Coleção pessoal de lasana_lukata
vigia de mar
eu jogava tintura Márcia
no bigode branco do navio
e o tempo passava ao largo
distante da proa e de mim
a garça voou
sumiu nos telhados do antigo cinema
voou na cidade
às cinco da tarde
me trouxe um poema
sereníssima fingida
olheiras verdes
mascarada de esperança
também a garça oferece pão aos peixes
e os devora
feito pardais
os meritienses vão chegando em bandos
e das dezessete e quarenta em diante
a praça se enche de conversa e pássaros
inoportuno
na escuridão marítima
cego apoio-me na garça
vou com suas pernas
o coração aberto como uma ferida
sem rota
anda pelo mar
este grito que não tem onde atracar
absoluta
sentada no ombro esquerdo,
eu navio adernado,
ninguém no ombro direito,
para sempre desequilibrado.
por todos os mares,
em surdas remadas por águas injustas,
o peixe a acardumar-se para indignar-se
contra as ondas que o empurram para as margens,
para longe dos hiperônimos, dos hipônimos,
e, fora do vinho,
por todas as terras,
convertido em hiena que fatalmente ferida
busca um lugar para o seu fim,
vim hoje aqui
para morrer neste poema.