Coleção pessoal de LexMor

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Ave ufana de Pátrias

Araponga sem-vergonha,
fica nas restantes árvores escondida
gritando aos setes ventos
uma rima forte e partida.

Araponga brincalhona
na janela do ferreiro.
Cata verme e compete,
canta por doçura e brinquedo.

Se o martelo bate no ferro
sua mãe é esverdeada
o pai branco como geada
tu só poderia ter nascido,
no litoral das terras salgadas.

Se agora eu apanho
na Mata Atlântica,
ou no interior do continente
o fruto no chão,
todo sangrado e ferido,
entendo um bocado,
a falta de comida
e sua perseguição.

Araponga voe livre
para longe inclusive
de toda à prisão.
Sua liberdade imponha,
é seu direito em ser viva
e tocar às pessoas
com seu murmurejar marcante.
Araponga inesquecível,
sem-vergonha.

Amor Bobo

Me nutro por amor bobo.
Engraçado e recheado
todo colorido palhaço
e tolo.

O que é motivo de chacota
o famoso casal que sente a beleza no olho.

Amor que faz pessoas sorrirem
por ser inacreditável
impossível de ser amado.
É, aquele bobo,
pro outro invejado.

Amor gostoso
igual café com bolo morno.

Gosto de amor bobinho
simples e ousado
a bobice que debaixo das cobertas
esquenta o frio exato.

Juntinhos, sem maldade,
amor que é completo, de graça
e que não se paga.
A falta de preferência
pela medíocre aparência
para ambos baterem asas.

Ah, como é bom amar,
ainda mais se o amor for bobo
por nada.

O Presente não Dado

Ao pé do fim do morro,
com o mais fino embrulho,
carregava embaixo do braço
um presente não dado
que eu há anos afundo.

Fazia tempo que pairava
que até a cor perdera.
Na minha estante repousava
junto com o medo de ir entregá-lo
para a pessoa que o merecera.

Agora, encontro-me debaixo de chuva,
no início do morro íngreme,
tentando encontrar palavras
e dizer para a menina matuta
o tanto que ela me inspire.

O embrulho é prateado
bem, era.
A água revolta tratou de deturpá-lo,
junto com o tempo adiado
com isso, das minhas lembranças levado
na correnteza foi para o ralo
que de cor ficou apagado.

Menina, me perdoe por antes não ter falado
que eu tinha um presente guardado
lá na estante empoeirada
feita de madeira, no meu quarto.
Sinto que consegui ser amaldiçoado
pelo fracasso de amar.

Se agora choro, fustigo meu coração.
Amasso-o como um padeiro trabalha o pão.
Sou aspirante a poeta, menina bonita, peço perdão,
pela falta de fala expressa pessoalmente,
e o grande número de escritas correntes
no papel escondido na gaveta da minha prisão.

Voltei todos os dias pra casa,
hoje também voltei.
Com a mão firme, cheia e suada
carregando o presente que nunca dei.
Recoloco-o na estante mais uma vez.
e deito ao relento da noite
me odiando por todas às vezes que fraquejei.

De Cara na Porta

Toda vez que tento ir à sua casa
sinto que seria como escrever,
foge da minha compreensão.
Um sentimento abstrato,
uma ousadia no vácuo,
grande insistência no inato,
tentativa de reconciliação.
A borrifada de ar no meu rosto marejado
despertado no vazio
entender que não consegui o perdão.
O jeito sempre é voltar pra cama
e dormir sozinho,
no frio e solitário colchão.

Tenho Meus Motivos para Dormir Tarde

Sentir a paz das pessoas,
não ouvir nenhuma voz, só pesadelo,
em cima do prédio bem grande
e subir no terraço descalço, guiado pelo vento,
refletir em sintonia com o escuro derradeiro

desenhar debaixo da cama monstros
com papos enormes, esmiuçados
pelos pijamas de ursinho da criança
curiosa que o puxa pra dançar,
com os cabelos tocados ao chão,
só por desejo e tentação
da proibição de dormir tarde dos pais
"Ele te pega filhão"

tomar antidepressivos com vodka
muita vodka, o máximo de embriaguez
possível com doses de procura,
vontade
de dormir depois que o sol nascer,
lembrar do zelo geado nas árvores
sobre a pessoa que me deu bom-dia
enquanto eu comia pão-francês
na padaria da esquina, ao lado do boteco
de cerveja barata.

Acordar alguém de propósito,
receber ofensas junto com os
uivos dos lobos ou cães de estimação,
medo de bala perdida, há muito ladrão,
assassino de inocente.
Sou um vigia do ócio, não por peregrinação
sem contrato ou negócio,
movido por castigo da solidão.

Estou livre, tenho nove anos
e nenhum pai ou mãe pra xingar,
faço traquinagem olhando
a janela da vizinha com insônia.
Escuto apitos da polícia contra
os baderneiros bêbados
encerrando assim a sinfonia da madrugada
com meu bocejar cansado
do dia penado,

Depois de revirar e me achar,
procurar companhia na fantasia,
sentir-me completo, ouvir o primeiro
sino da igreja a chamar o morador
que gosta de café quentinho,
condiz com sua tradição
de interior.

Escutar o galo, mesmo na cidade,
cacarejar bem forte
pra bola de fogo raiar.
A maior raridade da terra e,
o mais precioso cantar.

Nada é concreto,
Tudo dá pra poetizar.

Para todo louco há um ouvinte atento.

Nunca teve nada
nunca foi nada
e nem vai ser nada.
Até chegar no nada,
que onde não deveria estar.

Bula

Aviso para os seguintes sintomas.

Se você estiver com:
Tremores no corpo,
suor exacerbado nas mãos
frio na barriga,
complexo por medo de rejeição,
falta de ânimo,
alucinação.
Batimentos cardíacos acelerados,
cegueira incontrolável,
tato arrepiado,
impaciência,
aumento do ritmo da respiração,
tontura e sonolência,
escassez de ar,
isolamento
e preocupação.
Ataques de risos inexplicáveis,
juntos com ansiedade,
combinada com impulsividade.
Atenção!

Corres um grande risco de se perder.
Por quê? Cuidado.
Estás completamente apaixonado,
de coração.

Mesa Formada

Me deem uma garrafa de vinho
batata palha
requeijão
creme de leite
frango desfiado
e um amor para poder dormir no frio.

Os pensamentos que eu Refleti

Todos os livros que eu li,
todos os versos que eu não escrevi,
todas as poesias que eu esqueci,
todo o mundo que eu me perdi
e todos os amores que eu parti,
estão ainda aqui.

Todas as garrafas que eu bebi,
e cigarros que acendi,
todos os casamentos que eu pedi,
toda minha vida que eu vivi,
e todos os corações desenhados pra ti,
juntos com aquelas flores que eu colhi,
estão por ali.

E as mortes que eu ainda não morri,
andam a me seguir
no passeio que eu corri
lá na casa que eu construí,
da mulher que eu vim,
nos dias que eu amanheci,
nas noites que mal dormi,
e em todas às horas que eu sofri.

Borracha Concreta

Amor com
sapato ralo,
nós no ato
juntos de cadarço molhado,
minguado lá atrás do solado
de aço. Intenso amor barato
no aro que eu fico cruzado e
excitado pelos pés com o tato

O quadro vivo

Eu gosto de olhar pela janela do quarto.
A janela alta do meu prédio
e olhar.

Ofusco-me nas luzes horizontescas
pitorescas da noite sublime,
distantes e borradas de rímel.

A agonia começa no cômodo
de cunho pensante.
As luzes lá da frente não se apagam
aqui as paredes se esfriam
cada vez mais
cada vez mais necrosadas.

O olhar alcança a floresta tempesteira por raios,
logo atrás dos borrões nos postes,
da torre da igreja crucificada,
dos borrões amarelos ambulantes,
os da ida e vinda
os da volta e partida.

Alguns piscam, outros param,
muitos voltam
(Esqueceram as chaves de casa, a camisinha, o próprio aniversário)
Os pneus queimam o asfalto,
sinto cheiro amargo,
deve ser a torradeira avisando que o sol apareceu
e que eu esqueci de dormir,
deve ser de manhã, o sino vai tocar
e eu permaneço olhando pela minha janela
com meus olhos pintados por lápis preto,
ambos em volta preenchidos pela cor viva
o negro.

Durmo sem saber que horas são,
não sei, porque ainda não dormi.

Reunião dos Sábios Poetas

Já me toquei e fui safado como Bukowski
e me peguei amando o tanto quanto posso igual Vinícius,
porém já me vi cético e racional como João Cabral.

Um dia me senti tímido igual Drummond
tanto que precisei e decidi ler Baudelaire
e essa necessidade me induziu a ser precoce como Rimbaud.
Já quis ir embora como Bandeira foi
e revolucionário como Mário de Andrade pelo novo,
pela arte, pelo povo.

Já quis beber como Oswald de Andrade
e ser rebelde a vontade.

Quis escrever versos em Quintanas
e lutar como Leminski, para poder dar um golpe certeiro em cada poesia.
Pensei em suicídio e morrer por amores como Álvares de Azevedo em seus poemas.
Hesitei e decidi ir à igreja conversar um pouco com Deus no corpo feminino de Adélia
[Prado,
pedir força para conseguir escrever sonetos parnasianos parecidos com os de Olavo
[Bilac, com métricas, rimas ricas no encaixe.

Brinquei e joguei palavras no papel,
esparramei-as e esforcei para formar algo concreto, alá Ferreira Gullar
mas minha incapacidade de me entender me faz ficar desentendido em dizer o que eu sei
[escrever

Meu canibalismo antropofágico nacional,
o elo com o belo
o natural
me enraizou os pés na terra moderna e fofa,
e a chuva me afundou junto com Manoel de Barros à toa.

Embriaguei-me com vinho do porto, no Porto de Portugal.
Com isso, avistei Fernando Pessoa adentrar além-mar salgado, ou talvez um de seus
[pseudônimos.
Não me lembro de nada direito, sentia-me puro e instigado.

Já pus em cheque a vida que passei e me inspirei.
Todos me adentram o núcleo do âmago
o interior do interior de mim mesmo.

Podem me fazer mal,
não precisam me fazer o bem.
Vou continuar a fazer o certo,
um dia encontro o certo também.

Com esforço imensurável
e pilares sustentáveis,
vou sofrer até conseguir formar
aquilo que eles chamam de amor.

Noite esta

eu queria estar ao seu lado
mas os seios fartos
me seguram nos
seios leitosos e nodosos
pela blusa modelados
fixados nos poros da mão.

Seu eu pudesse
te puxaria agora
da cadeira fria
te levaria para ler
no telhado da casa
o livro que eu lia
e beber o mesmo
vinho que eu bebia.

a nuvem de gafanhotos
questionaria
que acima passaria
compactada pelo frio
e que guerreava com vaga-lumes
no ardor do lindo dia
que surgia.

Subiríamos pela escada
de madeira afunilada
rebocada na parede,
por argila modelada
posicionada ao céu
com folhas emaranhadas
folhas verdes de fel.

Se caso amanhecesse,
levaria coxas de retalhos,
bem simples, com amassos.
Alguns travesseiros
para vermos
constelações secretas
no seu maior ensejo.

Ordenharia vacas voadoras
e tomaríamos leite espumejante
vindo de lugar nenhum,
dançaríamos ao som
da viola do campo
beijaríamos com adoçante
para viver um grande
e incessante amor.

Se esse abstrato meu pintado
em um quadro ou
em uma carta
que não fosse enviada
gotejasse na sua mão,
não entenderia
o tamanho do tato
sentido e cultivado
no pergaminho escondido
que é minha solidão.

Morangos e gelos

Para o homem
ela não troca
ela tira
e revira.

Tira a roupa
rasga a camisa
desce a calcinha rendada
desabotoa o sutiã farto
e morde os lábios

tira o cigarro da boca
apaga-o na pele
tira suas dúvidas
tira sua vergonha

senta e sobe
olha pro teto
enfia os dedos na boca
aperta os dentes na língua

ela é mulher de sangue
de sorriso ébrio
ela penetra a voz nos meus ouvidos
e me pega nas partes

ela retarda o tempo,
bebe um Martini Rosé

senta e levanta
abre e fecha,
toda hora
a todo momento
e eu esqueci
que tenho que ir trabalhar

no momento que
as luzes do motel
pararam de piscar

o amor

ah, o amor

o que eu faço com o famoso
amor devasso?

misturo com tabaco
acendo um cigarro
e o fumo
dou boas tragadas
de compasso

ele acaba,
jogo a guimba fora
com os amassos,
tencionada pelos dedos
na sarjeta dos maus amados
e marginalizados
lugar no qual vivo extasiado.

e depois faço literatura
pronto, é simples
é pratico
nada conciso

Depois, acendo outro.

Casamento de copo

Sentamos no bar, nos conhecemos
só de relance, apenas algumas olhadas
despercebidas e inocentes.

ao meu lado, em uma pequena cadeira
na qual estava vazia, eu senti seu perfume,
o primeiro cheiro da sua pele na minha boca,

eram nove e meia da noite

ouvi um instrumento de sopro
permear no nosso meio
finas gotas caíam, nem percebi ao certo
olhei para cima e relampeou forte

a cidade estava preta e branca

minha cabeça inclinada, girava em direção as nuvens
e caiu de lado, era ela..mais ninguém.

ali, tão perto, sem falar e gesticular,

pulsou seu corpo dentro do meu
e pude sentir a fusão.

a chuva era uma rival dura
e não deu trégua, porém minha vontade era puxá-la
e rodá-la, ali mesmo, no rio.

Fomos para dentro do bar, cheiro de barata
e cigarro - "Meu Deus, não me tire daqui nunca".
ei de morrer neste local em seus braços,

me decidi...

eu quero juntar os fios dos cabelos no travesseiro,
misturá-los em cor única
retirá-los do pente em cima da cômoda,
penso em filhos,
nas escovas de dentes usurpadas no dia que você foi
dormir na casa da amiga, só de pijama de frio.
não quero jantar sozinho, beber vinho sem brindar
com pequeno toque nas taças de cristais polidas,

vejo grandes brigas, delírios, loucuras
gritos de prazer, de raiva,
e nada é normal
nada na minha vida é normal
muito menos nas nossas será normal,
o amor não é estável
não balança debaixo da árvore
ele é mesclado por toda essência
além da nossa compreensão.

a insanidade grita e me atrevo
impacientemente

desenhei no caderno um coração, lhe mostrei
você nem liga,
de repente
tenho uma ideia
arranco a folha com gana
recorto o coração torto desenhado à mão
você se espanta, arremesso-o na lixeira
que está cheia de bolas de papéis escritas e inutilizáveis

estendi a folha

centralizei meu olho no meio e pisquei de leve
você acha engraçado e ri

Pronto! Nos casamos ali mesmo.

Tudo depende da minha Vontade

E se eu quiser morrer agora? É, agora mesmo.
Nem um minuto antes e nem depois.
Tem que ser agora, nesse exato momento! Anda, morre!
Não morro, não consigo. Um imbecil.
Fato, falho até para morrer.
Quanta incompetência na vida,
nem a morte me quer. Voltemos ao real.

E se eu quiser te amar mesmo você namorando outro?
(um pequeno detalhe que expressa só noventa por cento)
E se eu quiser comemorar o natal em Julho?
E se eu quiser te beijar agora?
gritar que te amo! E se der crises, histerias
e eu fizer pirraça e sentar no chão,
não querer ir embora enquanto você não me notar.
Ai eu vou querer morrer, com ou sem você.

E se quando chegar o inverno, as flores murcharem
eu ainda estiver sozinho, você vai largar ele?
me deixar dormir só?
Você vai! Sabe por quê? Porque eu nunca vou falar.
A fala se restringe às palavras. Quero que note,
note nos momentos imprevisíveis, quando menos esperar,
eu vou acender a pureza. Sente-se no meu lado,
respire meu desespero e nervosismo. O mau jeito de olhar,
sem fixação ocular, impulsividade pelo beijo proibido, diferente.

Você vai perceber, um dia quem sabe.
Posso estar longe, muito longe, talvez até lá eu consegui morrer.
(Nunca se sabe)
Despertou tentação infernal, na paz que dedicava em manter.
Até hoje tudo foi intato, só no faro. Fique comigo para sempre!
Case-se, seja a noiva mais linda do mundo.

Mas acalme-se e não comece a chorar,
se não eu vou também, e fico todo vermelho.
Guarde as lágrimas para quando chover de manhãzinha
e eu estiver fazendo café para nós dois.
Vai lembrar-se da sua mãe, do seu pai, da infância,
dos filhos que ainda não temos.

Vamos tirar muitas fotos e fazer amizade com o garçom no bar,
voltaremos bêbados de lá e apoiados um no outro,
sem direção concreta.
Escolher livros na vitrine da livraria que
fica ao lado da loja de trufas (lhe comprei todas)
Qual você mais gosta?
Vou declamar versos franceses e gesticular como
um homem apaixonado.

E se eu começar a chorar depois da briga
vendo os vídeos de nós dois cozinhando aos domingos,
ou daquele de nós brincando com o nosso filhote de labrador
que ganhamos de presente de casamento
debaixo das cobertas (você sorria tão lidamente para a câmera)
Você volta? Diz que sim. Estamos iniciando nossa família.

Tudo isso sem dizer uma única palavra.

E se eu quiser te recitar uma poesia nova, você ouve?