Coleção pessoal de JujuNico
Se exponha aos seus medos mais profundos, depois disso o medo não tem poder, ele encolhe e desaparece. Você é livre.
Quando Vier a Primavera
Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
(Poemas Inconjuntos, heterónimo de Fernando Pessoa)
Tudo tem seu apogeu e seu declínio... É natural que seja assim, todavia, quando tudo parece convergir para o que supomos o nada, eis que a vida ressurge, triunfante e bela! Novas folhas, novas flores, na infinita bênção do recomeço!
Agora vou falar da dolência das flores para sentir mais o que existe. Antes te dou com prazer o néctar, suco doce que muitas flores contém e que os insetos buscam com avidez. Pistilo é órgão feminino da flor que geralmente ocupa o centro e contém o rudimento da semente. Pólen é pó fecundante produzido nos estames e contido nas anteras. Estame é o órgão masculino da flor. É composto por estilete e pela antera na parte inferior contornando o pistilo. Fecundação é a união de dois elementos de geração – masculino e feminino – da qual resulta o fruto fértil. "E plantou Javé Deus um jardim no Éden que fica no Oriente e colocou nele o homem que formara" (Gen. 11-8).
Quero pintar uma rosa.
Rosa é a flor feminina que se dá toda e tanto que para ela só resta a alegria de se ter dado. Seu perfume é mistério doido. Quando profundamente aspirada toca no fundo íntimo do coração e deixa o interior do corpo inteiro perfumado. O modo de ela se abrir em mulher é belíssimo. As pétalas têm gosto bom na boca – é só experimentar. Mas rosa não é it. É ela. As encarnadas são de grande sensualidade. As brancas são a paz do Deus. É muito raro encontrar na casa de flores rosas brancas. As amarelas são de um alarme alegre. As cor-de-rosa são em geral mais carnudas e têm a cor por excelência. As alaranjadas são produto de enxerto e são sexualmente atraentes.
Preste atenção e é um favor: estou convidando você para mudar-se para reino novo.
Já o cravo tem uma agressividade que vem de certa irritação. São ásperas e arrebitadas as pontas de suas pétalas. O perfume do cravo é de algum modo mortal. Os cravos vermelhos berram em violenta beleza. Os brancos lembram o pequeno caixão de criança defunta: o cheiro então se torna pungente e a gente desvia a cabeça para o lado com horror. Como transplantar o cravo para a tela?
O girassol é o grande filho do sol. Tanto que sabe virar sua enorme corola para o lado de quem o criou. Não importa se é pai ou mãe. Não sei. Será o girassol flor feminina ou masculina? Acho que masculina.
A violeta é introvertida e sua introspecção é profunda. Dizem que se esconde por modéstia. Não é. Esconde-se para poder captar o próprio segredo. Seu quase-não-perfume é glória abafada mas exige da gente que o busque. Não grita nunca o seu perfume. Violeta diz levezas que não se podem dizer.
A sempre-viva é sempre morta. Sua secura tende à eternidade. O nome em grego quer dizer: sol de ouro. A margarida é florzinha alegre. É simples e à tona da pele. Só tem uma camada de pétalas. O centro é uma brincadeira infantil.
A formosa orquídea é exquise e antipática. Não é espontânea. Requer redoma. Mas é mulher esplendorosa e isto não se pode negar. Também não se pode negar que é nobre porque é epífita. Epífitas nascem sobre outras plantas sem contudo tirar delas a nutrição. Estava mentindo quando disse que era antipática. Adoro orquídeas. Já nascem artificiais, já nascem arte.
Tulipa só é tulipa na Holanda. Uma única tulipa simplesmente não é. Precisa de campo aberto para ser.
Flor dos trigais só dá no meio do trigo. Na sua humildade tem a ousadia de aparecer em diversas formas e cores. A flor do trigal é bíblica. Nos presépios da Espanha não se separa dos ramos de trigo. É um pequeno coração batendo.
Mas angélica é perigosa. Tem perfume de capela. Traz êxtase. Lembra a hóstia. Muitos têm vontade de comê-la e encher a boca com o intenso cheiro sagrado.
O jasmim é dos namorados. Dá vontade de pôr reticências agora. Eles andam de mãos dadas, balançando os braços e se dão beijos suaves ao quase som odorante do jasmim.
Estrelícia é masculina por excelência. Tem uma agressividade de amor e de sadio orgulho. Parece ter crista de galo e o seu canto. Só que não espera pela aurora. A violência de tua beleza.
Dama-da-noite tem perfume de lua cheia. É fantasmagórica e um pouco assustadora e é para quem ama o perigo. Só sai de noite com o seu cheiro tonteador. Dama-da-noite é silente. E também da esquina deserta e em trevas e dos jardins de casas de luzes apagadas e janelas fechadas. É perigosíssima: é um assobio no escuro, o que ninguém aguenta. Mas eu aguento porque amo o perigo. Quanto à suculenta flor de cáctus, é grande e cheirosa e de cor brilhante. É a vingança sumarenta que faz a planta desértica. É o esplendor nascendo da esterilidade despótica.
Estou com preguiça de falar da edelvais. É que se encontra à altura de três mil e quatrocentos metros de altitude. É branca e lanosa. Raramente alcançável: é a aspiração.
Gerânio é flor de canteiro de janela. Encontra-se em S. Paulo, no bairro de Grajaú e na Suíça.
Vitória-régia está no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Enorme e até quase dois metros de diâmetro. Aquáticas, é de se morrer delas. Elas são o amazônico: o dinossauro das flores. Espalham grande tranquilidade. A um tempo majestosas e simples. E apesar de viverem no nível das águas elas dão sombras. Isto que estou te escrevendo é em latim: de natura florum. Depois te mostrarei o meu estudo já transformado em desenho linear.
O crisântemo é de alegria profunda. Fala através da cor e do despenteado. É flor que descabeladamente controla a própria selvageria.
Acho que vou ter que pedir licença para morrer. Mas não posso, é tarde demais. Ouvi o “Pássaro de fogo” – e afoguei-me inteira.
Tenho que interromper porque – Eu não disse? eu não disse que um dia ia me acontecer uma coisa? Pois aconteceu agora mesmo.
Somos uma sociedade de pessoas com notória infelicidade: solidão, ansiedade, depressão, destruição, dependência; pessoas que ficam felizes quando matam o tempo que foi tão difícil conquistar.
A solidão só me dá prazer na medida em que sei que ela é uma escolha. Solidão só dói quando é inevitável.
A solidão está para o espírito como a dieta para o corpo, mortal quando é demasiado prolongada, embora necessária.
No fundo, é isso, a solidão: envolvermo-nos no casulo da nossa alma, fazermo-nos crisálida e aguardarmos a metamorfose, porque ela acaba sempre por chegar.