Coleção pessoal de JorgeNicodemos
Independente das suas histórias, afetos e demais conquistas, eu me sinto especial mesmo quando você some por dias e então reaparece em forma de uma simples mensagem de texto confirmando as suas andanças em algum ponto do mundo além daqui, nesse coração saudoso. Não há em mim a necessidade de (re)afirmações. Declarações. Demonstrações públicas de afeto.
Eu sei (mas acima disso, sinto!) que tudo o que foi conquistado continua ali - e aqui - guardado, sagrado, presente em tantos e tão bonitos detalhes que compõem o nosso laço e o legado.
Tudo reafirmado em pensamentos sintonizados, olhares cúmplices e sorrisos sinceros. Em lhe pegar pela mão e guiar pelos tantos becos e vielas que formam aquilo que sou, contando a minha vida como se eu estivesse falando comigo mesmo, sem medo de julgamentos. Em conhecer segredos teus que, fora da sua alma, só a minha tem acesso. Em voltar com a voz pesada, embargada, e mesmo recebendo o mais puro silêncio (e qual o problema?), notar como sempre nos sentimos renovados e leves na companhia de quem mesmo dispondo de pouco espaço em meio ás suas tantas memórias, passagens e cicatrizes, nos trouxe para dentro, guardou sua própria dor e cuidou de cada uma das nossas feridas com tanto carinho que nos fez sentir tão à vontade quanto seria na nossa própria casa. E é.
Eu sinto assim. Eu vivo isso. E pra mim, é tão significativo quanto um daqueles abraços. Os melhores.
Eu acho uma delícia este laço de amizade que existe entre os sentidos. Essa forma - ás vezes - tão discreta como eles interagem sem promover maiores alardes e ainda assim deixam tudo tão claro. Tão óbvio. Tão liberto dos subentendidos da vida.
É como acordar mais cedo e ver que por você ainda estar, quem sabe, no meio de um daqueles sonhos gostosos que poderiam durar mais uns 15 ou 30 minutos, lhe encontro sem defesas e à mercê dos meus desejos. Cada um deles. Todos contidos sob o ardor da minha pele desde cedo inquieta.
E antes que eu siga até as janelas a fim de cumprimentar o novo dia, ainda que pelo tom de azul do céu e a vivacidade dos raios do sol, estes sejam convites praticamente irrecusáveis, eu sinto como é inevitável atender às vontades da minha pele que clama pela tua. E assim eu fico mais um pouco.
Sutilmente lhe acaricio os cabelos cuidadosamente emaranhados sobre a orelha direita. Por alguma razão a minha preferida. E lhe descubro e desperto com um sorrateiro beijo numa das suas bordas ainda sob o status de presa fácil.
- Bom dia! Eu digo baixinho.
E com um leve movimento das suas pernas ainda reféns das minhas, percebo que mesmo através de um som quase inaudível, o seu sentir sempre reconhece o meu. E reage. E assim tudo se encaixa como peças moldadas exatamente umas para as outras.
Toco sua nuca e ouço um suspiro. Vejo sua pele se eriçar e não resisto ao impulso por sentir teu cheiro de preguiça fixado também na roupa de cama. Dou-lhe um beijo num dos ombros enquanto enlaço meus dedos nos seus e recebo seu espreguiçar vagaroso, ainda com as pálpebras tão pesadas que nem levantaram voo.
- Hmmm. Bom dia! Você me diz de forma arrastada.
Com um abraço firme lhe trago de encontro a mim. Com um sorriso você traz a certeza da escolha. No silêncio nos encontramos. O café que espere.
É quase sempre assim; você jura de pés juntos que não vai mais se apaixonar por ninguém, que não importa o quanto tentem, você se manterá firme, porque palavra dada é palavra seguida. Até porque, da ultima vez foi dureza. Lembra?
Mas aí, basta que sua vida se dê conta da existência daquela outra vida, e pronto.
Lá se vão noites em claro, olhares perdidos, falta de atenção.
O filme é antigo, sabe?
E não importa se você já assistiu vezes suficientes para ter decorado até mesmo as falas; você corre para a cozinha, prepara a pipoca e volta, ansioso(a) e sorridente, esperando que dessa vez o final feliz seja apenas seguir em frente.
É quase sempre assim.
Eu acredito que fazer alguém se sentir importante não exige tanta engenharia como se pensa. Basta que você fique atento(a) aos detalhes que se manifestam em silêncio e tome, ainda em tempo, a decisão correta.
Me diga se tem recompensa maior do que ver ele(a) acordar já sorrindo ao perceber que você lembrou que hoje é segunda-feira e que por isso vocês precisam e merecem comemorar, ainda que o motivo real seja o fato do café não ter ficado ralo.
Ufa!
Tem dinheiro no mundo que pague aquela cara de bobo(a) que ele(a) faz ao lhe ver se propondo a cortar o pão pra ela(e)? Posso até me arriscar a confessar que chega a ser uma poesia a forma como a faca desliza a margarina pelas fatias. Mas pode ser uma geleia, se você preferir. Ou requeijão? Ou nada disso? Decida, pô!
Vai me dizer que você é daquele(a) que pensa que gentileza se resume abrir a porta ou o guarda-chuvas. É?
Pois abrir sorrisos, (a)braços e a caixinha de música, também são formas genuínas de gentilezas que geram outras gentilezas. Ás vezes você nem precisa dizer uma palavra, basta estar por perto.
Sorrir nunca foi mais lindo do que diante de um outro sorriso como resposta. Eu acho.
E quando a gente realmente se importa, arruma tempo nem que seja contado nos dedos, só para dizer um "tô pensando em você" ou quem sabe, "Senti teu cheiro. Olhei pra trás mas não lhe vi. Que pena. Um beijo".
Pode parecer pouco, mas quando se pensa que a eternidade pode durar apenas 1 segundo, a decisão certa pode salvar o dia e a vida de quem costumava acordar se sentindo um nada.
Eu admiro pessoas que mesmo quando não sabem o que dizer, não lhe negam o conforto da sua mais sincera companhia. Pessoas que se recusam a ferir a honra do próximo, mesmo que este lhe tenha faltado com o respeito que lhe cabe.
Tenho aprendido que nossas melhoras amizades são aquelas que nos deixam convictos de que, ainda que um dia nos afastemos, nossos segredos, aqueles mais pessoais, continuarão guardados a sete chaves e jamais serão usados como munição de um possível rancor engatilhado.
Com as corriqueiras desventuras do dia a dia, aprendi que devemos - sempre que nos despedirmos de alguém a quem almejamos a saúde e a paz como marcas registradas - devolver um olhar de ternura, conscientes de que aquela pode ser a nossa ultima oportunidade de troca, e que se assim for, teremos um fôlego extra para também repousarmos em paz.
E entendi ainda em tempo que nem sempre podemos fazer tudo o que desejamos, mas que não podemos negligenciar o direito de resposta do tempo, pois antes de definir um episódio como tendo sido bom ou ruim, devemos cultivar a paciência em respeito ao que virá depois.
"Que seja doce!"
Talvez um dia alguém lhe escolha como anjo da guarda. E esta decisão não será baseada na ilusão de que você possui super poderes, mas sim na certeza de que, como nenhuma outra pessoa, você consegue fazê-lo(a) enxergar e compreender o outro lado da dor. Aquele onde fica guardado, muito bem escondido, o ensinamento que todo sofrimento sempre traz na sua bagagem.
E mesmo sabendo que nem sempre terá o que dizer, você sentirá orgulho por ser um porto seguro para alguém que compartilha a vida sem receio de que você o(a) veja desprovido(a) das suas guarnições. Alguém representado agora por milhares de fragmentos do que um dia já foi fortaleza.
Você será aquela pessoa que logo virá em mente quando ele(a) precisar repousar a alma cansada de bancar a durona. E será chamado(a) (ou procurado) sempre que o seu colo - carregado de ternura - for o travesseiro indispensável para transmitir a sensação real do acolhimento.
E eu entendo que em determinadas situações, tudo o que queríamos era ter uma carta extra na manga. O dom de tocar naquela vida e instantaneamente extrair toda a dor que existir, deixando espaço apenas para suaves prestações de uma felicidade que por ora lhe parece distante.
Mas para ser um anjo da guarda não é preciso mais do que a disposição para ouvir o que o coração já não suporta guardar sozinho, a serenidade para orientar até onde lhe é cabível e a sensibilidade para perceber quando os braços abertos se fizerem a mais confortável moradia para uma vida cansada.
Se o seu dia de anjo da guarda, chegou, agradeça. Nunca se sabe quando o nosso pouquinho será tudo o que alguém pode estar precisando.
"Gosto de pensar assim: se a gente faz o que manda o coração, lá na frente, tudo se explica."
Como qualquer outra pessoa eu carrego meus vínculos de amizades.
Alguns foram criados lá atrás, ainda na infância. Outros, vieram por conta de escolhas que foram feitas enquanto eu caminhava. E alguns até acabaram se perdendo pelo caminho.
No fundo eu acredito que a missão foi cumprida e eles apenas seguiram para o próximo desafio.
Mas tem um grupo que me deixa intrigado.
Confesso que nunca fui muito chegado a surpresas. Eu gosto de saber ao menos o que devo esperar, ainda que não tenha convicção de nada. Mas da vida, como de uma criança levada, eu aprendi que podemos esperar de tudo. Tudo, mesmo!
E assim a vida me presenteou com alguns (re)encontros que muito me agradaram.
Ás vezes, sem conhecer uma razão específica, a gente acaba criando um laço como qualquer outro. Uma mistura de identificação com ideias, gostos, atitudes.
Mas assim como no caso da beleza que encanta os olhos, para que o vinculo se mantenha resistente ás desventuras, é preciso mais. E é nesta hora em que, ao se aproximar (nem precisa necessariamente ser fisicamente) da pessoa com quem você criou este novo laço, você percebe (e ela também) que existe algo diferente entre vocês. Que, de alguma forma inexplicável, um consegue ler até os ‘não ditos’ do outro. E quando dito, a incoerência entre aquele “eu estou bem’” (que mal se sustenta de pé) e o timbre da sua voz enquanto as palavras são citadas.
Pessoas normais costumam passar reto. Elas olham, mas não vêm. E não é por maldade ou negligência com o seu sentir; é que estas pessoas não carregam a sensibilidade necessária para captar a frequência na qual sua vida anda vibrando. Mas quando sua alma (re)encontra uma outra alma afim, aí tudo muda.
“Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra.”
Diante de uma alma afim você sabe quando e o que precisa ser dito. E sente também quando é a hora exata para recomendar o silêncio. Aquele que permitirá que a sabedoria do tempo se manifeste na vida dele(a), de forma que o(a) faça compreender que não nos cabe ter todas as respostas e que a graça está na humildade de reconhecer quando é hora de, simplesmente, reformular a pergunta.
Diante de uma alma afim você não sente vergonha de se expor demais e nem de se reconhecer frágil. Você não pensa duas vezes antes de recorrer porque sabe o quão dispensável se faz demais explicações quando uma vida está disposta a receber a outra com todo o carinho e respeito que lhe cabe.
Uma alma afim você reconhece no tato, no trato e no abraço. Você sente sua presença no gesto que conforta e na saudade que confirma.
Almas afins se procuram no meio da multidão. E tenha a certeza de que, quando os olhares se encontram, não deixam qualquer um se colocar entre elas.
É uma constante partilha de admiração, respeito, carinho e até mesmo amor. Sem cobranças, sem demais expectativas. O que satisfaz uma alma afim é fazer você entender que ela estará ali, caso você precise ou não precise.
Almas afins não esperam declarações como comprovação de nada. Pelo contrário; elas se propõem, antes de mais nada, a sentir o vínculo. A perceber o valor que uma tem para a outra, no tom da voz, no ombro amigo que apoia, nas verdades que, ainda que inesperadas e por vezes, difíceis de digerir, foram ditas para lhe inspirar a ser melhor.
De uma alma afim você até pode se afastar sempre que precisar. E mesmo que não queira ou não tenha tempo para deixar um bilhete explicando a ausência, a sua fiel e companheira alma afim simplesmente aguardará o seu retorno, seja quando for. E lhe receberá sempre com aquele olhar de gratidão pelo retorno ao lar.
Uma alma afim não só sabe quando você está no caminho errado, como te alerta sobre os perigos e caminha contigo de volta para o caminho mais seguro. E você não se sente ofendido(a) por ser chamado à atenção, porque sabe que é para o seu crescimento.
Uma alma afim não só respeita a sua dor, como também compartilha a força para você se reerguer.
Uma alma afim decifra no seu olhar o que a boca preferiu guardar pra si. E também se cala.
Uma alma afim não apenas diz: "Vá com Deus, amigo(a)!", ela te acompanha até a porta para se certificar de que você chegou bem e em segurança.
Diante de uma alma afim você finalmente entende o real significado do: “Só você para me entender.” “Só você para me fazer rir numa hora dessa.” “Só você!”
"Os encontros mais importantes já foram combinados pelas almas antes mesmo que os corpos se vejam."
Eu creio.
Espero que um dia eu possa sentar num banquinho desses de praça e tenha a tarde inteira como testemunha dos meus sorridentes flashs de memória de uma vida realizada.
Vida essa que eu tive o prazer de compartilhar com uma Mulher que sempre soube como transformar um momento qualquer, na parte mais feliz do dia em cada um dos seus ínfimos detalhes, ainda que por vezes ela nem fizesse ideia disso.
Que no decorrer deste diálogo gostoso entre a saudade e a gratidão, possamos rir com gosto, dos tantos tropeços que feriram os nossos pés mas não nos impediram de continuar caminhando juntos, lado a lado, como se a menor possibilidade de afastamento resultasse num provável tombo pela falta de uma parte de nós mesmos que coabita a existência alheia.
Que a cada dia possamos olhar nos olhos do outro e perceber que continuamos sendo a trilha sonora que embala nosso melhor sorriso-cúmplice. E que ele jamais permita que as amarguras externas nos tirem a alegria de ver no outro, a razão para sempre agradecermos por mais um despertar com aquela voz gostosa promovendo os risos sempre tão soltos e leves.
E que tenhamos, apesar dos dias cinzentos, a certeza de que valeu a pena ter acreditado, um dia após o outro, que estivemos sempre no lugar exato. Que o nosso sim foi o responsável por hoje termos consciência de que o tal final feliz, talvez seja apenas o seguir em frente, quando tudo parece estar por um fio, mas logo retoma sua estabilidade e consistência, porque permanecer é coisa de quem não tem medo de ficar.
Já ouvi dizer que existem pessoas que são como trilha sonora. E que só de pensar nelas ou até mesmo ouvir a voz, nosso corpo, de alguma forma, reage.
Eu sinceramente me amarro nessa ideia de ter em quem pensar e sentir que nossos olhos se encheram de luz por conta do flash de memória que nos rouba um riso contido ou uma gargalhada, porque essas pessoas nos inspiram a enxergar a vida com olhos de criança, sem mácula. E nisso a gente acaba optando por valorizar o que há de mais bonito nelas, mesmo tendo consciência de que são tão imperfeitas quanto nós.
Embora eu seja apaixonado por música, a tal ponto de em determinados momentos chegar a sentir a pele arrepiar-se quando algumas delas em especial entram em execução, minha atração maior é pela leitura.
Se algumas pessoas encantam tanto a ponto de serem taxadas de trilha sonora que nos move, imagina que delicia é ter alguém para quem se possa dizer: Você é meu livro de cabeceira.
Pois eu prefiro assim. Ler. Descobrir em cada capitulo o quanto eu poderia estar errado na primeira avaliação da capa, e maravilhar-me com as infinitas possibilidades de expansão daquele universo que eu ainda estaria desvendando, página por página, inclusive tendo que – invariavelmente – voltar algumas ou ler mais devagar, para só então compreender o contexto do momento.
Eu gosto de sentir que a cada parte concluída, me reconheço ainda mais impulsionado a explorar o que ainda está por vir, a tal ponto de, dependendo do fascínio despertado, chegar a perder a noção do tempo e acabar indo dormir bem mais tarde que o normal, só porque eu não conseguiria ficar em paz sem decifrar certos mistérios...
E como sempre digo, o importante é entrar em contato. Estabelecer um laço entre quem observa e quem é observado, de modo que o processo seja agradável tanto para quem lê, quanto para quem é leitura.
Ás vezes a gente dá uma sorte danada de encontrar alguém para quem se possa dizer: Caramba! Por que não nos encontramos, antes? Me sinto tão bem contigo que é como se a gente já se conhecesse de outros tempos. Outras vidas, quem sabe!?
E tomara que a gente não perca a esperança de (re)ver a fartura dos sorrisos largos, porque esses iluminam tanto quanto sol de primavera.
Que os reencontros sejam sempre marcados pelos abraços mais apertados e sinceros. E que as partidas - quase sempre doloridas - sejam como uma breve pausa entre um beijo no olho e outro na ponta do nariz.
Que não precisemos esperar pelo inverno para nos permitir a graça de sermos e termos a companhia mais desejada para compartilhar o calor humano. E que na falta do que dizer, optemos por autorizar o coração a contar o que sabe. E que ele sempre seja o nosso companheiro de leitura.
Que antes de precisar de alguém, saibamos conviver apenas conosco. E que assim possamos oferecer o melhor de nós para quem não tiver medo de ficar.
E que aqueles que amam não deixem de dizer o que sentem. E tendo dito, que sigam a partir dai, tendo o passado sendo conjugado sempre no seu tempo, ainda que por vezes ele teime em bater à porta do presente.
Quer saber? Você fica tão mais linda quando sorri assim, distraidamente. É como se inconscientemente você fizesse uma homenagem aos tantos olhares que ligeiramente atravessam teu caminho sem nem suspeitar do que existe por trás de tanta harmonia nos passos seguros que escondem com tanta perfeição os sintomas das noites - por vezes - mal dormidas.
Larga mão deste espelho e me olha nos olhos. Eles quase sempre farão festa ao lhe contar como você realmente é e frequentemente não nota.
Será que não percebe como eles se iluminam como farol na beira do mar, sempre que eu lhe vejo? Será que você nunca reparou no quanto eu fico sem jeito quando você me devolve o olhar e neste instante eu estremeço por dentro, e permaneço alguns segundos inerte, sem saber bem o que dizer, já que minha atenção está voltada inteiramente para sua boca que me dá mil explicações pelo interminável atraso de 10 minutos?
Preste mais atenção nos meus sinais. Assim você perceberá, por exemplo, como eu sempre abro um sorriso bobo quando lhe ouço falar com tanta veemência sobre o aterrorizante defeito no seu nariz, que só você vê enquanto eu perduro sorrindo do seu jeito acanhado de dizer que eu só posso estar cego por não notar. Ou quando me diz que de tão inquieta, mais uma vez cortou o cabelo e se arrependeu amargamente de ter se desfeito dos enormes 2 centímetros.
Ah, se você pudesse ver a si mesma através dos meus olhos!
Ao andar de mãos dadas, você não somente transmite a mensagem de que não está sozinho(a), como ainda envia, sutilmente, fragmentos do seu estado de espírito. É como se ao ser observados andando juntinhos, entrelaçados pelos dedos (e almas), os olhos alheios percebessem que ali não vão duas pessoas, mas sim o resultado da união deles. Seria como uma transformação instantânea de "ele e ela", para "eles".
E isso acaba sendo um incentivo/exemplo do que outros podem querer para suas experiências, também.
Existe coisa mais bonita e motivadora, para jovens casais, do que ver um casal de idosos, andando, ainda que com dificuldades impostas pelo tempo, de mãos dadas e com um sorrir estampado no rosto? Aposto que sua resposta também é um sonoro "Não!".
Andar de mãos dadas, ao menos pra mim, é uma espécie de garantia de um porto seguro sempre ali, pra mim e pra ela, quando a gente vier a precisar. É deixar registrado que a gente até pode adiantar o passo ou retardá-lo, que ainda assim aquela pessoa que escolhemos para estar ao lado e ser nossa companhia, continuará perto o suficiente para que possamos nos sentir seguros o bastante para encarar qualquer obstáculo que possa surgir.
Com o tempo eu fui percebendo que amar é reconhecer a necessidade de dar abrigo seguro para aquilo que, de tão intenso e grandioso, já não cabe mais em mim. E que ao entregar a melhor e a pior parte de quem sou, me resta a esperança de que lá - onde e caso sejam recebidas - as partes que me compõem possam simplesmente ser acolhidas em segurança.
Porque amo, me cabe a missão de fazer de quem sou, o melhor porto-seguro para quem me tem amor. Por ser amado, me torno responsável por aquilo que me foi entregue em confiança. Porque nos amamos, estabelecemos assim que estando você em mim, e eu em ti, teremos, por fim, as ferramentas necessárias que nos manterão vivos, ainda que fora do corpo que abriga nossas almas.
Amar e ser amado é como a relação entre a planta e seu jardineiro.
O ser amado (jardineiro) traz consigo os conhecimentos de que para o amor obter longevidade, será preciso vincular ás suas raízes, características próprias do seu oficio, como confiança, segurança e proteção, para que ela (relação) se desenvolva em comunhão com seu zelo.
Por outro lado, quem ama, guarda consigo a essência (semente) de tudo o que lhe é concreto, e do que poderá vir a ser quando for plantada e assim possa receber os cuidados especiais para que este amor floresça forte e sadio.
"O maior favor que se pode fazer a uma semente, é enterrá-la."
Segundo os dicionários, despedida significa (entre outros) dizer adeus. Dizer adeus e não um até logo, segundo o meu sentir, representa uma decisão consciente de partir sem passagem de retorno. Ir, sobretudo, em frente. Encarando a ausência de quem resolveu permanecer lá – seja onde for - e não aqui.
Mas esta ideia crua de partida nunca fez muito sentido para mim. Ainda hoje eu procuro entender o contexto da finitude. Do então é isso, acabou. Fim da linha. Au revoir!
Sempre que me coube o poder da decisão, optei por experimentar a doce incerteza de um “até mais!” - que muitas vezes chegava a demorar mais do que o esperado -, a ter que ouvir um seco e indigesto “até nunca mais!”. Ou nem isso.
Confesso que durante muito tempo eu acreditei que a pior parte em ter que lidar com uma despedida, fosse o acordar pela manhã seguinte e perceber que a casa estava vazia. Que aqueles tão habituais sons de vozes e passos haviam, enfim, emudecido. Que tudo aquilo que poderia vir a ser, conjugou-se no tempo passado antes mesmo de ter sido um presente, num presente.
Mas eu finalmente percebi que no final das contas, saber que alguém partiu para não mais voltar não representava em si a dor maior. O epicentro de todo o meu sofrimento.
O que de fato orquestrava - e com mestria – os efeitos da despedida como ato irretocável, era a sensação de que alguém se foi, sem ter, de fato, ido; que é quando a razão olha para os lados e só vê um espaço amplo, porém, oco, e então a emoção vem e diz: - Nâo. Olhe direito! As lembranças estão aqui. Todas elas. Em todo canto. Em cada parede. Em cada piscar de olhos que remete a sorriso. Em cada silêncio que entoa aquela voz reconhecível no meio de uma multidão de outras vozes. Em cada marcação de tempo que faz recordar uma mão que sempre encontrava a outra no meio de uma daquelas noites tempestuosas que inspirava a ficar junto. Unindo forças e sentimentos. Sendo e permanecendo.
Talvez um dia eu amadureça o suficiente para compreender essas coisas acabáveis. Ou talvez continue acreditando que em algum momento acontecerá um reencontro e então o adeus, por fim, se redimirá.
Ás vezes a saudade bate com tanta força que diante da veemência dos estragos deixados durante a sua passagem, dificilmente alguém se atreve a definir com propriedade quem – até o presente momento - foi a sua maior vitima; se o olhar, que na incerteza de um reencontro se vê incapaz de esconder as marcas do seu descontentamento mais sincero, ou se a pele, que de tão acostumada com as tantas e tão intensas entregas sempre bordadas com fios de cumplicidade, já não sabe expressar com clareza se o que mais sente é a falta ou uma falta de sentir.
Abraços costumam ser genuinamente aceitos e compreendidos, não importa o idioma de quem materialize um sentimento. Mas quando se tem pele com alguém, estando aninhado(a) no (a)braço do outro como se logo adiante a eternidade estivesse à nossa espera, percebemos, sem equívocos, que aquele lugar foi especialmente criado para acalmar nossas dúvidas mais traidoras, bem como para acomodar nossas certezas mais doces.
Que ali, dentro daquele gesto, só há espaço para a conjugação do verbo ser. E então somos. Nós. Sós.
E naquele breve instante onde os nossos olhares se encontram preenchendo o espaço deixado pela (agora, dispensável) fala que se perdeu pelo caminho, nada mais importa tanto quanto estarmos ali, em silêncio. Ambos em unidade. Dois corações numa única batida. Ritmada. Intensa. Criteriosa. Tendo o silêncio como nosso aliado, permitindo que a nossa respiração agora se vista de trilha sonora. A nossa. E nela pegamos carona com destino à certeza mais aconchegante. Embalados pelo cheiro mais apaziguador. Guiados pelos toques mais verdadeiros.
Como é bom estarmos juntos para sermos, pura e simplesmente, nós.
E que aqueles que amam não deixem de dizer o que sentem. E tendo dito, que sigam a partir dai, tendo o passado sendo conjugado sempre no seu tempo, ainda que por vezes ele teime em bater à porta do presente.