios não rendem notícia.
Foss’eu matar um papa
pastor ou cardeal
enquadrariam os “ateus”,
se matam eu, a xamã
calam-se igrejas, fiéis:
os índios não servem a(pra) Deus.
Foss’eu escrever
neste momento covarde
que o branco me obriga a partir,
diria: sei que a luta
não se faz com o umbigo,
é coletiva e vai prosseguir
pois companheiros de causa,
mesmo que roubem meu corpo,
entendem:
a minha presença, meu grito de luta
desta, sofrida matéria,
transcendem:
“Guaiviry é Terra Indígena,
em frente,
meu povo,
enfrentem!”
Velocidade: Menos Tempo
Racional Humano,
seguiste a lei da física:
aumentaste a velocidade
e no mesmo espaço
há menos tempo.
Encurtaste
anos, dias, horas:
da vida, paciência,
relação, cultura,
lazer, momento.
Se a velhinha atravessa
buzina-se pra apressar:
aumentaste a velocidade
mas não sobra uns segundos
pra esperar o que julgas lento.
Humano, pra que ser racional
se em tudo que avanças
como querendo algo poupar
resulta numa eterna
forma de endividamento?
Amor platônico
Não se mostre como é
que o desencanto me fulmina,
eu gostava do que eras
quando não essa mulher
porque só minha menina.
Em tua representação
eu via o que queria,
tua voz dizia coisas
que com tamanha precisão
parecia que eu sentia.
Mas ao te conhecer
é que me veio outra magia
pois se tu me encantou
é desta forma que é você.
Não lhe cabias fantasia.
Um doce d’ocê
Se somente à vontade
sempre que estiver
tua voz vai oferecer
o doce de verdade
não sendo um qualquer
e é este som d’ocê,
esteja em liberdade
pra que sempre que quiser
com tua voz, me enflorecer
caso não saiba a verdade
este homem quando quer
faz-te eterna ao lhe ver.
Pois se Minas lhe deixou
essa fala bem mansinha
duma forma ritmada,
o capixaba transformou
tua fala arrastadinha
em palavra que é rimada,
pois se o tempo não tomou
teu jeitinho mineirinha
não perca este por nada
porque o mar cá não levou
esta forma gostosinha
da tua fala encantada.
“Uai
trem
pela carona d’ocê
obrigada!”
O doce d’ocê,
no pote-poema:
estais bem guardada!
Não tenho pai
Meu pai me disse um dia
e esta coisa não me sai:
“não sei se ajo certo
como amigo de um rapaz
ou devo ser mais sério,
eu nunca tive pai.”
Não vejo a magia:
se todos são “normais”
briga, não brinca, “boa noite” “bom dia”
todos formais;
no tratar de assuntos, grana, carro, mulher
que passa na rua, meu pai
somos dois imorais.
Te digo neste dia:
não aprenderá jamais
se tu não percebeu
não é assim que faz
porque inventaste um novo amor,
vai muito além de pai.
O poema dos pés descalços
O poeta calçado
só exalta o espírito,
venda a si
e ao seu companheiro
que é explorado
o poeta descalço
sente na pele,
luta e grita
quando ao povo miúdo
só resta o percalço
porque o poeta,
se calça o pé,
fantasia a vida, esquece
que de matéria ela é;
se calça o pé,
jamais sentirá (e denunciará)
o que aflige a “ralé”
já que
calçado
o pé do poeta
não fica no chão;
calçado
o poema só serve
a uma fria erudição;
calçado
lhe faltará boa fé
posto que ao que (e quem) serve o poema
se o poeta
calçado
não o sente pelo pé?
Bilhete
Sob tua presença
- física ou não –
escrevi alguns poemas,
devo lhe confessar.
Este não,
este não é mais um poema
cuja pretensão é escrever
e não pretender entregar.
Este é um bilhete,
um bilhete objetivo
sem vontade de esconder-se
e sequer querer rimar.
Um bilhete endereçado
sem ruídos e direto
cuja função não é, se não
lhe comunicar:
estás a me encantar.