Coleção pessoal de Leiria

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As sem-razões do amor

Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

Eterno é tudo aquilo que vive uma fração de segundo mas com tamanha intensidade que se petrifica e nenhuma força o resgata.

Satânico é meu pensamento a teu respeito, e ardente é o meu desejo de apertar-te em minha mão, numa sede de vingança incontestável pelo que me fizeste ontem. A noite era quente e calma, e eu estava em minha cama, quando, sorrateiramente, te aproximaste. Encostaste o teu corpo sem roupa no meu corpo nu, sem o mínimo pudor! Percebendo minha aparente indiferença, aconchegaste-te a mim e mordeste-me sem escrúpulos.
Até nos mais íntimos lugares. Eu adormeci.
Hoje quando acordei, procurei-te numa ânsia ardente, mas em vão.
Deixaste em meu corpo e no lençol provas irrefutáveis do que entre nós ocorreu durante a noite.
Esta noite recolho-me mais cedo, para na mesma cama, te esperar. Quando chegares, quero te agarrar com avidez e força. Quero te apertar com todas as forças de minhas mãos. Só descansarei quando vir sair o sangue quente do seu corpo.
Só assim, livrar-me-ei de ti, pernilongo filho da...

Ao Amor Antigo

O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.

Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
a antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.

AUSÊNCIA

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

A confiança é ato de fé, e esta dispensa raciocínio.

O cofre do banco contém apenas dinheiro; frusta-se quem pensar que lá encontrará riqueza.

Não é fácil ter paciência diante dos que a têm em excesso.

É menor pecado elogiar um mau livro sem o ler do que depois de o ter lido. Por isso, agradeço imediatamente depois de receber o volume. Não há vida literária plenamente virtuosa.

A amizade é um meio de nos isolarmos da humanidade cultivando algumas pessoas.

A educação para o sofrimento evitaria senti-lo com relação a casos que não o merecem.

Há livros escritos para evitar espaços vazios na estante.

Necessitamos sempre de ambicionar alguma coisa que, alcançada, não nos torna sem ambição.

Como as plantas, a amizade não deve ser muito nem pouco regada.

Perder tempo em aprender coisas que não interessam priva-nos de descobrir coisas interessantes.

Quem gosta de escrever cartas para os jornais não deve ter namorada.

O homem vangloria-se de ter imitado o voo das aves com uma complicação técnica que elas dispensam.

Há campeões de tudo, inclusive de perda de campeonatos.

A minha vontade é forte, porém minha disposição de obedecer-lhe é fraca.

NOITE
Eu vivo
nos bairros escuros do mundo
sem luz nem vida.

Vou pelas ruas
às apalpadelas
encostado aos meus informes sonhos
tropeçando na escravidão
ao meu desejo de ser.

São bairros de escravos
mundos de miséria
bairros escuros.

Onde as vontades se diluíram
e os homens se confundiram
com as coisas.

Ando aos trambulhoes
pelas ruas sem luz
desconhecidas
pejadas de mística e terror
de braço dado com fantasmas.

Também a noite é escura.