Coleção pessoal de LaneLeo
Não é impossível que um homem perverso de sua raça descubra um segredo tão pavoroso quanto a Palavra Execrável, e use esse segredo para destruir todas as coisas vivas.
As crianças olhavam para a face do Leão enquanto ele pronunciava essas palavras. De repente (nunca souberam como aconteceu), foi como se a face de Aslam se tornasse um mar de ouro no qual flutuavam; inexprimível força e ternura passavam por eles e por dentro deles; e sentiram que jamais na vida haviam sido realmente felizes, bons ou sábios, nem mesmo vivos e despertos, até aquele momento. A lembrança desse instante permaneceu com eles para sempre; enquanto viveram, se alguma vez se sentiam tristes, amedrontados ou irados, a lembrança daquela bondade dourada retornava, dando-lhes a certeza de que tudo estava bem. E sabiam que podiam encontrá-la ali perto, numa esquina ou atrás de uma porta.
Vocês estão muito crescidos, crianças - disse Aslam - e devem começar a se aproximar do seu próprio mundo.
A questão não é Nárnia. - chorou Lucy - É você. Não o encontraremos no nosso mundo. E como poderemos viver sem nunca encontrar você?"
"Quando descrevemos o que imaginamos, podemos convencer os outros – e as nós mesmos – de que realmente já estivemos lá. E, se apenas imaginei, será também ilusão o fato de que mesmo imaginar, em alguns momentos, faz com que todos os outros objetos de desejo – sim, inclusive a paz, inclusive deixar de ter medos – se pareçam com brinquedos quebrados e flores murchas? Para muitos de nós, talvez toda a experiência simplesmente defina, por assim dizer, a forma do vazio onde deveria estar nosso amor por Deus. Não é suficiente. Mas já é alguma coisa. Quando não podemos “praticar a presença de Deus”, já é alguma coisa praticar a ausência de Deus, ir tomando consciência de nossa inconsciência de Deus até nos sentirmos como um homem que está diante de uma grande catarata e não ouve nenhum ruído, ou um homem que, numa narrativa, se olha no espelho e não vê rosto algum, ou um homem que, num sonho, estende a mão para objetos visíveis e não sente tocá-los. Saber que está sonhando é já não estar perfeitamente adormecido."
Pela primeira vez examinei a mim mesmo com o propósito seriamente prático, ali encontrei o que me assustou: um bestiário de luxúrias, um hospício de ambições, um canteiro de medos, um harém de ódios mimados... Sempre desejei o progresso, mas pela graça de Deus percebi que quando se está na estrada errada progresso significa fazer o retorno e voltar para a estrada certa; nesse caso, voltar atrás primeiro é ser mais progressista. Hoje eu acredito no cristianismo como acredito que o sol nasce todo dia. Não apenas porque o vejo, mas porque através dele eu vejo tudo ao meu redor. Percebi que colocando as primeiras coisas em primeiro lugar, teremos as segundas a seguir, mas colocando as segundas em primeiro, perdemos ambas. Tudo que não é eterno é eternamente inútil. Pois se a esperança que se tem fosse apenas nessa vida, não houvesse nada além, nenhum sonho pra sonhar, que esperança mais perdida!
Eu prefiro acreditar que Cristo vive e vai voltar pra acabar com essa guerra. A esperança que Ele dá ultrapassa a morte ou vida, vai além de trabalhar, traz sonhos pra sonhar! Não que eu queira me esquivar de olhar de frente a vida, mas bem melhor é batalhar pelo pão que vai durar, pão de Cristo, pão da vida.
Uma palavrinha, dona - disse ele, mancando de dor -, uma palavrinha: tudo o que disse é verdade. Sou um sujeito que gosta logo de saber tudo para enfrentar o pior com a melhor cara possível. Não vou negar nada do que a senhora disse. Mas mesmo assim uma coisa ainda não foi falada. vamos supor que nós sonhamos, ou inventamos, aquilo tudo - árvores, relva, sol, lua, estrelas e até Aslam. Vamos supor que sonhamos: ora, nesse caso, as coisas inventadas parecem um bocado mais importantes do que as coisas reais. Vamos supor então que esta fossa, este seu reino, seja o único mundo existente. Pois, para mim, o seu mundo não basta. E vale muito pouco. E o que estou dizendo é engraçado, se a gente pensar bem. Somos apenas uns bebezinhos brincando, se é que a senhora tem razão, dona. Mas quatro crianças brincando podem construir um mundo de brinquedo que dá de dez a zero no seu mundo real. Por isso é que prefiro o mundo de brinquedo. Estou do lado de Aslam, mesmo que não haja Aslam. Quero viver como um narniano, mesmo que Nárnia não exista. Assim, agradecendo sensibilizado a sua ceia, se estes dois cavalheiros e a jovem dama estão prontos, estamos de saída para os caminhos da escuridão, onde passaremos nossas vidas procurando o Mundo de Cima. Não que as nossas vidas devam ser muito longas, certo; mas o prejuízo é pequeno se o mundo existente é um lugar tão chato como a senhora diz.
Não há vergonha tão grande que faça o mais nobre imperador da Terra abaixar a cabeça ou honra tão grande que faça o mais miserável dos homens andar de cabeça erguida.
Descende de Adão e Eva - tornou Aslam. - É honra suficientemente grande para que o mendigo mais miserável possa andar de cabeça erguida, e também vergonha suficientemente grande para fazer vergar os ombros do maior imperador da Terra. Dê-se assim por satisfeito.
"(...) O que temos não é o “direito de esperar” mas uma “expectativa razoável” de sermos amados pelas pessoas mais próximas, se nós e elas somos mais ou menos comuns. Talvez, porém, não sejamos. É possível que sejamos intoleráveis. Quando somos,a “natureza” trabalha contra nós. Isso ocorre porque as mesmíssimas condições de intimidade que tornam possível a Afeição também tornam possível - e com a mesma naturalidade - uma repulsa peculiarmente incurável; um ódio tão imemorial, constante, unilateral e às vezes inconsciente, como a forma correspondente de amor.
O perdão vai além da justiça humana; é perdoar aquelas coisas que absolutamente não podem ser perdoadas.
O carinho é responsável por nove-décimos de qualquer felicidade sólida e durável existente em nossas vidas.
No momento em que duas pessoas se tornam amigas, elas de uma certa forma se isolam das demais. [....] A comunidade pode até repeli-las e suspeitar delas. Os líderes no geral fazem isso. Os diretores de escolas, os administradores de comunidades religiosas, os capitães de navios, podem sentir-se preocupados quando surgem amizades fortes entre pequenos grupos de seus agregados.
[....] O conceito que valoriza a coletividade acima do indivíduo necessariamente também desacredita a Amizade; ela é uma relação entre homens em seu mais alto nível de individualidade. Isola os homens do “conjunto” como a própria solidão poderia fazê-lo; e mais perigosamente ainda, pois os isola em grupos de dois ou três [....] Dizer, “Estes são meus amigos” é o mesmo que dizer, “Estes não são”.
Todo nome que dão a um círculo de amizade é quase sempre depreciativo. Na melhor das hipóteses chamam-no de “grupo”, “roda”, “gang” [....] Os que só conhecem pessoalmente a Afeição, o Companheirismo e Eros consideram os Amigos como “pedantes convencidos que se julgam bons demais para nós”. Esta é naturalmente a voz da inveja, mas ela sempre faz a acusação mais verdadeira...
[....] Sozinho, entre companheiros que não me compreendem, eu mantenho certos padrões e pontos de vista timidamente, um tanto envergonhado por admiti-los e um tanto duvidoso de que possam ser certos. Mas basta estar de volta aos meus Amigos e em meia hora, ou mesmo dez minutos, esses mesmos padrões e conceitos se tornam de novo indiscutíveis. A opinião desse pequeno circulo, enquanto estou nele, supera a de mil outras pessoas: à medida que a amizade se robustece, me sentirei assim, mesmo quando meus amigos estão distantes, pois todos queremos ser julgados por nossos iguais, por aqueles que são “segundo o nosso coração”.
Apenas estes conhecem na verdade nossos pensamentos e só eles julgam segundo padrões que reconhecemos. É deles o louvor que cobiçamos e a censura que tememos.
[....] É fácil ver, portanto, por que as autoridades não vêem com bons olhos a Amizade. Cada amizade verdadeira é uma espécie de secessão, e mesmo rebelião. Pode ser uma rebelião de pensadores sinceros contra erros aceitos ou de maníacos contra o bom senso aceito; de verdadeiros artistas contra a arte popular inferior, ou de charlatões contra o gosto civilizado; de homens bons contra a maldade social ou de homens maus contra a bondade. Qualquer que seja ela, não irá agradar os que estão Em Cima.
Os homens que possuem amigos fiéis são menos fáceis de manejar ou “alcançar”; mais difíceis de corrigir por parte das boas autoridades e de corromper por parte das más. Assim sendo, se nossos senhores [....] de maneira sutil [....] vierem a ter êxito em produzir um mundo em que todos são Companheiros e ninguém é Amigo, terão removido alguns perigos, e terão também tirado de nós aquilo que é quase nossa mais forte proteção contra a servidão absoluta.
Os perigos porém são perfeitamente reais. A Amizade (como os antigos descobriram) pode ser uma escola de virtude; mas também (como não perceberam) uma escola de vício. Ela é ambivalente. Torna melhores os homens bons e piores os maus.
Fica evidente que o elemento de divisão, de indiferença ou surdez (pelo menos em alguns assuntos) às vozes do mundo exterior, é comum a todas as amizades, sejam elas boas, más, ou simplesmente inócuas. Mesmo que a base comum da amizade não seja nada mais momentoso do que colecionar selos, o círculo correta e inevitavelmente ignora a opinião de milhões que a consideram como uma ocupação tola, e dos milhares que são apenas diletantes [....] Da mesma forma que sei que eu seria um intruso num círculo de golfistas, matemáticos ou motoristas, reivindico o mesmo direito de considerá-los intrusos no meu.
As pessoas que aborrecem umas às outras devem encontrar-se poucas vezes, as que interessam uma à outra, muitas vezes. O perigo está em que esta indiferença ou surdez à opinião externa, embora justificada e necessária, pode levar a uma indiferença ou surdez totais [....] A surdez parcial, nobre e necessária, encoraja a surdez total que é arrogante e desumana [....] A surdez parcial e justificável é baseada em certo tipo de superioridade - mesmo que se tratasse de um conhecimento superior a respeito de selos. O senso de superioridade vai então ligar-se à surdez total. O grupo irá desdenhar e ignorar os que se acham fora dele; tornando-se, com efeito, algo muito semelhante a uma classe. Um círculo social é uma aristocracia autonomeada.
[....] Numa boa Amizade cada membro se sente humilde em relação aos demais. Vê que eles são esplêndidos e se julga com sorte por estar entre os mesmos [....] Mas, infelizmente, esses eles, de um outro ponto de vista, são também nós. Assim, a transição da humildade individual para o orgulho corporativo é muito fácil [....] Já vimos isto sendo feito pelos “ veteranos” na escola falando na presença de um aluno novo, ou dois “permanentes” no Exército diante de um “temporário ”; tais pessoas se expressam com grande intimidade a fim de serem ouvidas. Todos os que não fazem parte do círculo precisam saber que não estão nele. A Amizade pode em análise final não ter base alguma, exceto o fato de ser exclusivista. Ao falar a um Estranho, cada membro tem prazer em mencionar os outros pelo primeiro nome ou por um apelido; não apesar de que, mas porque, o Estranho não saberá a quem se refere.
[....] Podemos detectar assim o orgulho da Amizade em muitos círculos de amigos. Seria precipitado supor que o nosso possa estar livre desse perigo, pois, como é natural, exatamente nele é que seríamos mais lentos em reconhecer essa falha.
A amizade é até mesmo angelical, mas o homem precisa ser triplamente protegido pela humildade se quiser comer o pão dos anjos sem risco.
Não fazemos parte de um mundo onde todos os caminhos são raios de um mesmo círculo e onde todos eles, se percorridos em um tempo suficiente, se vão aproximando até que se encontrem no centro; ao contrário, vivemos num mundo em que toda estrada, depois de alguns quilômetros, divide-se em duas, e cada uma dessas em mais duas, e a cada bifurcação você é obrigado a tomar uma decisão.
Fazemos homens sem peito e esperamos deles virtude e empreendimento. Rimos da honra e ficamos chocados quando achamos traidores em nosso meio. Castramos o animal e exigimos que ele seja fecundo.