Coleção pessoal de Lispectoriana
Que se danem os astros!
Não dá pra te amar em uma noite e na manhã seguinte tentar me convencer de que foi só mais uma casualidade. Porque daqui a algum tempo- talvez quando eu estiver tomando café, ou daqui a dez anos, enquanto espero o sinal abrir, vendo uma fila enorme de carros em minha frente- eu vou lembrar de você. Porque nada é tão casual, tão fútil, que não seja lembrado em algum momento- mesmo que rapidamente. Não me leve a mal. Não estou dizendo que você se compara a coisas fúteis... Só estou tentando te explicar, que a sua lembrança será inevitável. E que, mesmo que não seja nada romântico, eu sei que há grandes chances de que um dia nós possamos nos separar por um motivo qualquer, tão menor que o nosso sentimento. Você entende, agora? As pessoas cometem erros e esses erros, na maioria das vezes, levam algo que elas amam. Seja lá o que for.
Outro dia uma amiga pôs baralho para mim e as cartas diziam que uma pessoa iria entrar na minha vida e me transformaria. Seria um grande amor. E o que achei? Terrível! Por que, eu já te conhecia, você já estava em minha vida. Eu não quero nenhum grande amor que não seja o seu. Eu queria tanto poder mudar tudo isso, mandar o futuro amor pro espaço... Por isso quero que você saia daqui agora. E o que tudo isso tem a ver com te amar em uma noite e tudo o mais? Bem, como já disse, sua lembrança será inevitável. E eu tenho tanto medo de que você se torne só uma daquelas lembranças ‘rápidas’... Por isso eu prefiro acreditar que eu posso mandar no meu destino. Portanto saia já daqui. Mas depois volte correndo pra mim e me fale de todas as coisas que você não me falou. Eu vou querer saber muito sobre a mulher que acaba de entrar em minha vida. Percebe? Você estará entrando novamente em minha vida. E eu terei a sorte de te amar mais uma vez. Tudo é cíclico. E é nessas palavras, talvez meio bobas, que meu amor mora e me trás sempre de volta até você. É isso o que nos une: o amor. E que se danem os astros! Então vem, amor. Eu finjo que não esperava.
Não espero que minha vida amorosa seja uma imitação de um daqueles filmes românticos em que no começo se luta, depois se sofre e tudo termina bem. Não... não me venham com contos de fadas. Quero o doce sabor mundano daquilo que pode não ser celestial, mas ainda assim não deixa de ser sublime. Vivamos o amor que nos é dado. Não pensemos em como poderá ser este amor que acaba de nascer... ou para onde foi o amor que enfraqueceu. Façamos nosso próprio tempo . AMEMOS.
Quando se fala para os amigos que se está apaixonada, eles esperam que você chegue com o homem de sua vida e o apresente a todos. Na verdade, estar apaixonado é bem mais que apreciar a reciprocidade desse sentimento. Durante muito tempo estive alimentando um sentimento que- ao meu ver- era muito 'certo'. Aos poucos fui notando que tudo não passava de um "fogo de palha". Um mimo. Superei, depois de ficar alguns meses longe de meu 'objeto de desejo"(me perdoem o uso de tal termo).
Passados os meses, assim que o vi novamente, minha estrutura renovada se mostrou com alicerces muito fracos. Que logo desabaram ao terem tão perto a coisa amada. E assim foi por um bom tempo. Até que após me perguntarem "você o ama?" e logo em seguida vê-lo, senti uma dor enorme; algo espiritual. Até que respondi "Não, mais". A dor a tristeza, o vazio eram todos decorrentes da falta dele em minha vida. Somente amá-lo me bastava para estar bem, pois eu sabia que gostava do (sic)Cara mais incrível que pude conhecer. Isso me dava orgulho, de certa forma.
Deixar de amá-lo foi o mesmo que deixar o mundo que criei pra nós.
Ana- É como se minha cama falasse.
Jorge- E o que ela diz?
Ana- “Vinde a mim todos aqueles que desejam”.
Eu: Mãe, eu tava aqui pensando: no fundo nós, mulheres, não deixamos de ser criança...
Mãe: Como assim?
Eu:Ah... É que assim como quando éramos crianças, nós costumamos fantasiar o futuro; às vezes brincamos e até pensamos que um salto alto faz de nós "gente grande". Mas, o principal: tentamos 'brincar' com os meninos, mas eles acabam nos machucando. Porque as meninas levam a brincadeira tão a sério, que chegam a achá-la real. Mas os meninos, mãe... Eles sempre acabam deixando tudo pela metade.
Mãe: Minha filha... Aprende que sempre vai ter um idiota que não vai entender seu amor por ele. Aprende, que talvez doa menos.
Dor chamada "Esperança"
-Todas as coisas que dissemos um ao outro, não foram o bastante pra mostrar que ficaremos juntos pra sempre. Por isso decidi não falar mais nada. Estou cansada de brincar de ser donzela- disse Beatriz, vulgo “Bia estrela”.
-Mais essa agora? O que você acha que eu venho fazer aqui todos os dias? Eu não quero apenas ir pra cama com você! Se for pra ir, que seja na NOSSA cama. Já te falei. – disse Petrus.
Beatriz começou a trabalhar cedo. No início, para ajudar a mãe nas costuras que fazia. Cresceu acostumada a trabalhar. Até que sua mãe ficou doente e ela se viu num beco sem saída, sendo a única pessoa que podia lhe oferecer algum amparo.
Depois dos dezessete anos de idade conheceu os ‘prazeres da carne’ e achou que trabalhar com aquilo não deveria ser tão ruim. Pois, ela gostava e diziam que se ganhava muito dinheiro em pouco tempo. Ela ficaria apenas o suficiente para pagar as dívidas de remédios.
Petrus foi um de seus primeiros clientes. Moço bem de vida- não chegava a ser rico-, bem aparentado e, além de tudo gentil. “Onde já se viu: ser gentil nessas coisas?” pensava Bia.
A verdade é que ela não tinha conseguido ficar apenas o suficiente. Foi forçada a vender-se por mais tempo do que imaginava. Petrus tornou-se uma espécie de “Happy- hour”, só um intervalo entre sua vida de tantos desprazeres.
Agora o moço queria tirá-la de lá. Ora essa! Depois de quatro anos usufruindo de seus serviços, agora ele lhe vinha com essa estória de casar.
Naquele pequeno quarto “Bia Estrela” passou (e ainda passava) as piores noites de sua vida. E, em contraponto os melhores momentos também.
Qual o ser humano que nunca pecou? Pois que atire então a primeira pedra. Mas ela se sentia imbuída de pecados. Sem perdão: havia estabelecido o preço a se pegar. E pagavam. Mas era tão pouco... O valor era tão menor que ela, tão menor que seus sonhos.
-Querido, eu estaria mentindo se dissesse que não é isso o que todos procuram. Onde você pensa que está? Heim? Aqui está cheio de “frutos proibidos”. Você pode escolher o que quiser: são todos iguais.
-Está bem, senhorita. Se você não acredita o problema é seu. Você acha que se eu não quisesse nada sério, perderia meu tempo e meu dinheiro falando, quando na verdade deveríamos estar fazendo outra coisa? Eu poderia escolher qualquer uma dessas que cobram bem pouco e que nem sequer se importam em saber nosso nome. Afinal, segundo você, são todas iguais. Não é?
Ali estava uma mulher que havia se acostumado a não tomar mais as rédeas da própria vida. O preconceito estava em si: caso se casasse realmente, o que diria a família de Petrus? Nunca a olhariam com respeito. Ela nunca deixaria de ser uma qualquer.
O tempo já estava acabando e Bia começou a chorar enquanto falava para Petrus o que sentia:
-Desculpe, eu sei que tenho andado um pouco sentimental, mas é que dessa vida eu tento me esconder. Não quero tirar você de perto de mim, pois sem você já não sei viver. Não estou dizendo que você é o meu mundo, só que sem você ele não vai acontecer. De que adianta ficarmos juntos se o meu passado vai comigo? Não dá pra deixar ele aqui.
Petrus, ao olhá-la, via que o tempo em que ficara ali havia feito de Beatriz uma pessoa sem perspectiva e que ele não podia fazer mais nada a respeito. Ele já havia lutado demais. Vestiu-se. Beijou-a e falou que era uma pena aquele amor ter acabado daquele jeito. Enquanto calçava os sapatos continuou:
- Não pense que eu quero que você se esqueça do tanto que sofreu. Saiba que durante todo esse tempo eu te amei de verdade. E que esse nosso mundinho fechado, dentro desse apartamento, poderia caber em qualquer lugar. Bem longe daqui.
-Você sabe que eu nunca vou mudar não é? Essa é minha vida, entenda.
-Não pense que eu quero te concertar. Você não está quebrada.
Ele se levantou com uma idéia na cabeça: nem sempre duas pessoas que se amam têm o bastante para continuarem juntas. É a condição da continuidade: amor não basta.
Ao abrir a porta, virou-se para ouvir o que Bia falava:
-Acho que nós dois concordamos que eu não sou nenhuma estrela, não é mesmo? Que tal você me sugerir um novo nome? Assim sempre vou lembrar de nós dois.
Depois de pensar um pouco respondeu:
-“Hope”.
-Achei que soou legal. Petrus, você ainda me ama?
-...
-Sim ou não?
-Acho que não dá mais pra te amar.
-Então não daria certo.
-Por quê?
-“Ou o amor é eterno ou não era amor”.
Bia e Petrus ficaram se olhando por alguns segundos, até que ele tomou coragem e, depois de um sorriso doído, fechou a porta. Ela então correu para a janela do prediozinho decadente e, antes que ele entrasse no carro perguntou:
-O que quer dizer “hope”, querido?
-Quer dizer “esperança”.
Petrus entrou no carro e foi embora.
“Hope” se endireitou e deitou na cama. Triste, para cumprir com mais uma hora de trabalho. Pura ironia para quem acabava de ser batizada com o nome “Esperança”.
O necessário
Responda agora: qual o maior segredo que uma mulher pode ter?
Errado-caso você tenha dito “gostar de outra mulher”. O maior segredo que uma mulher pode carregar consigo é o de amar e saber que NÃO É AMADA.
Aquelas músicas que fazem com que você se lembre de alguém que ama, na verdade foram feitas para nós (mulheres). Somos nós que sofremos por amor e que ao invés de gritarmos simplesmente escolhemos a redenção e o silêncio como conforto. É exatamente aí que entram essas canções: elas provocam as ‘sagradas’ lágrimas que lavam nossas almas.
Até hoje quando ouço “every breath you take”, do The Police sinto uma vontade louca de chorar. Mesmo sem estar com “dor de cotovelo”. Ainda assim quero chorar.
Vai entender o que se passa em nossas mentes! Se nem Freud foi capaz de explicar, o que meu namorado pensa que está fazendo? Ele se acha um psicanalista? E essa mania de tentar me ‘fazer feliz’... O que é isso, meu Deus? Perguntei isso para ele. Sabe o que ele falou?
“Não, meu amor, eu não sou um psicanalista. O que faz de vocês mulheres, seres com maior capacidade de sofrer do que nós, homens? Acaso somos como os repteis que derramam lágrimas apenas para lubrificar os olhos para em seguida enxergarmos melhor a próxima mulher que vai passar?”
Até que a comparação dos homens com repteis pode ser válida. E foi isso o que falei a ele. Enquanto conversávamos- ainda não defini se era uma conversa ou se estávamos discutindo a relação, mas vou chamar aquilo de conversa, por enquanto- ele preparava um sanduíche meio esquisito, com peixe, ovo, maionese... Enfim: e continuou com o sanduíche.
Eu não podia acreditar: ele não me levava a sério!
Eu ali falando de coisas importantes e ele dando total atenção a duas fatias de pão!
“Assim não dá. Ficar aqui é um inferno. Você nem me olha. Seu estúpido.” Eu disse. Até que ele virou a cabeça devagar, olhou pra mim e falou, de boca cheia “Eu sou estúpido? É você quem está com ciúmes de um sanduba! Cresce Júlia.” Ai, que raiva que senti naquele momento.
Agora reconheço que fui meio infantil. Logo depois da conversa, passei enfurecida pela sala, onde meu pai lia uma daquelas revistas de palavras-cruzadas. Entrei no quarto e me joguei na cama. Fiquei olhando pro teto e pensando se quando ele disse “cresce, Júlia” foi querendo dizer “amadurece; Júlia” ou se foi no sentido literal. É que sou um pouco baixinha, e essas piadas surgem. Na verdade eu estava só reunindo tudo o que eu tivesse contra ele para que depois não viesse com aquela cara de bom moço, dizendo que não fez por mal, e que gostava de mim, de ‘montão’. Não... Eu não iria admitir ele fazendo ‘beicinho’.
Cheguei à conclusão de que aquilo era realmente uma conversa e que ele quis dizer “amadurece; Júlia”. E agora? Eu não tinha nada contra ele. Já ele, poderia usar o fato de que eu fui infantil e histérica por ficar com ‘ciúmes’ do sanduba dele. Para não pensar em como tentaria me convencer a beijá-lo, levantei e fui até a sala pegar meu CD do The Police. Meu pai estava discutindo com ele qual seria a palavra que faltava na revista. Quando passei os dois homens da minha vida ficaram olhando pra mim. E acredite; meu namorado ainda estava mastigando um sanduíche (mas, dessa vez era outro) esquisito. Peguei o CD. Fui para o quarto e coloquei “every breath you take”. Coloquei no último volume e comecei a cantar igual a uma louca.
O Victor entrou no quarto, no momento do refrão- a parte mais empolgante pra mim- e colocou em pausa. Ah, Victor é o nome do meu namorado. “O que, exatamente, você acha que está fazendo ‘Seu’ Pedro Victor? Ta louco?” perguntei; “Eu sei que você só está fazendo isso pra me provocar. E outra: foi seu pai quem mandou você diminuir o volume... Por mim, você ficaria cantando até ficar sem voz.” Disse ele. E depois deu um sorrisinho leve e disse que eu podia continuar cantando. Ele também queria cantar. Então ele apertou o “play” e começou a cantar o refrão enquanto me encarava... Esperando que eu o acompanhasse. E eu o fiz.
Quando a música acabou nos sentamos na cama. Mas foi só o tempo para me lembrar que tínhamos brigado. Fiquei calada enquanto ele olhava pro meu rosto. Perguntei por que ele fazia aquilo. “Isso o que, Júlia?”; “Isso de fazer com que eu adore até quando você me faz ficar mal. Você sabe que eu sou meio estranha, não é?” eu disse.
Bem, durante todo o resto da conversa permaneci em silêncio. Até mesmo porque as palavras do Victor serviram como uma espécie de lacre para mim. E elas foram as seguintes:
“É. Eu sei que você é meio estranha. Mas, eu sou completamente estranho. Deve ser difícil conviver comigo e com essas minhas manias esquisitas. Acredite que eu não faço nada na intenção de te magoar e que se faço ‘beicinho’, é numa tentativa de fazer com que a garota mais incrível do planeta permaneça comigo por, pelo menos, mais alguns segundos. Que é o tempo que dura o ‘beicinho’. Nossa... Você deve estar me achando um meloso. Tomara. Sei que você adora isso. E eu faço tudo pra te agradar. Não faria o contrário.” Eu ameacei falar, mas ele continuou “Sabe, às vezes eu te olho sem que perceba e vejo como fala de mim pras suas amigas. Até dizendo a elas o quanto sou idiota, eu percebo que você realmente me ama. Tanto, a ponto de conviver com um idiota. Fico feliz com isso. Porque também te amo. Muito. Seria terrível se assim não fosse.”
Eu estava perplexa. E, quando pensei que não diria mais nada, ele soltou a frase, após uma longa pausa: “Acho que o maior segredo que uma pessoa pode carregar consigo é o de amar e saber que não é amada. Mas, sinceramente, se você não me amasse, eu não morreria. Ficaria triste, mas me confortaria com o fato de saber que, mesmo sofrendo eu estaria completamente lúcido. Pois, se eu deixasse de te amar, aí sim, eu morreria.”
Parem o mundo que eu quero descer-pensei- eu estou num apartamento com o cara mais perfeito do planeta!
Naquele instante conclui que poderiam trancar a porta do apartamento e jogarem a chave fora. Ali dentro estava tudo do que eu precisava para sobreviver: meu pai (minha família); comida; oxigênio, água; TV; um Playstation 3; meus CD'S e muito, muito amor.
Invisível aos olhos
Vinte anos de casamento. E, parece que eles haviam chegado ao tão famoso ponto em que o matrimônio significa pouco, diante da rotina. Dia após dia, vendo os mesmos rostos, tendo as mesmas conversas e não conversando sobre os mesmos tabus. Na verdade, o cardápio variava. Mas era só isso.
De um lado, uma mulher que dedicara toda sua juventude a preocupar-se com a satisfação (em todos os aspectos) de um homem, o qual julgava seu eterno amor. De outro, um homem que dedicara toda sua juventude ao trabalho; para não deixar que faltasse o que quer que fosse para a mulher, a qual julgava seu eterno amor.
Pois bem, o “tão famoso ponto em que o matrimônio significa pouco, diante da rotina” estava ali, presente exatamente no espaço que os separava cada vez mais: o tempo. Dizem que com o tempo as pessoas amadurecem e aprendem a ver a vida por outro ângulo. Mas, será mesmo assim, ao pé da letra? A verdade é que não é assim, sempre.
Com o passar do tempo também podemos infantilizar-nos: podemos começar a achar que qualquer coisa é motivo para briga, que determinados tipos de roupa vão nos deixar parecendo ‘velhos’. Mas, e se nós formos velhos? Com o amadurecimento deixamos a preocupação com a “embalagem” para os jovens. E passamos a nos preocupar com a “aparência”. E não é tudo a mesma coisa?
Com o passar do tempo (o tal espaço) ela foi percebendo que, caso se esforçasse muito, ainda assim não conseguiria lembrar quando ele lhe havia demonstrado afeto após o segundo ano de casamento. “São dezoito anos sem carinho” pensou.
Enquanto trabalhava ele pensava em quão ingrata era ela, por não reconhecer todos esses anos de esforços que lhes foram dedicados. “Tantos anos e nenhum agradecimento, afinal” pensou ele.
Mas do que nenhum dos dois se dava conta é de que havia carinho e havia agradecimento em toda a parte. Em cada cômodo do apartamento: na cozinha o almoço feito com muito carinho para agradecer o esforço dele, fazendo com que repusesse as energias para em seguida fazer mais um esforço; no quarto um mural de fotos e ingressos de shows aos quais foram juntos, para mostrá-la que lembrava aqueles momentos com carinho; na sala, uma bíblia aberta em Cantares 8:7 “As muitas águas não poderiam apagar este amor, nem os rios afogá-lo; ainda que alguém desse toda a fazenda de sua casa por este amor, certamente a desprezariam” e uma foto do casamento. Agradecimento e carinho.
Como num despertar, após um dia de trabalho ele chega em casa e vê que na mesa de centro havia um pote de doce de leite (seu preferido). E, em seguida, prepara o jantar. Ao vê-lo cozinhando, meio desajeitado, ela percebe que aquela era a forma que ele tinha de dar afeto. O mesmo ele pensou ao ver o doce: aquela era a forma que ela havia encontrado para lhe agradecer.
A maturidade havia, enfim, chegado.
Diria então Saint- Exupéry: “Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.”
Shakespeare & eu
“Aceito”. Foi essa a palavra que deu início à primeira estrofe de minha vida ao lado de Ana Judite. E, talvez (pensando bem) tenha sido esta mesma palavra que tenha selado meu acordo com a infelicidade.
Era tão jovem, ela! Seus olhos não eram azuis. Muito pelo contrário: eram pretos e arredondados. Olhos de boneca, certamente. No entanto, não foi isso que achei logo que a vi. Da primeira vez, não senti todas aquelas coisas que são ditas como “sintomas de amor”: não senti as pernas tremerem (nem mesmo as mãos); não senti o suor escorrendo desenfreado pelo rosto; meus lábios não ficaram secos e, o mais importante, meu coração não acelerou. Achei-a muito sem graça.
Num outro dia, a vi sentada, em um banquinho da praça chorando lastimavelmente. Aproximei-me.
-Tudo bem?
-Por acaso se chora feito uma louca quando se está tudo bem?
-Realmente, foi uma pergunta sem sentido. É claro que não está bem...
-Que idiotice...
-O que?
-Você! Não sabe nem o que falar.
-Garotinha com personalidade você, hein? Gostei.
Ela então soltou o sorriso mais lindo que já havia visto em toda minha vida e falou:
-“Fortes razões, fazem fortes ações!” Shakespeare!
-Hum... Conheço. Legal, ele.
-Ele morreu há mais de 200 anos.
-Sério? Triste isso, não é?
Conversamos como se o dia tivesse mais de 24 horas.
Daquele dia em diante tivemos vários encontros, a fim de jogarmos conversa fora. Logo fui percebendo que Ana Judite não era “sem sal”- ela tinha o tempero na dosagem certa para minha fórmula do amor perfeito.
Nosso relacionamento teve muitos altos e baixos, mas, ao fim de quatro anos de namoro, finalmente iríamos nos casar. Eu já havia me tornado um verdadeiro perito em Shakespeare e, nas horas que não a via, era ele quem me acompanhava com suas mais que perfeitas tragicomédias.
“Aceito”. Sim, ela aceitou estar comigo na doença e na tristeza, na riqueza e na pobreza... Até que a morte nos separasse. No entanto, uma frase não constava no “contrato”: a de estar comigo na sanidade e na loucura.
Foi como um “click”. Acordei mais cedo do que de costume, pois tive uma daquelas crises de insônia devido ao elevado nível de estresse no trabalho- às vezes até esquecia-me qual a data.
Judite não estava em casa. Então logo cogitei a possibilidade de ter ido à padaria. Espreguicei-me, escovei os dentes e fui até a cozinha. O café-da-manhã estava posto. E na geladeira havia um bilhete que dizia:
“Fui até a casa de minha irmã. Irei ajudá-la a fazer compras. Não demoro.
Beijos, Judi. ♥”
A irmã dela estava grávida; e preocupado fui até sua casa. Caso precisassem do carro, eu estaria lá.
Quem me recebeu foi a própria Laura, com a barriga quase que insustentável.
-Vocês ainda não foram?
-... Para onde?
-Fazer compras.
-Ah! O Mário foi com a Judi. Não estou me sentindo muito bem, sabe?
-Sei. Então, posso entrar?
-Claro. Entre.
Laura jogou-se no sofá e perguntou se eu aceitaria um café. Respondi que sim e me dispus a ir pegá-lo.
Eu havia esquecido onde ficavam as xícaras e fui abrindo todas as portas dos armários. Mas... A dispensa estava lotada!
-Laura, eles irão demorar?- Gritei.
-Acho que sim. Falta muita coisa, sabe? Os armários estão praticamente vazios. O Mário disse que falta até açúcar.
Não faltava. O açúcar estava lá! Não faltava nada.
Não podia ser. Há semanas que a Judite me vinha com reclamações a respeito do cunhado: o chamava de atrevido, insuportável e coisas do gênero. E, de repente, foram juntos fazer compras que não eram necessárias. Senti-me um completo idiota. Só poderiam estar tendo um caso.
Pedi desculpas e disse à Laura que voltaria logo. Despedi-me.
Quando estava na metade do caminho para o supermercado, parei ao sinal. Até que uma mulher veio em direção a meu carro. Era uma das amigas dela.
-Oi Júnior!- disse sorridente- vai rolar o que hoje?
-Como assim?
-Ué! Eu acabei de ver a Judi com um amigo, comprando uma montanha de cervejas!
Fiquei meio sem jeito. E disse irônico:
-Vai rolar o maior espetáculo.
Estava de cabeça quente e resolvi não ir ao trabalho. Fui para casa. Chegando lá, a porta estava aberta. Na cozinha estavam os dois. Rindo, bebendo cerveja. Ela então se virou e fez uma cara de quem parecia ter visto um fantasma.
-Ju... Júnior! Você não trabalharia até tarde, hoje?
-Surpresa?
-Muito- disse, desconfiada.
-Mário, você quer sair daqui, por favor?
-O quê?- disse Mário.
-Eu te disse para sair agora!
-Mas, Júnior, o que está havendo?
-Droga Mário, você deve estar achando que sou burro. Saia agora! Quero falar a sós com ela.
Mário atendeu ao meu pedido.
-Isso é jeito de tratar o meu cunhado; e que eu saiba, seu amigo?
-AMIGO? Amigos por acaso o apunhalam pelas costas?
-Que conversa é essa? O que ele fez?
-Não se faça de desentendida, meu amor!
-É... Eu não acredito amor. Já entendi: você ficou com ciúmes não é? Você realmente acha que eu o escolheria ao invés de você?
-“É comum perder-se o bom por querer-se o melhor”.
-O que aconteceu Júnior? “Algum desgosto prova muito amor, mas muito desgosto revela demasiada falta de espírito!” Lembra? No fundo você sabe que não é nada disso, amor.
Senti-me sem chão. Pode parecer piegas, mas foi exatamente assim que me senti. Como alguém a quem tanto amava pôde me trair de tal forma?
E, num piscar de olhos, minhas mãos estavam manchadas por uma das tintas que dispunha em minha aquarela. Tinta esta, de cor “quente”. Um vermelho sem igual. Mas, não pude compreender porque Judite; minha querida Judi se encontrava caída ao chão, rasgada como que por garras de um grande felino. E muito menos o porquê de estar pintada, abstratamente, com a mesma tinta que lambuzava meus dedos.
Afastei-me de seu corpo a fim de achar pistas. Ao abrir a geladeira pude ver uma caixa e nela havia um bolo acompanhado de um bilhete que dizia:
“O destino é o que embaralha as cartas, mas somos nós que a jogamos...”
Feliz aniversário. Com amor,
Laura, Mário e Judite (sua Judi) ♥”
“Ser ou não ser- eis a questão. Será mais nobre sofrer na alma pedradas e flechadas do destino feroz, ou pegar em armas contra o mar de angústias e combatendo-o dar-lhe fim? Morrer; dormir; só isso. E com o sono- dizem- extinguir dores do coração e as mil mazelas naturais a que a carne é sujeita; eis uma consumação ardentemente desejável.”
13 Segundos
Ela estava simplesmente linda (simples, mas linda): usava um jeans comum, uma blusa branca comum e sapatos absurdamente comuns. Ao subir a escadaria o balançar de seus quadris dava-lhe um ar sereno e charmoso. Parecia-me segura de si.
Pedi que fosse mais cedo que o normal. Mesmo assim, quando chegou, o sol já ia vagarosamente revolvendo seus raios. Abraçou-me. Havia pouco mais de um mês que não nos víamos... Mas o importante aqui é o fato de que nunca havia me abraçado. “oi. Vamos andando?” disse ela; “vamos” respondi. Fez-se silêncio. Até que chegamos finalmente ao local onde costumávamos nos sentar.
-... Bem, a única coisa que eu quero que saiba, é que foi tudo muito rápido pra mim, entende?
- Rá-pi-do. Rápido. Você quis dizer que foi muito ‘fácil’ pra você.
-Sempre achei que você fosse uma garota compreensiva. Mas está se mostrando infantil.
-Infantil? Acaso não se parece muito com uma criança quem faz ‘joguinhos’ mostrando-se estar apaixonado, mas, que em pouco tempo esquece a tal paixão para ser ‘solidário’ para com a PRÓXIMA, a fim de ajudá-la a esquecer outro alguém; e assim deixar de sofrer?
-Eu não queria falar... Mas nunca tivemos nada. Sempre fomos amigos! Você que entendeu errado. Logo você que entende tudo.
Ela me olhou profundamente nos olhos parecendo suplicar em silêncio, que eu me retratasse diante daquelas vinte e cruéis palavras. E, falou com muita calma e certeza
-Não pense que estou com raiva de vocês dois. Eu não culpo a ela por tentar esquecer outro alguém... Mas, com quem eu vou te esquecer?
Não pude fazer nada enquanto aqueles mesmos quadris “alegres” que subiram a escadaria iam com pouco esplendor se distanciando, até o ponto em que não mais pude avistá-los. A 50 metros, eu não podia mais sentir a dor que ela sentia em dizer “adeus” àquilo tudo. Pois, bem perto, uma dor mais viva me incomodava.
“A maior covardia de um homem é despertar em uma mulher, um sentimento sem ter a intenção de amá-la”, ditou-me um amigo, certa vez. Em apenas 13 segundos tive certeza disso.
Gênero: Conto.