Coleção pessoal de landeira
Olhos apagados
Está escuro aqui.
Está escuro e silencioso.
Medo nas mãos; nos dedos. Receio de tocar.
Faz-se um barulho cego.
Sob o domínio de fobias, abre-se a porta do imaginário.
Vendo o que não se apresenta, o escuro é uma fera de garras recolhidas.
Uma massa negra de ouvir gritar de dentro a própria voz:
- Condenada, não morre a alma.
Dia
No tempo chega cada dia.
O pão de cada dia, na manhã daquele dia.
Todo dia espera outro dia. A loucura de cada dia.
Na fartura de horas, tem o segundo a mesma espera cada dia.
Morre o dia por todos os motivos de se morrer de cada dia.
O passado é hoje o que foi um dia. E hoje é mais uma vez novo dia.
Palavra quando alma
O Nome.
Existir são palavras.
Instante, cena, ação. Associação.
De observar, se captura.
Qualquer algo arranca uma impressão.
Faz linguagem. Mais toque, mais sentido.
Minhas sombras no entendimento. Palavras alcançadas do dia.
Se não escrever não me construo n’alguma parte. É tão profundo aqui dentro que não ouço o gotejar.
É vital dar um nome pra algum sentido que chegou. Explicar, entender, captar, colher, comer, sonhar.
É vital. O momento de sentir transitar todas as sugestões dentro de si.
E sinto o poder do tempo não me tocar quando estou cá comigo.
Mesa posta, eu vim e sentei. É pra isso que existo agora.
Eu apenas alma como a palavra apenas significa.
Fogo (resumo da obra)
Azul. Amarelo.
A luz se faz de todas as cores
Todas as cores fazem o dia
Amanhece fogo
Nasce o dia
O fogo e o dia...
Testa
Não mexa no meu rosto menino... Vai riscar.
Cinza de testa com a mão é pra nunca se apagar.
Cega do olho na hora de acordar.
E de resto, se presta com o tempo tentar, olhar pro teto de instante em instante que de tonta cai e coloca outra cor naquele mesmo lugar
Por sobre o fio
O fio entre duas pontas. O nó no meio. O coração.
A ponta. Oito vezes distante. O canto.
De lá pra lá elas dizem sobre o amor constrangido.
Se ocultado na sombra dos sorrisos; Se escondido atrás do olhar brilhante.
Dor e dor
Sentir frio. Não tocar segundo a mão.
Taça cheia. Rolha retirada com parafuso.
Rudeza penetrante na doçura.
Quarto dilatado em desconforto.
Descortina-se a quinta. Sem lua; um céu em prantos.
A sesta, após o prato raso que oferecia amor. Alimento sem cheiro.
Dias e dias a pão.
Sem temas; sentidas palavras ainda desejo ter na vida impensada para dois.
Ou tentar sem calor; Sentir paz.
Sombra de mim
Esta terça que vibra entre minha razão e emoção me torna um espectador da minha vida a ponto de admirar-me.
Me constituo sem alcance de qualquer perfeição, julgando qualquer atitude equivocada. Existindo dentro de mim sem respirar como se o meu ser isento do racional, fosse um estado de descanso.
Me vivo para a surpresa e perdido ou obstinado, sem diferença, tenho um tema pra seguir no presente que no sonho ou na dor se apresenta. E mesmo coagido, amedrontado pela ansiedade de cada dia em ser julgado; triunfar incrédulo por não esperar por quem a mim preze ou pelo momento de ser exaltado.
Ao que merece minha concentração, meu tempo empregado e minha causa que pode até ser ao nada comparada, justifico meu ritmo e devoção sem ter de explicar qualquer parte desse particular tesouro.
O lugar que me eleva para além da falta de qualquer outro ganho ou qualquer perda é como um lar. Chego lá quando me sento e nem imagino. Onde posso sentir o cheiro do céu. Chego lá quando penso que não posso abandonar as últimas palavras reunidas sem capricho. Quando a importância do descanso não é maior que a da reflexão.
Vou até lá quando me vivo e me amo considerando que só tenho isso. Quando faço o caminho de volta que me levou a queda. Retorno para o íntimo. Para o absurdo milagre de insistente felicidade que arde.
Questiono a mim cobrando argumentos. Não é de graça ou sem preço que se obtém alguma felicidade e não concebo amanhecer com tanta estando rodeado de despropósito, perdido ou obstinado por alguma falsidade. Sem qualquer falsidade.
Erro, critérios, vaidade. Banal e carne, a vida completa com os dois lados da moeda. Escrever por odiar, amar para morrer, jogar contra o irmão. Errar, errar, errar... E ter perdão.
Para o divino, acredito ser a minha melhor e suficiente oferta. Eu acredito. Eu erro.
Trepadeira
Cresce essa planta trepadeira. Sobe onde tem de se apoiar e se veste de folhas pelo caminho que já passou.
Debaixo delas, bem guardado como vergonhas escondidas, estão suas uvas e seus maracujás, protegidos e mudando de cor. Na ponta vão embora mais ramos tratando de outros assuntos, peregrinos de um único passo que param logo e tratam de se vestir de verde escuro. São mais folhas quem trazem mais frutos.
Virá até quando? Enquanto vai.
Esperança e o resto
Permaneço de pé.
Coração firme, pois ela está viva e me sustenta.
Forte esperança. Viva esperança. Mais viva do que eu.
Grito - !
- Que obstáculos me travem; sempre saberei os seus tamanhos e também onde exatamente os deixei!
- Que cada começo e recomeço anuncie o desconhecido; sempre estará aqui dentro me ensinando a esperar!
- Que todo o resto me incline à incredulidade; de nada terei medo!
Sozinho, sempre sozinho, o meu temor é que um dia me falte o amor. Temo e, sem demora, choro com meus anjos; logo me sinto abastecer com as suas lágrimas. Doses que me fazem subir vigoroso, a vida ladeira acima.
Tudo ainda está no começo.
Todo o resto é desconhecido.
Mesmo assim.
Mar cá
Num ósculo sagrado, sol e lua refazem o teu temperamento
E nesse momento teu de mar
Me esqueço sem fim
Sou tudo o que vejo
Um mar sem desejo
O que está em seu movimento que não em meu equilíbrio?
Mar lá
O mergulho revolto das ondas sobre si
Soa como uma salva de muitos canhões.
Mas na efervescência branca das ondas
Tem-se o pedido de silenciar.
E na calma do mar, tem-se o eterno.
Aperitivo
Negro grão, negro eu
O gole, a boca, o pensar
Me acompanha a espera
Sem palavras, apetece apreciar
Ode ao bem
Dói e choro.
Penso no bem do meu irmão; é o mesmo bem que penso pra mim?
Seria certo pedir? Estar bem não é simplesmente saúde?
É mais? Amor. Dinheiro. Saúde.
Por quê? Se a insatisfação não depende de se estar bem.
A busca pelo bem sangra em terror. Ninguém sabe disso.
Limites podem nem existir.
A comunicação ser apenas códigos de correção.
O bem, um estado de equilíbrio hoje.
Dói e sigo,...
Conheci um fantasma hoje.
Uma onda grave de tristeza me alcança rápida e forte.
Me joga distante do futuro, como se não valesse nenhuma crença.
Sem fé, sem verdade, um saco vazio.
Não reage, não sibila, não chora...
Preciso me centrar, reunir os cacos.
Preciso dar visão, eu preciso de visão.
Não sei o que é importante mais... Acordei pra descobrir que não sei.
Deus de algum lugar venha me buscar...
Coro, choro, outro, refrão.
Estrofe, pedido, oração.
Lamento, abrigo, abraço, canto, perdão.
Caro, regrado, custo, trovão.
Tudo, junto, vivo, benção, gratidão.
De resposta nem sempre é preciso, não.
Prece
Me leva paz
Que eu considere minha criança e o que dela tenho desde sempre.
Se necessário for julgar, que faça um juízo iluminado.
Abra a portas e janelas, visite os meus e a mim mesmo e os que tão do lado.
Que eu observe coincidências e os passos que até ela me levaram.
Que eu cante na vida.
Entenda o bem.
Respeite o sagrado.
Me leva paz. Me leva.