Coleção pessoal de Klaas_Kleber

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⁠Lembranças

Sou sensível às minhas lembranças
do mesmo modo como sou sensível
às belezas e misérias da vida

Lembranças!
Jubilosas e dolentes lembranças

Lembranças de momentos
cuja brevidade assemelha-se à
efemeridade dos amores adolescentes

Lembranças de lugares
de rostos, de olhares
de sorrisos e de afagos

Lembranças de ausências
de perdas, de perigos
de fome e de dor

Lembranças!
São tudo o que vai nos restar

CARÊNCIA

A carência
é uma correnteza de desafetos
que serpenteia por entre a vida
arrastando os homens
para abismos recônditos
e obscuros

Pudera eu,
ser uma ilha abraçada pelo mar
e pudesse estreitar
nos meus braços
o calor do ocaso poente

A premência de afeto
é algo que fragiliza
a natureza do nosso ser!

⁠O tempo

Digno de figurar um poema
o relógio recita amiúde
o instante sem pressa
do célere tempo

Tic-tac, tic-tac, tic-tac
repetidamente
laborioso

Pudesse eu,
inverter o sentido destro dos ponteiros
que ascendem para a finitude
da fugaz existência

Pudesse eu,
resvalar pela espiral do tempo
para o abraço carinhoso
da mulher que mais me amou

Pudesse eu,
fazer parar o tempo
o tic-tac do relógio
e a dor da saudade

⁠Adormecer

Cerro os olhos
e entro em estado de inércia
O cansaço roubou-me o tempo dos vivos
e a consciência do tempo de agora
Quero distanciar-me do meu eu desperto
e adormecer sobre papoulas
Quero distanciar-me da existência
e assombrar os meus sonhos oníricos
Quero distanciar-me das minhas memórias
e mergulhar no abismo do esquecimento
Quero distanciar-me do grito do mundo
e penetrar no vácuo do silêncio

⁠Vidas transitórias

Chegará o dia em que meus olhos
ofuscados pelo nevoeiro da morte
já não perceberão pela vista
o lacrimar dos ausentes
aguardando o exalar
do meu último suspiro

Chegará o dia em que meu rosto
regelado pelo sopro da morte
já não perceberá pela tez
as mãos cálidas dos ausentes
aguardando a despedida
da minha última existência

Chegará o dia em que minha memória
viverá nas lembranças fugazes
na efemeridade dos sonhos
dos ausentes mortais
aguardando o seu tempo
que também há de cessar

E quando esse momento chegar
eu terei desvanecido
para a eternidade

⁠Marinheiro

Homem ao mar!
É marinheiro mas não sabe nadar
Imergiu-se, desvaneceu-se,
fundiu-se à própria imagem
refletida no espelho d’agua

Amálgama de cânticos
As sereias fizeram-no adormecer
Acalentam-no na seiva luz
dos seios nutridos do ocaso

Esbórnia noturna

Oscuridad de la noche
o pequeno príncipe perde sua realeza
não existe guarnição
homens vorazes invadem seus jardins
à procura de corpos ávidos
excitados pelo desejo de possuir
caminham solitários, atentos, silenciosos
resguardados pelo véu da obscuridade
homens sem rosto, sem identidade, sem memória
se olham, se reconhecem, se aproximam
são herdeiros da mesma natureza
descendentes de Afrodite

Oscuridad de la noche
ouve-se um gemido monótono
todos os homens correm na mesma direção
reclinado sobre as raízes do velho cedro
um jovem rapaz, de ares ingênuos
esmoreceu-se, está dormindo
sobre a pele alva do seu rosto
o néctar opalino de Eros