Coleção pessoal de lucian1989
Poema alienado
O poeta escreve
um poema introvertido
tímido, que só à ele
veste-se o sentido.
O militante se estressa:
- escreva o preço do trigo!
Bem, amigo, o meu poema
politiza pelo circo.
Respiro-te
Que os teus ventos,
tal como se descreve,
voem livres e sem notar
quem deles se utiliza
como algo essencial, como algo natural
tal como é o respirar.
Pois tudo que é dúvida
liberta-se no ar.
Presença ou Programa
Minhas amigas,
meus amigos,
deixem em casa o celular
se quiserem ter comigo.
Se não têm presença a dar,
finjam ter um compromisso
ou então se for tocar
diga o preço que é preciso
pois que não saio sem pagar
à quem só pode ofertar
nada além de um corpo físico.
Poema inacabado
Nunca conseguirei
fazer desses poemas
que se dedicam a uma irmã.
Toda vez que começo, na minha mente
é brincadeira de lutinha
ou a briga é de empurrão.
Pois que algo se sustenta
no espaço-tempo
entre o beijo e o safanão?
(Se não este, o amor,
que há entre os irmãos)
Poema do ansioso (c)
O poema que escrevo
é sempre o próximo
que tributo à este.
Sinto o que é próximo
e nunca este.
O poema que escrevo
é sempre o próximo
e na fôrma este.
Pois que será o próximo
senão este?
Remédio
Não tomarei
qualquer desses calmantes
que entorpecem os ouvidos,
que me deixam inquestionável
qual fosse o mundo já moldado
e seu sentido decidido.
Não viverei
como quem navega
rio sem curvas,
como quem voa
num céu sem nuvens,
como quem nega
as próprias rugas.
Prefiro o talvez
ao sempre e ao nunca.
Veja bem,
sequer me exigirei
ser zen pela saúde
sabendo que a inquietude
fez o artista em um temporal
esculpir o corpo de Buda.
Porque não me apartarei
da sinceridade que exige a vida
mesmo que a fantasia inexistida
seja a realidade porque sentida.
Não que eu viva
às vísceras a toda hora
mas prefiro a inquietude
mesmo no ar condicionado
à imaginar o calor
[que deveras faz lá fora.
O remédio da vida:
o calor que nos aflora.
Calar-se
Há momentos,
perdoe,
em que o poeta
quer calar-se.
Fingir escutar; viajar ao longe;
deixar o bar; recolher-se ao quarto.
Mas calar-se,
advirto-vos,
não como um nada a dizer:
silenciar-se.
Calar-se
como um parir-se
à dentro.
Calar-se
como um gestar-se
à fora.
Calar-se
como um grito
no parto.
Porque o poeta,
quando cala,
escuta o apelo, pari
o grito contido silenciado da alma.
Poema explicativo
Como poeta não me cabe
dizer o que é o poema
mais do que já nele fale.
O poema não pretende
nele mesmo esgotar-lhe,
porque s’eu digo
num poema, igualdade
e o leitor é de direita
o lerá legalidade:
de súbito se percebe
que há mais que a minha verdade.
Imita a vida – o poema
como possibilidade.
Virose
O poema é o vírus
de recolher o espírito,
porque é o prazer de soltá-lo
como escrever um espirro.
Prometo até a morte
Prometo, como poeta, não prometer livros
como não se promete o que e o quanto pensar
(desconfio ser um deus
os que aceitam encomendas de consciência livre,
de certo, eles sabem:
o que virá, o que pensará, o que escreverá
e por quanto ainda estará vivo).
Como poeta, vagamente, prometo viver
e viver, leia-se, escrever
posto que viver e não escrever,
pro poeta, leia-se, morrer.
Amor não tem distância
Não existe amor à distância.
A distância está entre pessoas, coisas,
sentimentos não.
Portanto, há pessoas distantes que se amam.
Portanto, o amor é sempre o mesmo, inalterado frente ao espaço,
posto que à pessoas, à coisas, se medem distância
ao sentimento não.
Sentimento implica sempre presença,
e não distância, e nunca ausência.
Custa caro sonhar
Todas as pessoas
idealizadoras que conheci
eram pobres
ou fracassadas ou bêbadas ou loucas
geralmente,
pobresfracassadasbêbadasloucas.
E eu, sem antes entender, já as compreendia.
A não ser meu tio
que ganhou dinheiro
e, apesar de ser ainda bêbado,
deixara de sonhar.
Suicídio vivo
Um dia – viverei da fantasia
e ainda mato
o homem de fato (ou de infarto)
de imortal poesia.
Ode ao Grêmio Recreativo Escola de Samba Arco Íris
Deixei turbilhar essas cores mil
então eu vi o arco-íris que surgiu
Foi por sonhar um mundo menos vil
que a “Simpatia” na avenida ressurgiu
E se hoje a campeã sai do Ibes pro Brasil
é que o verde-amarelo faz parte das cores
[ que a Arco-Íris hoje uniu.
Liberum Media
Se um dia lhe ocorrer
d’um jornalista ouvir gritar
- Liberdade de Expressão! ,
não leve fé no bendizer
se ele está a incendiar
às janelas da redação.
Custo social
O edifício Contemporâneo
em Vitória capital
inovou com sua fachada:
responsabilidade social!
Quanto custou aquela obra
refletido no vitral.
Aos amantes bregas
Quem não sabe
se é romântico ou é brega
pro deboche
é sinal que ainda confunde
Roberto Carlos com Reginaldo
Rossi.
Convencimento
O poeta
nem sempre diz
o que está a escrever,
mas o que sempre quis
poder dizer.
O poeta
pode não sentir
o que revelam os versos,
mas dizes aquilo
a moldar seu devir.
O poeta
por isso
não deve espantar,
se ao dizer ódio
está a amar.
Porque o poeta
mais que fingir
usa o poema
como um eterno
convencer a si.
Metodologia do impossível
O poeta
e seu normal estranhamento
tem poucos amigos,
mas um dia dirão,
por um método,
que fora compreendido.