Coleção pessoal de JotaW

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O tempo

O tempo passa
os amigos partem
as lembranças ficam
ou,
os amigos seguem com você
num tempo em que as lembranças
serão ainda construídas
ou,
o tempo parece parado
os amigos nunca partiram
e as lembranças
nunca se tornaram um problema.

TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera;
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

TEU CORPO

O teu corpo muda
Independente de ti
não te pergunta
se deve engordar.

É um ser estranho
que tem o teu rosto
ri em teu riso
e goza com teu sexo.
Lhe dás de comer
e ele fica quieto.
Penteias-lhe os cabelos
como se fossem teus.

Num relance, achas
que apenas estás
nesse corpo.
Mas como, se nele
nasceste e sem ele
não és?

Ao que tudo indica
tu és esse corpo
-que a cada dia
mais difere de ti.

E até já tens medo
De olhar no espelho:
Lento como nuvem
o rosto que eras
vai virando outro.

E a erupção no queixo?
Vai sumir? Alastrar-se
feito impingem, câncer?
Poderás detê-la
com Dermobenzol?
Ou terás que chamar
o corpo de bombeiros?

Tocas o joelho:
Tu és esse osso.
Olhas a mão.
A forma sentada
de bruços na mesa
és tu.

Mas quem morre?
Quem diz ao teu corpo – morre –
quem diz a ele – envelhece –
se não o desejas,
se queres continuar vivo e jovem
por infinitas manhãs?

RECIBO UM QUATRO QUATRO


Em dias tristes lembro-me daquela mãe:
O brilho no olhar
O coração apertado
A boca seca lambendo o sal
O pesar de não ter podido ir além.

Cinco bocas;
Cinco vidas;
Cinco histórias;
Cinco futuros;
Uma só certeza.

Tanta gana
Tanta esperança
Falta quase tudo!
Falta esperança.
Mas, não falta gana.

Lutando se esquece momentaneamente dos problemas
Algumas horas com a família
Alguns momentos com os amigos
Uns poucos segundos de felicidade
Uma vida inteira de necessidade e privação.

Sozinha, os sábados são intermináveis
É acometida pela tristeza
Momento de reflexão cruel.
Como se já não tivesse sofrido o bastante!
Ainda se martiriza, como pode?

Chega o domingo:
A esperança se renova
Crianças correm brincam se mostram
A mãe se esconde se perde se acha.
E esse brilho no olhar!

Olhar de quem protege
De quem cuida
De quem ilumina caminhos
Olhar cansado da vida inteira
Olhar cego a si mesmo.

O coração está trancado
Um paredão se ergueu
O frio das geleiras se instalou
Amar não é mais possível
O coração agoniza.

E de repente mãe!
Forte, triste, só;
Independente, feliz, solitária...
Pronta para tornar sua prole digna.

OLHAR QUE SILENCIA


Perca-se
Salve-se
Queixe-se
Deixe-se
Permita-se.

Possa se puder
Queira se der
Faça sempre o possível
Desista de vez em quando
E tente novamente.

Pare;
Olhe;
Escute;
Fale;
Sinta.

Sinta o paladar amargo das nuvens cinzas
O doce azedo da vida só
O agridoce das tardes vazias
As noites frias nos dias de chuva
As manhãs quentes dos compromissos adiados.

O futuro em conta gotas
O presente sem passado
Um momento único em uma história tola
A vida toda em um segundo
A iminência do imediato.

Olhe para si mesmo
Veja o mundo que construiu
As vidas que destruiu
Os sujeitos que ajudou
A ajuda que faltou.

Olhe para dentro de si mesmo
Cale-se
Critique-se
Deixe-se
Salve o silêncio surdo.

Permita a visão cega
Visão que enxerga a alma pura
Negue-se ao não pensar
Pense em si mesmo ao negar-se
Ouça o seu coração pulsar.

Hoje quis ver o mundo
Enxergá-lo em um recibo um quatro quatro
Em silêncio, só eu.
Quis escutar minha própria voz muda
Quis auscultar a alma das pessoas.

Quis ver o brilho no olhar do algoz
O açoite sem dó nem piedade
A mordida feroz do cão faminto
A riqueza de uns poucos
A miséria de outros tantos.

Hoje quis ver a vida leve
Ver a mãe feliz uma só vez
A mesa farta
O filho radiante
Hoje quis ver o outro.

Hoje quis ouvir suas angústias
Sentir as suas dores
Ver os seus medos
Pisar o seu chão
Tocar o seu céu com minhas próprias mãos.

Hoje, quis ver o mundo


Sem chorar
Sem sorrir
Sem gritar
Sem me calar
Em silêncio.

Só eu e o mundo.
Mas, ele anda meio sem graça
Cansado, cansativo, sem paciência
Sem sal.
Sem rumo certo.

Ele não fala mais de amor
Não fala mais de política
Nem de revolução
Nem de paz, nem de guerra
Está correndo de confusão.

A música está chata
As pessoas desconexas
Nada acontece.
Está tudo igual, só que diferente!
O mundo reclama em silêncio.

A voz não é alta o bastante
O som ressoa estranho
Tudo está cinza
Até o menino legal está cinza!
Tanta gente triste.

Hoje quis ver pessoas...
Sem chorar
Sem sorrir
Sem me calar
Em silêncio, só eu, o mundo e elas.

INSPIRAÇÃO


... De coração partido
Ele assenta na calçada...

Esboça um sorriso tímido em meio suas lágrimas
Com olhar distante ele questiona-se
Aponta para várias direções, balança sua cabeça e diz não...

Mãos ao rosto
Respiração profunda
Olhos fixos em uma direção
Coração apertado

Ele levanta
Procura por algo
Tentando encontrar...

No sorriso de uma garota
A falta de várias noites

Na velhice
A fragilidade humana

No suor
O perfume da alma

Na dor
A delicadeza de amar

Na falta de sentimentos
A alegria

Na solidão
O amor perfeito

Na plenitude da vida ou na abundância da morte
As amizades, os amores e a tristeza.

Nas xícaras de café
Verdadeiros poemas

A caminho do trabalho
Izadora, a arte, o cotidiano e os pequenos versos.

Na esperança ou na ausência dela
A força

Nos dias, nas noites e madrugadas.
O eu...

Na frieza do carinho
As lágrimas contidas

Nos ótimos livros que não leu e que agora não lerá mais
Rabiscos de uma vida

Das cartas que não recebeu e que não escreveu
Coragem...

Nos sorrisos que implorou
O sim, o abraço e a vida.

No silêncio
A inspiração que o completa.

Parede Azul


Na carcomida parede azul
da colônia de férias dos "insetos",
os mais variados...
Aracnídeos, fungos e até platelmintos
'origamam-se' no espaço reivindicado
pleiteando o seu lugar ao sol
o seu lugar ao sul.
Como que em um molde perfeito
a massa de mira dos olhos
encaixa-se na alça de mira da TV.
Pontualmente,
sistematicamente,
completamente sem controle.
Você vai sendo moldado dia a dia!
Vai sendo castrado
convencido e se deixando convencer
de que não convence mais ninguém,
nem a si mesmo.
E como se não bastasse tal disparate
assim como os fungos, insetos e platelmintos da parede azul
confinados à insignificância de sua mediocridade
você já até gosta de estar aí como está.

Meia lua de bandeira


Buscam-se chaves que abram cofres de lata e de cobre
e pessoas com nobres sentimentos capazes de perdoar
e vidas perdidas nos segredos guardados nos dias
e nas noites escondidos nos desvelos dessas vidas.
Busca-se virar a página e torná-la página virada.
Busca-se a plenitude na ação ou na reação dos atos, tardios ou primários.
Busca-se encerrar a dor de uma vez por todas, sem recaídas ou sequelas.
Busca-se tornar uma vida que é meia em uma vida inteira, em uma vida plena.
Busca-se meia lua em meio céu em uma busca da vida toda.
Essa é a busca contida na luta que busca as gentes:
Uma bandeira, cheia de estrelas, que minimamente os represente.

Hoje pelo caminho


Os trilhos me pareciam tristes!
Já não se via neles o mesmo brilho dourado de sempre.
Os seus caminhos eram tortos, tortuosos, sem graça.
Hoje a noite, a chuva veio:
-Caiu devagar sobre as ruas da cidade.
-Não se via nela a costumeira beleza de outrora.
O frio que trouxe consigo era de amargar:
de fazer tremer todo o corpo,
de fazer trincar os dentes,
de fazer arder a pele.
Tanto frio...Tanta chuva...Tanta dor...Tanto silêncio.
Onde estará esse trem?
Ele nunca se atrasa!
Terá ele se escondido do frio e da chuva...
Terá ele se perdido no caminho em meio a retas e curvas...
Será que embruteceu em meio aos carros e ruas,
enlouqueceu na selva de pedras enquanto tentava voltar para casa?
Terá ele brigado com os trilhos,
desencantado da lua,
padecido só e abandonado em uma cova rasa na vida?
Onde está o trem que me leva?
O brilho dourado que euforiza-me?
(Trilhos e Trem) -
Por onde vocês andaram?
Estive a espera de vocês por dias a fio,
estive a espera de vocês por horas.

Na ponta da lança


Da taça jogada ao chão com força,
o sangue que se esvai como em um serpenteante rio em curvas
em busca de direção na vida
desembocando em um mar de dúvidas.

Do vinho derramado por todo o caminho
a dor contida na lágrima que percorre sentidos
- de choro e de riso.
Fazendo transbordar oceanos inteiros
com uma só gota de inquietude e bruteza
entalada no canto esquerdo do olho direito,
estupefato por enxergar tanta maldade.
Olhos cansados do dia inteiro
e devido a fumaça opressora instalada no caos proposital,
agora muito vermelhos.

Do rio de sangue e de lágrima
que se forma no contorno de segundos intermináveis...
A malta de guerreiros mascarados que segue:
Com a mácula imposta a sua honra,
por uma gama de ações, antes impensáveis!
Desembestados na linha de frente da guerra,
Varrendo tudo pelo caminho
como uma manada desembestada de touros,
fazendo jus a armadura herdada
e defendendo bravamente seu tão cobiçado ouro.

De lá:
A espada covarde que aponta e assina a pele,
mirando alvos estáticos
e braços erguidos ao ar.

Do lado de cá do front:
Os punhos cerrados da malta
e a coragem que transborda no peito.

E o que se vê em meio a tudo isso
é apenas a sombra de um velho gigante,
que a propósito... Acaba de acordar!
Até que um dia tudo mude,
e os silenciados não tenham mais que se calar.

VAZIO


Quem intentará contra si
dizendo de sua força
negando a tua bravura?

Se és tu,
amargo feito sonhos não vividos
e transbordante de lampejos de dor
que embriagam a alma tua, de tristeza.

São feito tiros disparados a esmo na escuridão
almejando alvos possíveis,
irrompendo medos com violência bruta
fragmentada em momentos de pura ira.

Porque não consegues viver plena a tua vida?
Tens dois lados...
Serão esses os monstros que se alimentam de si?
Onde está a sua alegria, porque não vives plena as tuas duas vidas?

Se olvidastes os sonhos teus, descobriria que sonhas os sonhos meus.
E aí... Talvez ao fazê-lo, rache por dentro!
E talvez se encha de alegria,
e talvez sinta um pouco menos de dor.

A Formiga, mais ou menos uns dez Pingos d'água e Eu


Num dia desses...
De previsão do tempo em desacordo
e céu azul e nuvens brancas,
dando formato a imagens de sonhos
e sol brilhante e sombra boa,
projetada em rumo de árvore grande
- [pé de um trem qualquer]-
plantada no asfalto da cidade
ou na terra do campo.

E de repente a chuva...
Que desaba sem aviso antecipado,
desabrigando os descuidados
tomando ligeiro os caminhos
e ocupando-se de preocupar
os videntes de desenhos em nuvens!

Tratando de por ritmo nos passos moles
escaldados e amolecidos pelo sol quente,
tratando de apressar as aves
em seus vôos solos pelas quinas do céu,
tratando de acordar os lagos e de viver os peixes
e tratando de matar a sede da terra - que agradecida -
empurra à superfície, as plantas...
Expondo suas folhagens verdes
seus frutos vistosos
e suas inspiradoras flores perfumadas.

Feito chefe em dia de súbito descontentamento,
ralha aos quatro ventos, a chuva que cai do céu.
Num protagonismo invejável!
Só as formigas se incomodam mais...
As gotas d'água,
feito flechas lançadas contra elas,
- do alto, sem escrúpulos ou piedade-
fazem pesar ainda mais o seu árduo trabalho diário.

Três estrelas ancoradas no céu
calçando a lua
em uma nuvem qualquer,
e uma rajada de vento soprada de lá para cá
na contramão da dança dançada a favor da chuva,
faz ir embora a nuvem escura carregada de raios
que entopem o céu de desespero.

Três dessabidos destinos,
encontram sentidos
em um sentido qualquer:
A Formiga...Desenrasca o pão do jeito que dá!
A Chuva... Se diverte com a farra toda!
E Eu...Transformo em tempestade - nem dez gotas d'água - caídas sobre mim!

TALVEZ


E se o equilíbrio fosse desfeito
e as coisas movidas do lugar?
E se amores brotassem feito mato da terra
e florescessem feito flores no campo
sem dia, sem hora ou lugar?

E se o [tum tum...] do coração não fosse tão alto
ou tão forte
ou tão rítmico?
Talvez não houvesse tanta dor acumulada no peito
ou, tanta lágrima transbordando dos olhos
ou, tantos órfãos pensamentos abandonados no dia,
abandonados nas noites.

O desequilíbrio talvez seja bom!
Talvez, o seu papel, seja o de movimentar um pouco as coisas...
Desacomodar os pés sempre plantados no chão.
Talvez, ao menos equilíbrio haja,
ou verdades ou mentiras!
Amores não há. Não podem haver!

Talvez seja preciso
mover o equilíbrio de lugar a lugar
de vida em vida
de pessoa a pessoa.
Talvez seja necessário buscar equilíbrio
até mesmo em desequilibrados passos
dados ao longo do caminhar,
em busca de sentido que oriente o caminho
e de brilho de vida que preencha o olhar.

Talvez o medo,
ao menos medo seja.
E o amor,
não tenha que durar.
Desequilíbrio/equilíbrio/
EQUILIBRAR-[se].

Talvez o desequilíbrio,
ao menos desequilíbrio seja.
Talvez!
Talvez você encontre uma solução,
talvez não!

Casa de madeira


No alto dos Montes de Minas
Nas terras de Joaquim Dalélio
Uma velha casinha de madeira:
- Cruzada nas árvores
- Telhado amarelo
- Vistas para cachoeira d’alça d’água.

Ao redor da casa - mata virgem-
E uns pés de goiaba de morcego
Cerca feita de mourões e arame farpado
Com dentes grandes e ferrugem dourada.
Por Todo lado
Mourões de cerca dormente
- (daqueles de “trem”) -
Protegendo a casa dos sonhos de muita gente.
Mas, não protegendo de gente!
Protegendo de bicho:
- Onça do tipo Pintada.

Uns pés de fruta
Na porta da cozinha,
Um pé de rosa cor de rosa
Na porta da sala e
Outro de “Ora-pro-nóbis”
A dar de esmola na cerca dourada.

Vida tranquila
Vivida devagarzinho no
Sossego da serra de Minas!
Um pito de fumo de rolo
No papel de milho e
Um trago de cachaça
Feita no alambique daqui
Com cana cavalo colhida no quintal,
Doce igual mel!
.
Um pedaço de queijo branco
Com cafezinho (novo):
-Adoçado com garapa!
Humm...

Vida sossegada
Do tipo dessas que se vive
- (enquanto se sonha) -
Nas terras de Minas.

Onde calam todas as coisas


Calam as rochas
aos pés da montanha.

Cala-se a morte
diante da vida.

Calam-se o sol
diante da lua
e a lua
diante do mar.

O mar cala-se
nos braços do horizonte.

E o homem nos braços da mulher
tende a se calar.

Cala-se a fome
com um pedaço de pão
e a sede
com uma taça de vinho.

A alma cala no corpo
que por sua vez,
cala na terra
a sete palmos abaixo do chão,
sob um pé de manga rosa.

Nascido pra ser Mar


Queria mesmo
é que a vida
tivesse me endurecido!
Me transformado
em rocha de mar de vulcão.

Tão duro quanto lava efervescente
deitando montanha abaixo
abraçando tudo pelo caminho
e encontrando o mar:
Num duelo de esfriar-enrijecer.
Num feitiço de verter
tormenta em rocha-
fria e dura.

Queria mesmo é ter endurecido na vida,
e não,
ter descido montanha abaixo:
Sem controle
dominado,
amolecido,
vertido a tormenta.

Queria mesmo é ter endurecido
com a vida.
Mas, não dá!
Meu destino não é ser rocha-
nem ser tormenta-
é ser mar.

O Passado


Bebe da sua própria vida...
Afogue-se em mágoas suas do passado,
revive dores antigas.

Dores que emergem das noites vividas
ou que pulsam latente
em plena a luz do dia.

Sabe as velhas feridas que tu tens medo de tocar?
Toca-as, com teu próprio dedo,
faze-as sangrar.

Transforma o teu escárnio em afeição
e deixa percorrer nas tuas veias cheias de nicotina,
o sangue encarnado que turva o teu coração.

Morrer já não basta para si,
viver assim já não é mais opção,
faze tu também o teu caminho:

- Resgata de dentro do peito tudo que há por lá,
mesmo que não possa ver agora,
tira o que puderes tirar.

Resgate a si mesmo de dentro do próprio peito
ou, enterre-se de uma vez por todas lá.
Faz o que tem de ser feito, não cabe mais reclamar.

Mate-se o dia inteiro, viva-se pleno, até o sol raiar.
Descubra como é importante enterrar-se no peito,
e depois desenterrar-se no dia em que bem desejar.

Álibi


Cortina de seda e de renda
estampada e dourada,
moldura de cela
com grades e janelas,
guardando em sepulcro
uma imensidão de vidas roubadas.

Quadrado fechado
sem claraboia
ou paredes laterais.

Corpo caído ao léu
cansado.
No céu que é chão
deitado sozinho,
na cama que é céu
delirante de febre.

Da escrita que é túnel pra fuga de dentro de si
pra escapar dos golpes da sorte
da vida severa daqui.

Espelho quebrado
na serena noite
que traz-me os sonhos,
e a luz que agora vejo
no escuro
que ilumina-me os olhos.

Do peito ferido e aberto
das sombras e vozes que atormentam o dia
das lágrimas caídas dos olhos e que hão de secar um dia.

A noite chega


A trezentos quilômetros por hora
perfumada a noite chega:
Sorrateira pelas frestas
cambaleante a cada esquina
como em um filme português
ou uma cantiga natalina.

Peixe
Vinho
família
um quarto de limão
uma porção de molho rosê.

Gatos pisam o telhado
- se esquivam-
de flores plantadas na terra
dançam em campos minados
junto aos soldados
em revolução.

Livros empoeirados
acumulam-se na estante
enquanto caixas transbordam
corações tristes
em quartos vazios e distantes.

Dor...
Reclamada na ponta do espinho.
Noite...
Acordada a contento.
Verdade em fala nunca dita
é pura perda de tempo.